O que pode haver em comum entre fraudes no SUS, o Sistema Único de Saúde, e o superfaturamento de licitações tocadas pela Codevasf, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba? A resposta é o orçamento secreto, criado no governo Bolsonaro para turbinar o apoio de uma maioria de deputados ao presidente da República. E a admissão foi feita pelo próprio candidato à reeleição, durante debate na TV Band na noite deste domingo (16).
“Se o senhor recebeu um dinheiro do orçamento secreto, o senhor vai votar comigo”, esclareceu Bolsonaro, que, em outro trecho, voltou a admitir o esquema: “eu jamais daria dinheiro pra essa turma aqui se eles não tivessem (sic) votando comigo”. É possível que tenha sido um esclarecedor escorregão do presidente durante embate com o candidato Lula. Mas, como anotou o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), o escândalo bolsonarista foi desmascarado pelo próprio Bolsonaro.
“A verdade está clara: Bolsonaro usa o orçamento secreto para comprar votos. É um governo que não liga pra transparência”, completou o senador.
Negacionista contumaz, Bolsonaro sempre mentiu que orçamento secreto é assunto do Congresso Nacional. No debate da Band, afirmou que a prática foi instalada pelo ex-presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, que, segundo ele, intencionava retirar poderes do Planalto.
No intervalo do programa, Rodrigo Maia foi ao Twitter para provar que era mentira. Lembrou que a execução do Orçamento é uma prerrogativa do Executivo e publicou na rede social a Mensagem Presidencial n° 638, assinada por Bolsonaro e pelo então ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, que instituiu o orçamento sem transparência.
“São os dois criadores do orçamento secreto. De fato, o Congresso tentou, ele vetou, o veto foi mantido, e ele criou a RP9 por uma mensagem assinada por ele e pelo ministro Ramos. Essa é a verdade. Infelizmente, de verdade eles conhecem pouco”, disparou o ex-presidente da Câmara.
As chamadas RP9, ou emendas de relator, são a ferramenta do orçamento secreto, uma vez o sistema do Congresso não registra os nomes dos parlamentares beneficiados, somente o nome do relator. Tampouco há transparência sobre os critérios de distribuição desse dinheiro. De acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que projeta o orçamento do próximo ano, o relator vai decidir, sozinho, o destino de nada menos que R$ 19 bilhões em 2023. A estimativa é que esse tipo de gasto secreto decidido no governo Bolsonaro alcance R$ 65 bilhões.
De onde sai?
Para que não falte dinheiro, e poder, ao relator do Orçamento e à turma que lhe dá sustentação no Congresso, Bolsonaro vai cortando nas políticas sociais. Houve redução de 96% no investimento em Educação Infantil, em relação a 2021; veto ao reajuste de 34% no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); corte de 95% da verba do Sistema Único de Assistência Social (Suas); entre outras “compensações” para garantir o mecanismo de barganha e de corrupção. O dinheiro que sai da merenda escolar, por exemplo, tem abastecido o bolso de integrantes de esquema criminoso.
Voltando ao início da matéria, o SUS, já se sabe, foi vítima de uma fraude que consiste em superestimar investimentos municipais no setor para garantir a transferência de mais verbas para o ano seguinte. É aí que, de acordo com a Polícia Federal (PF), entram as emendas de relator, que estacionam nos cofres das prefeituras e arrancam em seguida para a garagem de empresas de fachada, vencedoras de licitações armadas para desovar o dinheiro público.
O mesmo aconteceu com licitações da Codevasf, estatal controlada pelos aliados de Bolsonaro. Verbas públicas foram escoadas por meio das emendas de relator, atesta o Tribunal de Contas da União (TCU). Só uma empresa do cartel teria desviado mais de R$ 1 bilhão de recursos que deveriam ser aplicados em asfalto. Mas o esquema, também investigado pela PF, parece ser muito maior, e o modo de agir é semelhante: os envolvidos simulam uma licitação e fazem com que o dinheiro público vá para a empresa de fachada que venceu a “disputa”. Não à toa, um acordo entre parlamentares governistas fez aumentar de R$ 610 milhões para R$ 1,2 bilhão o valor de emendas de relator para a Codevasf em 2022.