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Debatedores condenam PL que amplia farra dos agrotóxicos

Líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA) reitera pedido para que assunto seja analisado por outras comissões. Debatedor recomenda aprovação do projeto de Jaques Wagner (PT-BA), que trata de bioinsumos

Senador Paulo Rocha na CRA

Debatedores condenam PL que amplia farra dos agrotóxicos

Foto: Agência Senado

Alzheimer, Doença de Parkinson, câncer, esclerose lateral amiotrófica, depressão, suicídio. Poderia ser uma música dos Titãs, mas é a lista de alguns dos males causados por agrotóxicos. Por isso, muitos países vedaram o uso de moléculas mais perigosas e aboliram — desde 2009, na Europa — seu lançamento aéreo nas lavouras, que espalha o veneno na vizinhança e nas águas, por exemplo. Mas um projeto (PL 1459/2022) em análise no Senado coloca o Brasil no caminho oposto. Por isso, a Comissão de Agricultura (CRA), por iniciativa do líder do PT, Paulo Rocha (PA), realizou nesta quarta-feira (22) a primeira de duas audiências públicas sobre o assunto. A segunda acontece nesta quinta. Mas a bancada do partido pressiona para que a matéria, conhecida como PL do Veneno, seja analisada por outras comissões do Senado.

Essa defesa foi feita também pelo procurador do Trabalho, Leomar Daroncho, que enxerga no projeto impactos ao meio ambiente e aos direitos humanos, no mínimo. Ele não descarta mudanças na lei atual, reivindicadas pelos ruralistas, mas diz que elas devem respeitar a saúde do trabalhador e da população e o comércio internacional, que tem respondido com barreiras contra países que destroem o meio ambiente e abusam do veneno nas lavouras. No Brasil, de 2019 para cá, acentuou Daroncho, foram aprovados 1.682 novos agrotóxicos. “São 3 novos agrotóxicos aprovados a cada 2 dias. E 40% deles usam formulações banidas pela OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]”, criticou.

E não fica por aí. O procurador do Trabalho listou vários problemas no texto. Dois deles: não exige registro sobre agrotóxicos fabricados no Brasil para exportação, o que pode causar sérios riscos ao trabalhador envolvido na produção; e autoriza o comércio de veneno sem a aprovação da autoridade sanitária, bastando para isso que o pedido não seja analisado dentro de dois anos.

“Isso é um problema, porque o desmonte dos órgãos de fiscalização e de aprovação colaboraria para que aprovássemos, por decurso de prazo, alguns produtos que são condenados no mundo civilizado”, sustenta o procurador, mirando uma prática do atual governo, que desestruturou órgãos ligados a controles sanitários, assim como os de fiscalização ambiental, como comprova o caos na região amazônica. A solução? Investir em quadro de pessoal em órgãos como a Anvisa, cuja defasagem de agentes foi classificada por Leomar Daroncho como “preocupante”.

Outro problema apontado por mais de um convidado é que há venenos usados no Brasil que sequer passam por revisão periódica. É o caso dos mutagênicos. “Nem carteira de motorista vale a vida toda. Precisa ser renovada”, exemplifica o procurador. O resultado dessa farra, que o projeto promete ampliar, foi detalhado pela professora Larissa Bombardi, da Universidade de São Paulo (USP). Ela explicou que, entre 2010 e 2019, a área plantada no Brasil aumentou 29%, mas no mesmo período o uso de agrotóxicos subiu 78%.

A professora mostrou dados inéditos que serão em breve publicados no Atlas do Uso de Agrotóxicos no Brasil, de sua autoria. Os mapas revelam o impacto do uso exagerado de agrotóxicos na saúde da população. Para dar uma ideia do problema, ela usou o mesmo espaço de tempo, 2010 a 2019. Nesses 10 anos, 45.412 brasileiros foram intoxicados pelo veneno das lavouras; 18% deles, crianças; e 428, bebês.

“São bebês entre zero e 12 meses, que nem se locomovem sozinhos. Então, é importante que a gente entenda que o agrotóxico não está restrito ao universo do trabalho, que já é bastante preocupante, mas avança para a sociedade como um todo, para as famílias dos trabalhadores rurais, para as áreas próximas”, advertiu Larissa, que listou os 10 princípios ativos mais vendidos no Brasil para supostamente matar apenas as pragas da lavoura. A atrazina, quarta substância mais comercializada, aplicada principalmente na plantação de milho, causa câncer de estômago, de próstata, de tireóide e de ovário, infertilidade, mal de Parkinson, entre outras doenças. “Por isso, foi proibida pela União Europeia”, esclarece a professora, que também condenou a substituição dos critérios atuais para análise de periculosidade dos agrotóxicos pelo termo “risco inaceitável”, que amplia a possibilidade de aprovação de produtos com maior potencial tóxico.

“Não entendo como pode haver um risco aceitável para câncer, malformação fetal, intoxicação de crianças e bebês. Isso é sempre inaceitável. E inserir essa expressão ‘risco aceitável’ põe por terra todo princípio de precaução que nossa lei de agrotóxicos tem”, sentencia Larissa Bombardi.

Não à toa, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou alerta no ano passado sobre os riscos desses produtos sobre as crianças. E no Ceará, uma lei estadual proibiu a pulverização aérea de agrotóxicos após a divulgação de estudo Universidade Federal do Ceará que aponta crescimento de casos de puberdade precoce em crianças de 4 anos e malformação fetal e intoxicação aguda na gravidez em áreas próximas a essas chuvas de veneno.

Debate ampliado

Em razão do volume de problemas destacados pelos debatedores, o líder Paulo Rocha reiterou na audiência que o partido apresentou requerimento à Presidência da Casa pedindo a ampliação desse debate.

“Queremos fazer uma legislação capaz de assegurar o desenvolvimento e a produção no campo, mas com a preocupação de que isso não impacte na saúde da população e no meio ambiente. Por isso, a ideia de ir para outras comissões, como a Comissão de Assuntos Sociais, a Comissão de Meio Ambiente, e até para a comissão [de Constituição de Justiça] que pode dar segurança jurídica a esse assunto”. De fato, até a retirada de competências estaduais e municipais sobre a distribuição e aplicação de agrotóxicos, contida no projeto, é inconstitucional e deve ser questionada na justiça, como lembrou a advogada da Articulação Nacional de Agroecologia, Naiara Bittencourt.

O presidente Rodrigo Pacheco, que deve despachar sobre o pedido nos próximos dias, prometeu na semana passada a movimentos sociais que lutam contra o PL do Veneno que o assunto “terá toda atenção da Presidência do Senado”. Na oportunidade, Pacheco recebeu uma cesta de produtos orgânicos para simbolizar a luta pela alimentação saudável, além de cópia de um dossiê sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde e no meio ambiente.

Agroecologia

Por falar em alimentação saudável, o diretor de Ciência e Tecnologia do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sndpaf), Mário Urchei, recomendou, em sua fala na audiência, uma transição na matriz agrícola atual, de forma que o país deixe de ser dependente de veneno.

“No nosso entendimento, é preciso que se adotem políticas públicas de fomento à produção agroecológica e orgânica, com sistemas biodiversos, sustentáveis, para viabilizar um modelo de agricultura mais sustentável, democrático, mais justo, que respeite o meio ambiente, produzindo alimentos mais saudáveis, com a consequente redução de agrotóxicos. Um modelo que respeite a vida”, defendeu, citando como solução projeto de lei (PL 3668/2021) de autoria do senador Jaques Wagner (PT-BA), presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA).

O projeto do senador baiano, atualmente na pauta da própria CMA, teve sua votação adiada por pedido de vistas justo enquanto a CRA debatia do PL do Veneno. A proposta de Jaques Wagner firma um marco sobre os bioinsumos, que são recursos orgânicos para controle de pragas e aumento da fertilidade do solo.

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