O feriado de 7 de setembro é também conhecido como o dia do tradicional Grito dos Excluídos, que desde 1994 propõe manifestações com algum tema voltado ao combate às injustiças e desigualdades sociais. Para a CUT, que encerrou nesta quinta-feira (31) seu congresso extraordinário, será também dia de encaminhar a mais importante resolução do evento, segundo o presidente da central, Vagner Freitas: o lançamento de uma campanha para colher 1,3 milhão de assinaturas em apoio a um projeto de lei de iniciativa popular que anule os efeitos da reforma trabalhista. A campanha, acredita Vagner, será uma forma de os sindicatos estreitarem seu contato com os trabalhadores nos locais de trabalho, agora com “muito mais moral”para cobrar o alerta que faziam antes do impeachment – o de que o golpe que derrubou Dilma Rousseff não era contra Dilma, mas contra todos os direitos conquistados nas últimas décadas.
“Agora as pessoas estão vendo o que está acontecendo. Não é mais ‘olha, eu estou avisando, vai acontecer isso, isso e isso’. Está acontecendo. O desemprego é assustador, a crise de credibilidade do país é sem tamanho, a economia está destroçada e sem rumo – a nave está completamente desgovernada”, diz Vagner, nesta entrevista à RBA. “Por isso, se dizíamos antes que a luta era necessária e valia a pena, agora vamos dizer isso mais ainda, e com mais aderência entre esses trabalhadores, que estão sentindo na prática os efeitos devastadores desse governo.”
Em seu congresso, que reuniu nesta semana mais de 700 representantes de sindicatos de todo o Brasil, a central decidiu também programar um dia nacional de lutas, acompanhando uma ação que já estava programada pelo movimento Brasil Metalúrgico em defesa dos empregos na indústria e das estatais – reunindo sindicatos da categoria associados a várias centrais. Outra data considerada importante para a CUT será o 3 de outubro, dia em que a criação da Petrobras completa 64 anos, e que está programado um ato de protesto, diante da sede da empresa no Rio de Janeiro, com objetivo de denunciar a operação de desmonte promovida pelo governo nesta e em outras empresas públicas consideradas pelo sindicatos estratégicas na promoção do desenvolvimento nacional.
Outras duas decisões foram consideradas prioritárias para os sindicatos cutistas no próximo período, ambas acompanhadas de bordões que resumem seu sentido: “Se botar pra votar, o Brasil vai parar”, a respeito da reforma da Previdência que está prestes a andar no Congresso; e “Eleição sem Lula é fraude”. Para a CUT, a anulação dos atos do “governo ilegítimo”, a restauração da democracia e a perspectiva de retomada de um projeto soberano de crescimento passam pela possibilidade de retorno do presidente mais bem avaliado da história, para assumir o lugar hoje ocupado pelo pior deles.
Por que fazer um congresso extraordinário da CUT e como você avalia o resultado?
Transformarmos a nossa plenária nacional estatutária em congresso extraordinário para fazer um debate mais aprofundado da conjuntura. A CUT tem feito enfrentamento extraordinário contra o golpe e pela volta da normalidade democrática, e todos neste congresso reconhecem isso. Fizemos a maior greve de todos os tempos, a maior ocupação de Brasília de todos os tempos, e agora estamos avaliando quais serão os passos daqui em diante. A reforma trabalhista foi aprovada, está para ser posta em prática a partir de 11 de novembro e já tem efeito devastador para as categorias em termos de perda de emprego. Discutimos no congresso a luta pela anulação jurídica da reforma trabalhista. Entendemos que ela é inconstitucional, mas não teremos como estratégia ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. É possível que o STF já tenha visão determinada sobre isso e essa ação cairia por terra. Podem haver perspectivas mais favoráveis se entrarmos em varas regionais com ações, onde existem muitos juízes contrários ao texto da reforma.
Uma das resoluções é promover uma coleta de assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular que revogue a lei da reforma trabalhista, é isso?
Isso. Esta foi a mais importante deliberação deste congresso, junto com o plano de lutas nas próximas semanas.
Os movimentos sociais e sindical têm promovido atos e manifestações do ano passado para cá, mas o envolvimento de trabalhadores e cidadãos não engajados deixou a desejar. Há um desânimo geral?
Esse é o objetivo principal de promover essa campanha de adesão ao projeto de lei de iniciativa popular. Já fizemos manifestações, atos públicos, paralisações, greve geral. Agora, o trabalhador precisa também entrar em campo, se envolver nas atividades que os movimentos se propõem a fazer, pressionar o deputado em que ele votou, o senador. A construção desse projeto de lei revogatório será um importante instrumento para isso, pois levará os sindicatos a uma inserção mais intensa em suas bases, ao contato direto com o trabalhador na ponta, para envolvê-lo nesse processo de resistência. O congresso também promoveu uma intensa discussão da crise política, e entendemos que eleição sem Lula é fraude. A eleição de Lula presidente da República acaba se tornando também um instrumento de luta pela revogação não só da reforma trabalhista, mas de todas as decisões tomadas durante esse governo golpista nocivas aos trabalhadores e à soberania nacional.
As pesquisas de opinião revelam forte rejeição da sociedade às reformas promovidas pelo governo Temer. Os parlamentares parecem não se preocupar com a repercussão negativa, talvez por contarem com a blindagem dos meios de comunicação. Ou seja, tudo indica que o Congresso não vai se constranger de votar a reforma da Previdência em breve.
Nós discutimos aqui um mote para isso: “Se botar pra votar, o Brasil vai parar”. Nós vamos organizar outra greve para impedir essa reforma e para convencer os trabalhadores a participar desse movimento. Você mencionou um aspecto da conjuntura que esteve muito presente no nosso congresso extraordinário. Este governo que está aí não tem a menor preocupação com apoio da sociedade. O Temer tem a pior avaliação da história. Tem menos aprovação do que tinha o (general João Baptista) Figueiredo quando disse que gostava mais de seus cavalos do que de gente. Não está preocupado, nem a maioria dos congressistas está.
Então, além de propor o projeto de lei de iniciativa popular, além de propor a greve para impedir a reforma da Previdência, nós temos de promover desde já ações políticas para chegar no ano que vem em condições de mudar esse Congresso que está aí, além de eleger outro presidente da República, porque com esse presidente e com esse Congresso, pouco importa o que pensa o povo.
Precisamos levar esse debate ao trabalhador, deixar muito claro que o que ele está perdendo em direitos e como cidadão que vai ficar sem políticas públicas, e o que o país está perdendo, tem a ver com aqueles em quem ele vota. Eleger Lula é muito importante, é um antídoto a todos esses venenos que estão aí – porque também não podemos permitir que seja eleito alguém que dê continuidade a esse processo de destruição de direitos e do Estado. É preciso convencer os trabalhadores das diferenças de opiniões e de projetos que temos para o Brasil. Esse debate não pode ficar só no âmbito da militância, da vanguarda. Tem de chegar forte na população.
As pessoas ainda estão tomando pé das consequências diretas das ações de governo em suas vidas?
Nós avaliamos que os trabalhadores começam a ter um outro olhar, ao sentir na pele os efeitos do golpe. Antes, a gente dizia o que ia acontecer, alertava, e vinha a mídia trabalhando forte para convencer as pessoas de que as reformas são boas, necessárias, que a Previdência vai quebrar, que a legislação trabalhista encarece os empregos. Isso confunde e desorienta a opinião pública. Agora as pessoas estão vendo o que está acontecendo. Não é mais “olha, eu estou avisando, vai acontecer isso, isso e isso”. Está acontecendo. O desemprego é assustador, a crise de credibilidade do país é sem tamanho, a economia está destroçada e sem rumo – a nave está completamente desgovernada.
Por isso, se dizíamos antes que a luta era necessária e valia a pena, agora vamos dizer isso mais ainda, e com mais aderência entre esses trabalhadores, que estão sentindo na prática os efeitos devastadores desse governo. A capacidade de desinformação da imprensa tem limites. Não tem família no Brasil que não tenha um desempregado. Então, continuaremos propondo os atos, manifestações e greves, mas também com os sindicatos mais envolventes e convincentes dentro dos locais de trabalho para fazer com que o trabalhador saia da acomodação de seu casulo e venha para a luta. Ele saindo da inércia vai ajudar seu sindicato a enfrentar e mudar essa realidade. E não é só o enfrentamento na relação de trabalho, mas também o enfrentamento político. O trabalhador não pode eleger políticos que atuem contra seu interesse, nem no Executivo, nem no Legislativo.
Num momento em que a política é tão criminalizada e satanizada pelos meios de comunicação, a impressão que dá é que a imprensa comercial trabalha para que as pessoas não acreditem mais no ato de votar. Entretanto, o movimento sindical nunca teve argumentos tão fortes para mostrar que tudo que acontece na vida do trabalhador não decorre apenas da cabeça do seu patrão. Tudo passa pela política. É por aí?
Sim, estamos com a faca e o queijo na mão para ir às bases e mostrar que tudo aquilo que dizíamos, “olha, o golpe vai ferrar você”, deixou de ser opinião de sindicalista. Antes podiam pensar: “esses caras só estão dizendo isso pra não perderem o governo”. Agora o cidadão não tem mais a desculpa de não vir para a luta por achar que o seu sindicato só estava reagindo porque não gosta do Temer, porque não gosta do Aécio… Chegou o momento de o trabalhador compreender que se ele não prestar atenção na política, não se interessar pela consequência do seu voto, e não se organizar para se apropriar da política, ele vai continuar sendo governado por gente que governa contra ele.
Nosso sindicalismo cutista não faz só sindicalismo para confrontar a mão de obra e o capital. Criamos a CUT para fazer um sindicalismo que mude a vida das pessoas, e isso não se faz apenas no embate capital-trabalho. É preciso mudar o papel do Estado, é preciso intervir na forma de funcionamento político e econômico do país. Quando a gente ia ao local de trabalho para dizer que o impeachment não era contra a Dilma, “é contra você”, várias vezes o sindicato era rechaçado pelo cara que dizia não querer saber dessa guerra política “de vocês”. Agora os sindicatos estão mais empoderados pra chegar no trabalhador e dizer: “Entendeu o que eu estava avisando?”
É como aquela criança que não ouve a mãe e só vai entender que o buraco da tomada dá choque pondo o dedo lá?
Pois é. Esse trabalhador foi lá e meteu o dedo na tomada. Está vendo o que está acontecendo. E se nós, sindicatos da CUT, não tivéssemos feito o enfrentamento ao golpe, nós não teríamos moral hoje para propor alternativas, solução, continuidade da luta. A gente agora tem mais moral do que nunca para fazer isso. Por isso que o clima aqui no congresso da CUT não é de derrota, porque fizemos greve, e ainda assim passou a reforma. A luta continua e a coisa não está dada completamente. Nós temos condições de reverter, vamos fazer campanha revogatória. Temos mais condições de ter o trabalhador do nosso lado. Nós fizemos muita coisa, mas não tivemos trabalhador ombro a ombro conosco nessa luta. Se tivéssemos, não tinha passado a reforma.
Você diz que muito da reconstrução do país passa pela eleição do Lula. Mas e se ele for impedido pela Justiça?
Se o Lula for impedido, o candidato que ele indicar será eleito pelos trabalhadores. Eles estão com medo do que vão fazer. Eles não sabem se afastam o Lula ou não. Dependendo da forma que fizerem, vão transformar o Lula numa vítima, porque eles não têm moral para tornar o Lula inelegível, com o Rocha Loures saindo com sacos de dinheiro, passando na televisão. Com o Aécio cheio de denúncias absolvido pelo Congresso. Com um presidente em exercício, golpista, flagrado fazendo negociata com empresário na calada da noite.
Você acha que é a circunstancia política, e não a ciência jurídica, que vai decidir o futuro do Lula?
Nas últimas falas do juiz Sérgio Moro ele diz isso: não é necessário a comprovação do ato, apenas os acontecimentos que dão a noção de que é verdadeiro. Isso não existe. Tem que ter prova, fato. Cadê o documento de que ele é dono do sítio? Ou do apartamento? Não tem. Eu acho que eles estão pensando muito em relação a isso. E nós vamos fazer a campanha de que eleição sem o Lula é fraude. Não estou dizendo que, por causa disso, vamos nos furtar de participar do processo eleitoral. Nós estamos construindo um processo em que temos de indicar companheiros sindicalistas e trabalhadores para concorrer a deputado federal e senador para que o trabalhador tenha em quem votar.
Não é possível que você tenha a bancada da bíblia, da bala, da bola, ruralista, e não tenha a dos trabalhadores. Vamos colocar nossos militantes mais experientes, populares, que têm credibilidade, para concorrer ao Parlamento. Não podemos deixar o Parlamento à disposição do empresariado, como é hoje. Este congresso extraordinário da CUT entende que a eleição do Lula tem a ver com a redenção dos direitos dos trabalhadores. Para nós, uma das formas de retomarmos os direitos, além da luta sindical, é eleger o Lula e uma boa bancada.
Você acompanhou a caravana de Lula pelo Nordeste. As pessoas têm um sentimento ao mesmo tempo de gratidão e de preocupação com o futuro. No Nordeste tem sido um sucesso e lá tem 25% do eleitorado. Você acha que ele conseguirá fazer caravanas como essa no Sul ou Sudeste?
Temos certeza. Eu acompanho muito ele. Nós tínhamos como política dar condições ao Lula de ser o líder que é. Levantando a moral, defendendo contra a perseguição que ele sofre. Nós sabemos que as centrais sindicais são importantes, os partidos de esquerda são importantes e os sindicatos também. Mas, o principal instrumento de luta do trabalhador hoje é o Lula. Nós o apoiamos, porque ele nos apoia. É um projeto, ele pode fazer com que tenhamos nossos direitos garantidos, e outros não farão isso. Eu vou propor que a caravana venha a São Paulo. Temos de andar pelo interior do estado, mostrar o que fizemos por São Paulo e o Brasil.
Aqui parece haver muita gente envergonhada.
E arrependida. Não é que eles não gostam, é que a mídia é mais influente, o capitalismo é mais influente. A imprensa tradicional trabalha com a ideia de fazer com aumente o percentual de votos brancos e nulos e de abstenções. A soma desses três foi maior que a votação do João Doria em São Paulo, e ele acabou eleito no primeiro turno. Eles trabalham para isso. A negação da política tem essa função. Quando você faz a negação da política, você vai ao fascismo e à intolerância, sem discussão. Isso é feito para impedir que pensamentos modernos e civilizatório virem maioria na sociedade. Só que eles perderam a mão.
A mídia e o poder econômico, e o PSDB em grande medida, ao promover o ódio e a intolerância, criaram um monstro chamado Bolsonaro e agora não sabem o que fazer com ele. As pesquisas o colocam como opositor do Lula, não é o tucanato, não tem um nome do PSDB em condições de disputa, é o Bolsonaro. A soma dos três tucanos mais conhecidos dos tucanos não dá um Bolsonaro. Eles propagaram o ódio e agora eles estão preocupados, porque uma alternativa com Bolsonaro destrói o Brasil, a economia, nossa credibilidade, porque a visão dele sobre Estado é uma tragédia. Para quem é capitalista e quer ganhar dinheiro, Bolsonaro não serve.
Para os direitos civis individuais também não serve.
Sim, e o PSDB não é alternativa na eleição. Eles sabem disso, por isso inventam o Doria, que está com essa projeção. Eu acho que ele será candidato, com ou sem PSDB. Ele não tem apego a partido politico, é um oportunista. Quanto mais tempo ele fica na política, mais ele se descredencia. As pessoas estão vendo, ele não é prefeito de São Paulo, não cuida da cidade, e não ganha mais eleição. É um marqueteiro que a mídia apoia. Ele virou um anti-Lula. Ele não fala dele, fala do Lula. Nem o PSDB nem vai querer o Doria. Nós precisamos fazer esse debate com os trabalhadores. Acima de tudo, demonstrando a diferença de projetos que temos para o Brasil e apresentando-se como alternativa.
Hoje (quarta, 30) está havendo reunião do presidente interino, Rodrigo Maia, com algumas centrais sindicais. A CUT não participa? Por quê? Está acompanhando?
Estamos acompanhando. A CUT, no Fórum Nacional do Trabalho, em 2003, já apresentou a sua proposta: o fim do imposto sindical, substituído pela contribuição negocial, que tem de passar por assembleia e o trabalhador tem que concordar. A CUT não acha que a luta sindical aconteça só com o associado e o valor que ele paga. Nós achamos que deve haver um complemento para fazermos as lutas – até porque todos ganham com ela, associados e não associados. Nós achamos que tem que ser uma contribuição que o trabalhador tenha o direito de se opor, mediante a avaliação que ele tem do desempenho do sindicato. Essa é a proposta que está vindo, através de uma medida provisória que o Temer editaria e teria que ser votada pelo Congresso.
A CUT não participa porque determinadas centrais colocam ênfase muito grande nessa questão de financiamento. Eu tenho alertado os companheiros das centrais em relação a isso. Temos de fazer a luta para retorno dos direitos dos trabalhadores. Também temos que fazer pelo financiamento do sindicato, porque é o principal instrumento de luta dos trabalhadores, mas a nossa ênfase não pode ser primeiro no financiamento, depois na luta. Essa é a divergência. E eu não vou negociar com um governo que não considero legitimo.