Agricultura

Debate mostra posições sobre regulamentação de bioinsumos

Indústria e produtores rurais concordam que é preciso criar marco legal do setor, proposto por senador do PT, mas divergem quanto aos limites de produção e comercialização
Debate mostra posições sobre regulamentação de bioinsumos

Foto: Reprodução

O uso de bioinsumos, produtos obtidos por substâncias naturais e que servem ao manejo biológico da produção agroflorestal, é secular. Até o século 19, antes da tecnologia química para fertilizantes, era só o que se utilizava na produção rural. E todos concordam com as vantagens trazidas por essas substâncias, que no médio prazo alcançam a mesma produção do agronegócio baseado em fertilizantes químicos. É que os bioinsumos imitam a natureza, e, assim, conseguem restaurar o solo para o plantio, em vez de saturá-lo.

Com tantas vantagens, o interesse pelo setor só cresce. E, com ele, a disputa comercial e o risco sobre o controle fitossanitário em razão da falta de um marco legal. É o que pretende sanar um projeto de lei (PL 3.668/2021) do presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA), senador Jaques Wagner (PT-BA), discutido em audiência pública nesta terça-feira. As posições manifestadas no debate foram diversas, e até antagônicas, mas todos concordam que é preciso regulamentar o assunto.

Representante da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Reginaldo Lopes Minaré afirmou que enquanto não havia essa disputa comercial os agricultores produziam livremente os bioinsumos, “mas com o aumento da produção, iniciou-se um movimento dizendo que produzir bioinsumos para uso próprio era ilegal”. A entidade concorda com a criação de cadastro contendo dados do produtor e das substâncias usadas no manejo, e também se alinha com a proibição de venda de produtos feitos na fazenda: “uso próprio é uso próprio”. Mas tem críticas. Para Reginaldo Minaré, “ao exigir um registro, já começa a usar a linguagem da indústria química. A figura do registro existe como reserva de mercado”. Discorda, ainda, da necessidade de um responsável técnico para esse tipo de produto. Ele defende o uso de protocolos de orientação, a partir das universidades e da própria Embrapa. “É educativo, certamente melhoraria o trabalho do produtor.”

Fatores financeiros

Para o diretor da CNA, ao produzir o próprio bioinsumo o agricultor vê impacto positivo na produção, no solo e na planilha de custos. “O projeto não impede que a indústria continue produzindo para vender; e o agricultor, de comprar. Mas não pode impedir o agricultor de produzir em casa para seu uso”, argumentou. Na mediação do debate, Jaques Wagner se confessou um entusiasta confesso de bioinsumos.

“Sou um apaixonado pela agricultura orgânica, e sem dúvida nenhuma, qualquer insumo orgânico é mais benéfico para a natureza. Melhor ainda se for mais benéfico para a planilha de custos do que a produção com insumos químicos” – concordou o senador.
Outros produtores e técnicos convidados igualmente tentaram convencer os senadores de que é possível liberar a produção desses insumos na própria fazenda sem trazer qualquer risco para meio ambiente e seres humanos. O representante da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Leonardo Braúna, afirmou que muitos desses bioinsumos são utilizados há mais de 50 anos. “Vou priorizar sempre a melhor forma, para não comprometer minha lavoura”.

No caminho oposto está a indústria de bioinsumos. Para Amália Borsari, diretora-Executiva de Biológicos da Croplife Brasil, que reúne 80% do mercado no país, o crescimento desse nicho é fruto de muito investimento, desde a década de 90. Segundo ela, a cada mês chegam mais 20 empresas com registros para produção de insumos biológicos. “O Brasil tem tudo para ser líder mundial em bioinsumos”, destacou.

“Hoje temos mais de 500 produtos registrados no Ministério da Agricultura (MAPA). Tudo dentro da lei de agrotóxicos”, acentuou, para lembrar a importância de uma legislação própria para bioinsumos. A Croplife Brasil defende uma regulamentação mais restritiva, inclusive com exigência de licenciamento ambiental, mas nega que se trate de reserva de mercado para a indústria.

O assunto é complexo. O próprio MAPA, por meio do chefe da Divisão de Suporte e Gestão, reconheceu que as legislações mundo afora não são harmônicas, o que prejudica o setor. Mas Hideraldo Coelho confirmou que os riscos dos bioinsumos são muito pequenos e que o Brasil tem que trabalhar por uma lei desburocratizada.

Uma agricultura mais sustentável, mas ao mesmo tempo com regras claras e sem burocracia. Jaques Wagner pontuou o esforço para chegar a um consenso na Comissão.

“Se não tiver nenhum regulamento, como fica a produção? Minha única preocupação é não transformar o bioinsumo, que é uma dádiva, em algo danoso. É a tal posologia. A mim não interessa dificultar, mas garantir a perenidade da produção de bioinsumos e sua correta manipulação” – resumiu.

Alguns bons exemplos dessa utilização foram trazidos pelo engenheiro agrônomo e doutor em Fitopatologia, Celso Tomita. Há 35 anos trabalhando no desenvolvimento e na utilização de bioinsumos, ele atesta que o bom uso dessas substâncias naturais combinadas “faz com que a produção se mantenha, mesmo com maior escassez de chuvas, porque a terra permanece com mais nutrientes”. Como exemplo, ele explicou estudo feito em duas áreas de igual tamanho atingidas pela seca. A que usava insumos químicos teve a produção reduzida a 10 sacas de soja. Mas na lavoura tratada com insumos orgânicos o produtor conseguiu 38 sacas, porque o solo estava enriquecido com pó de rocha e compostagem.

Jaques Wagner informou que a segunda parte do debate acontece nesta quarta-feira pela manhã. As duas audiências públicas vão auxiliar a CMA na construção de um texto final sobre o assunto, tarefa que está a cargo do relator, Veneziano Vital do Rego (MDB-PB).

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