No atual estado da arte da conjuntura brasileira, em simplificação grosseira, pode-se dizer que Jair Bolsonaro realinhou os que defendem a democracia em torno de pilares que a sustentam, acima e além de suas diferenças políticas.
O caráter fascista de seu governo, que se acentua com as ameaças de uma aventura golpista, anunciada inclusive para representantes das embaixadas dos diversos países, – em reunião oficial ocorrida em 15 de julho -, fez com que setores diversos, como empresários e banqueiros, muitos que patrocinaram o golpe de 2016, se unissem a professores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), aderindo a uma carta que será lançada no dia 11 de agosto. O documento já conta com mais de 700 mil assinaturas, incluindo artistas e personalidades, para reafirmar a confiança no sistema eleitoral.
O ato se replicará para várias faculdades de Direito do país, local de simbologia da defesa do Estado democrático de direito, que deve permear a intolerância da afronta a nossos princípios constitucionais.
Em outra ponta, formada há cerca de três meses, atuando junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no Observatório de Transparência Eleitoral (OTE), a Coalizão em Defesa do Sistema Eleitoral, que reúne entidades e movimentos sociais dos mais diversos espectros, realizou um grande ato no Senado Federal na última terça-feira (02) e entregou na tarde de quarta-feira (03) uma carta a Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que preside o Congresso Nacional, manifestando repúdio aos ataques do Presidente da República e cobrando uma reação formal do Poder Legislativo Federal.
Em pronta reação, o presidente do Senado e do Congresso Nacional marcou a abertura dos trabalhos legislativos no segundo semestre com um duro e firme pronunciamento em defesa da democracia, no qual expressou sua confiança nas urnas eletrônicas e na Justiça Eleitoral.
Os múltiplos movimentos da sociedade mostram que a democracia não pode ser uma mera formalidade. Iludiram-se os que imaginavam que a quebra da institucionalidade com a realização de um processo fraudulento de impeachment sem crime de responsabilidade, em uma tentativa de eliminar a esquerda do ambiente político e impor uma lógica econômica vinculada ao mercado se faria sem consequências mais profundas e trágicas. O crescimento da extrema direita no Brasil e seus valores anti-humanistas se colocam na perspectiva onde a alternância de poder pelas vias legítimas não é aceitável.
O documento que será lido em São Paulo e que se reproduzirá pelo país importa muito por seu apelo pela garantia das eleições, dos eleitos e dos processos políticos legítimos, com os resultados das urnas respeitados. A normalidade democrática formal é fundamental para que sigamos no combate ao lado das forças políticas identificadas com a defesa da democracia participativa, diversa e inclusiva, situada nas lutas contra a destruição do Estado social, no embate contra-hegemônico e de enfrentamentos às diversas formas de discriminação, segregação e exclusão.
Independentemente de ter poder para concluir ou não um golpe contra o resultado das urnas em outubro, Bolsonaro pode intensificar o estrago que já vem causando às instituições, gerando uma crise constitucional. Mesmo que seja obrigado a recuar, é provável que o dano seja enorme. Fato incontroverso é que ele representa um grave risco às regras do jogo.
A Coalizão para Defesa do Sistema Eleitoral se coloca, nesse campo, como uma voz pulsante da reunião de atores sociais que entendem que o debate democrático é pautado pelo conflito de ideias em torno de diferentes visões sobre uma mesma questão, em que o respeito à divergência é parte intransponível e a intolerância deve ser praticada apenas, justamente, com quem não tolera os valores democráticos.
Artigo originalmente publicado no Brasil de Fato