Impostas pelo governo Michel Temer, as mudanças inconstitucionais nas regras da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) acabam com a comunicação pública no Brasil. Isso porque a gestão golpista ameaça interferir na gestão e na produção de conteúdo do órgão, segundo a presidenta do extinto Conselho Curador do órgão, Rita Freire.
“A ameaça está na contaminação do conteúdo por interesses dos partidos no poder, e na rápida eliminação de programas que não interessem à política”, explica.
O Conselho Curador da EBC foi uma das instâncias prejudicadas pela inteferência de Temer, sendo extinto após a edição da Medida Provisória (MP) 744/2016. A história por trás dessa proposta, aliás, mostra como foi arquitetado um ardiloso golpe contra a independência e a autonomia da empresa.
Tudo começou com a tentativa de Michel Temer de demitir à força o presidente legítimo do órgão, Ricardo Melo, nomeado pela presidenta Dilma Rousseff no dia 10 de maio.
Temer assumiu interinamente a presidência da República no dia 12 de maio. Apenas cinco dias depois, mandou exonerar Melo do cargo, colocando no lugar o jornalista Laerte Rímoli, aliado de Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
O problema é que a Lei 11.652/2008, que criou a EBC, garantia a Melo um mandato de quatro anos. Ainda segundo a legislação, só quem poderia retirá-lo da função era o Conselho Curador da empresa.
Não deu outra: o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou revogando a ilegalidade pouco tempo depois. O ministro da corte, Dias Toffoli, acatou uma ação de Melo contra a manobra de Temer e o reconduziu ao cargo até o plenário do tribunal decidir sobre o caso.
Para passar por cima do STF, o governo precisou editar a MP 744 no dia 2 de setembro. A proposição praticamente deu plenos poderes ao Executivo sobre a empresa pública, como a livre nomeação e exoneração do presidente do órgão. Além, claro, de extinguir o Conselho Curador da EBC. Os golpistas chegaram a tirar Melo do cargo no mesmo dia e nomear Rímoli, mas o medo de uma resposta dura do STF os fez voltar atrás na empreitada poucas horas depois.
Como toda medida provisória tem efeito imediato de lei e as regras da empresa foram alteradas, Dias Toffoli reviu, na quinta-feira (8), a própria decisão de garantir Melo no cargo. Finalmente Temer conseguiu emplacar o aliado de Cunha na empresa pública.
A MP é válida por 60 dias, prorrogável por igual período. Até lá, o Congresso Nacional precisa deliberar sobre a matéria, podendo alterar trechos da proposta ou até mesmo a rejeitar completamente. Caso os parlamentares rejeitem o texto ou a proposição não seja votada dentro do prazo, voltam a valer as antigas regras da empresa.
A empreitada golpista sobre a comunicação pública levou legendas como o PT, PCdoB e PDT a tomar uma atitude. Nos próximos dias, esses partidos devem entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a medida provisória. “Justamente porque a MP 744 desrespeita vários artigos da Constituição, entre eles 222, o que assegura a participação da comunicação pública no tripé da comunicação do Brasil, como complementar à comunicação estatal e a privada”, explica Rita Freire.
Ela acredita que a MP representa, mais do que uma ameaça, a própria extinção da EBC como empresa de comunicação pública, ao colocar todas as decisões e espaços de gestão nas mãos do governo. “Ela afasta a sociedade da gestão da empresa, ao extinguir o Conselho Curador, que tem o papel de dar diretrizes de interesse público, vigiar pelo seu cumprimento e corrigir problemas”, explica.
Para Rita, as ações de Temer são uma forma clara de neutralizar a comunicação pública. “Quando a democracia se torna um problema para quem está no poder, a comunicação pública vira uma ameaça. Não só o interino cometeu uma ilegalidade, como seus auxiliares promoveram uma verdadeira campanha de desestabilização da empresa através de notas, vazamentos e declarações à imprensa”.
Interferência no conteúdo
Rita Freire afirma que as decisões autoritárias do governo sobre a comunicação pública interferem fortemente no conteúdo discutido pela TV Brasil, que faz parte da EBC. Com o fim do Conselho Curador, por exemplo, acaba a garantia de que as políticas públicas sejam discutidas pela emissora, as rádios e agências da empresa, e esses debates e informações sejam retransmitidos em rede pública.
“Uma das ameaças já se concretizou, com o início da redução da programação infanto-juvenil. O governo fez isso ao cortar os recursos necessários para renovar os programas com licenciamento vencido. Outros vão vencer e podem ir pelo mesmo caminho. O Conselho Curador tinha uma reunião marcada para impedir essa redução, mas foi extinto pela MP algumas horas antes dessa reunião”, lamenta.
Recursos cortados
A ex-presidenta do Conselho Curador lembra ainda que os recursos que auxiliavam a empresa foram cortados ou retidos. Além disso, há R$ 2 bilhões da EBC, oriundos da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP), que as empresas de telecomunicação não liberam. E ainda há outros recursos que o governo segura no seu próprio caixa. “Esses recursos são da comunicação pública. E só a EBC pode utilizá-los ou distribuí-los”, explica.
Para ela, é um grande risco deixar essa “poupança forçada” da comunicação pública nas mãos de quem não tem compromisso com ela. “Várias emendas foram apresentadas por parlamentares para que o Conselho e suas funções sejam restabelecidas, assim como a garantia aos mandatos. Dessa forma, a sociedade poderá cobrar e fiscalizar o emprego dos recursos”.
Carlos Mota
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