Na noite desta terça (18), em entrevista ao canal Flow, no YouTube, Lula defendeu a regulação do serviço de entrega por aplicativo, com garantia de direitos aos trabalhadores. Afirmou que, do jeito que está hoje, “se ele bater o carro, está ferrado. Se ele se ferir, ele está ferrado. Então a gente tem que fazer uma regulação que garanta à pessoa um mínimo de seguridade social. Se ele se machucar, a família dele tem que ter alguma coisa, ele precisa ter previdência” – ponderou o candidato a presidente da República. Minutos depois, o ex-secretário de Cultura de Bolsonaro, Mario Frias, correu às redes sociais para criticar a proposta e afirmar que isso acabaria com a modalidade de serviço.
A reação, seguida por outros aliados do atual presidente, esclareceu ao público as diferenças entre os dois projetos de governo. E chamou a atenção para a luta do PT, dentro do Congresso, para rever a legislação em torno desse tipo de trabalho, que, nas contas do Ipea, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, cresceu 72% nos últimos 5 anos em número de “colaboradores” e alcança, hoje, 1,5 milhão de brasileiros. Uma conta subestimada, analisam especialistas, de olho no aumento da informalidade no país, que chega a 40% da força de trabalho. Outro estudo, da Universidade Federal do Paraná, aponta que cerca de 80% dos entregadores no Brasil são informais.
Projeto do PT
No Senado, há dois anos tramita projeto (PL 3570/2020), de autoria de Jaques Wagner (PT-BA), que cria a Lei Geral de Proteção dos Trabalhadores de Aplicativos de Transporte Individual Privado ou Entrega de Mercadorias. O nome é comprido, mas o objetivo é simples: garantir direitos básicos e condições dignas de trabalho a esses brasileiros. Para seguir em frente, o texto precisa ser aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos.
Como lembra Jaques Wagner, muitas das plataformas virtuais alegam ser apenas facilitadoras da relação comercial entre clientes e prestadores de serviço, e os entregadores seriam empreendedores, que fazem seu próprio cronograma. Mas, longe dessa liberdade alardeada, assinala o senador, esses profissionais acabam tendo jornada de trabalho determinada pelos horários de pico de entregas, quando vale a pena “rodar”, têm o valor de seu trabalho determinado unilateralmente pelos aplicativos, por meio de descontos e taxas, e não contam com qualquer proteção social.
“Trata-se de um modelo de negócio em que vários dos riscos da empresa são repassados para o trabalhador, que fica totalmente descoberto. Em outros países, a legislação já caracteriza os motoristas de aplicativos como empregados das empresas. Precisamos garantir mais organização e fortalecimento dos laços entre esses trabalhadores”, justifica o senador, que também prevê no projeto a criação de sindicatos e cooperativas que possam ajustar regras de trabalho com as empresas, assim como benefícios como auxílio-alimentação, plano de saúde, seguro de vida e fornecimento de equipamento de proteção individual.
A considerar a participação de motociclistas nesse nicho, a medida é bem-vinda. O Ipea avalia que as entregas de moto cresceram de 5% em 2016 para quase 20,9% no final de 2021. Mas o maior contingente é mesmo de motoristas de aplicativo, que somam, segundo o órgão, 61,2% de todo o transporte de passageiros e mercadorias.
Direitos em discussão
É verdade que o dilema é mundial, e não só do Brasil. Mas países como Espanha e Chile já aprovaram propostas de regulação no setor. O Chile decidiu-se por um modelo que permite aos motoristas se formalizarem como trabalhadores dependentes ou independentes, com acesso a benefícios do sistema de proteção social, como aposentadoria e licenças, sem perder de vista a possibilidade de continuarem como autônomos perante as companhias, se assim preferirem.
A União Europeia, que abriga mais de 500 dessas plataformas, onde atuam ao menos 28 milhões de trabalhadores, principalmente jovens, analisa nova legislação para o setor. Entre as medidas, está uma classificação para saber se a plataforma pode ou não ser considerada empresa, o que a tornaria empregadora. Estuda-se, também, a adoção de direitos como piso salarial, férias, seguro de saúde, licença maternidade e paternidade, entre outras conquistas dos trabalhadores em geral. O velho continente ainda analisa atualizar a relação entre entregadores e aplicativos. A ideia é dar mais transparência aos algoritmos que determinam a jornada humana e facilitar a contestação, pelos trabalhadores, de decisões automatizadas.
Voltando ao Brasil, o senador Paulo Paim (PT-RS), que há décadas milita por relações de trabalho dignas, admite que as plataformas digitais apresentaram uma nova forma de consumo, trazendo mais comodidades e reduzindo os custos para os consumidores. E acredita que a incorporação de novas tecnologias na forma de prestação de serviços pode contribuir para ampliar o mundo do trabalho. Mas, segundo Paim, “também é uma inovação para os trabalhadores, que, de uma hora para outra, passaram a enfrentar o trabalho desregulamentado, sem proteção das legislações trabalhista e previdenciária”.
A saída, pondera o senador e relator da proposta do Estatuto do Trabalho – projeto originado de sugestão legislativa apresentada pela sociedade -, é ampliar o diálogo com todas as partes, trabalhadores, especialistas nas relações de trabalho e empresas de aplicativo.
“Precisamos encontrar uma solução equilibrada para permitir a viabilidade econômica dos serviços oferecidos pelas empresas de aplicativo e as garantias mínimas aos trabalhadores. É fundamental um seguro para cobertura de danos materiais e pessoais, em caso de acidente. Os trabalhadores devem contar com a cobertura previdenciária. Além disso, o seguro desemprego é essencial para assegurar a manutenção da renda do trabalhador que foi desligado. Nosso compromisso é ouvir todos, trabalhadores e empresas, para construir uma proposta que atenda à liberdade econômica e à proteção dos trabalhadores”, pregou Paim.