Delcídio diz ao Valor que só um projeto político consistente irá unir a base

Delcídio: partidos precisam ter claramente qual é o projeto político do governo para o paísEle não quer ser visto como salvador da pátria, mas assegura que o governo terá todo o empenho e apoio necessários para fazer avançar as negociações com as forças políticas do Senado para obter o que for melhor para o País. Chegando ao estratégico posto de líder do Governo no Senado, depois de cem dias sem titular, o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) tem consciência de que o trabalho que tem pela frente não é dos mais fáceis e que, antes de qualquer início de diálogo, o governo terá de expor quais caminhos pretende seguir para alcançar seus objetivos.

Também presidente da CAE, Comissão de Assuntos Econômicos, a segunda mais importante no Senado, o senador sul-matogrossense, em entrevista de página inteira publicada pelo Valor Econômico nesta segunda-feira (04), nasceu em Corumbá (MS), de onde ainda traz as inúmeras citações à filosofia pantaneira que o senador utilizou no diálogo com a repórter Raquel Ulhôa.

Convite

Para mim, foi uma surpresa o convite, porque tenho um perfil de líder muito diferente. Primeiro, não sou de querer ganhar discussão, de esbravejar e gritar. Sou um cara, por formação, de conciliação, construção. A presidenta disse: “exatamente pelo seu perfil que estou te convidando”. Há uma preocupação grande da presidenta de ajustar a política. Foi onde o governo não se apresentou. Com a ida do vice-presidente Michel Temer para a coordenação política, vindo o PMDB para o núcleo político do governo, e a definição da liderança do Senado, a gente vai avançar bastante.

Projeto político

O governo precisa ter um projeto político consistente, para unir os partidos da base. Estabelecer uma pauta mínima de temas para discussão, como reforma política, reforma do ICMS e programa de manutenção de emprego, dentre outros. Não ficar apenas na discussão de cargos. Os partidos precisam ter claramente qual é o projeto político do governo para o país. E o governo precisa ouvi-los. Acho importante que o governo chame o presidente Renan para discutir medidas de proteção ao emprego. Ele está defendendo propostas relevantes e é importante que seja ouvido.

Limando as divergências

Exatamente porque não há, ou melhor, não havia uma operação política que pautasse uma agenda é que os temas que Câmara e Senado estão tratando não são complementares. Acho que agora, com esse freio de arrumação na política, as coisas vão caminhar. Pelas sinalizações que a gente tem recebido, Michel já está mexendo nessas questões, procurando eliminar essas divergências.

Pauta Conservadora

A pauta da Câmara é conservadora, inegavelmente. Essa frente progressista criada no Senado é o contraponto. Muito válida essa discussão. O Brasil avançou muito sob o ponto de vista social. Não podemos perder esses avanços. O governo é contra essa pauta.

Terceirização

Não tive condições de conversar com a presidenta Dilma. Acho que precisamos discutir mais amplamente a terceirização aqui no Senado. O presidente Renan disse que vai levar o projeto a discussão ampla em várias comissões. Apoio isso. A gente tem que debater sob ponto de vista da preservação da legislação trabalhista e da necessidade de regulamentação de 12 ou 13 milhões, aproximadamente, de trabalhadores terceirizados. A preocupação é não precarizar os outros 40 milhões. O que percebo, das discussões com trabalhadores e sindicatos, é que ninguém é contra a regulamentação. Mas querem discutir, aprofundar, para ajustar essa legislação aos avanços conquistados e à preservação de emprego.

Vínculo forte com o empregador

Na atividade-fim, não tenho nenhuma dúvida: não concordo. Tem que ser exercida por gente das companhias mesmo, das empresas. Uma empresa de energia, por exemplo, vai terceirizar operação de uma subestação? De uma usina hidrelétrica? Eu vivi anos em empresas desse setor, virando 24 horas dentro de usina hidrelétrica. É importante que haja um vínculo forte com a companhia. Isso é um fator que não se pode olhar só sob o ponto de vista econômico. O governo tem que se posicionar claramente com relação ao que pretende com a terceirização. Renan cobrou isso justamente. Só para se ter uma ideia, a Petrobras tem 360 mil terceirizados, para um quadro próprio de 80 mil. Mas não na atividade-fim. São prestadores de serviço de suporte à atividade-fim.

Desinvestimento não é privatização

A Petrobras tem um timaço. A justiça vai fazer juízo de valor do que aconteceu. Mas a Petrobras é muito maior do que as pessoas imaginam. Se ocorreram disfunções, problemas, a justiça vai fazer juízo de valor. Mas a companhia é gigantesca, tem um quadro de pessoas brilhantes. Sob o ponto de vista tecnológico é uma das primeiras do mundo. Precisamos separar essas coisas, virar a página. Criou-se a oportunidade, tão aguardada, para virar uma página, e dissocia a Petrobras dessas confusões. Eu fui da casa, conheço os balanços da Petrobras relativamente bem. E o balanço que foi apresentado foi duríssimo. Fazer um ‘write off’ [perda por causa da desvalorização de ativos] de R$ 44 bilhões é uma pedreira. Agora, só o fato de ela ter encarado isso com firmeza mostra transparência. No tiroteio em que a Petrobras estava, o acionista fica em dúvida e com razão. A empresa mostrou o retrato da companhia, que foi reavaliada à luz do mercado atual. E foi montado um programa de desinvestimento, que, aliás, não é privatização e é coisa natural em atividade de petróleo. A empresa vai se recuperar. Aliás, digo o seguinte: quem tiver condições de encarteirar ação da Petrobras, deve esperar, porque não tem risco de dar errado. Se puder não vender, não venda. Agora é hora de comprar. E tem muita gente lá fora comprando ações da Petrobras, porque já enxergaram isso. Daqui a duas, três semanas, ela vai publicar o plano de negócios. Claro que é um plano de negócios menor, porque a realidade mudou. É como o Dida [apelido de Aldemir Bendine, presidente da Petrobras] falou: “Se o preço do petróleo mudou, a conta não fecha. Se não vai fechar, eu tenho que reduzir”. De qualquer forma, o plano é uma etapa importantíssima para essa recuperação.

PT tem de repensar algumas políticas

Eu seria hipócrita se dissesse que o partido está bem. Sempre falei que temos que revisitar determinados conceitos. Se você olhar a lógica dos partidos de esquerda da Europa, vários passaram pela mesma situação. O PT tem que repensar algumas políticas. Por exemplo, será que vale a pena dirigir o partido por correntes? O Brasil mudou muito. A gente tem que reconhecer o papel de cada presidente. O presidente Sarney teve papel fundamental no processo de redemocratização. Depois veio o Collor, que começou a mostrar discurso da abertura econômica extremamente relevante. Depois veio o presidente Itamar, pouco lembrado. Trabalhei com ele no Ministério de Minas e Energia. Homem austero, decente. Deixou a equipe econômica trabalhar e implantou no seu governo o Plano Real. Depois, veio o presidente Fernando Henrique Cardoso, que adotou a Lei de Responsabilidade Fiscal, tremendo avanço. E foi a consolidação do Plano Real. Depois veio o presidente Lula, que conhecia o país como ninguém. Houve um processo de inclusão social fortíssimo. O PT precisa entender esse processo de evolução que o país vivenciou. Foi uma contribuição de todos. Acho que os governos do PT mesmo quebraram dogmas que existiam.

O governo e o “mundo real”

Como as concessões?Exatamente. O que estamos fazendo é concessionar a logística, porque o governo não tem dinheiro. É uma questão pragmática. Está correto, porque infraestrutura não tem ideologia. Se não tiver dinheiro, não adianta querer fazer discurso ideológico. Quem sofre é o país. Agora, por exemplo, vem o lançamento em maio das novas concessões, das parcerias público privadas, quer dizer, são conceitos que já consolidamos e que a realidade de governo demonstrou que eram absolutamente necessários para o país. O PT compreendeu? Compreendeu e a experiência de governo leva a isso. Sentou na cadeira é outro papo. Uma coisa é fazer oposição. A outra é sentar na cadeira. Porque aí é o mundo real. Essas coisas já amadureceram nesses 12 anos. Pelo menos o que se encaminha é a tese da “outorga”, que foi feita no governo Fernando Henrique. É um avanço, que foi criticado lá atrás. É um amadurecimento natural. Não precisa ficar essa disputa, de quem é mais estatista, mais privatizante, isso já era.

Marta e a busca por espaço político
Marta é um grande quadro político. Ela ocupou posições dentro do partido de extrema relevância. Sou amigo da Marta e tenho admiração grande por ela. É uma mulher com tremendo valor e posições claras, que não se deixou intimidar para tratar temas que ainda são tabus ou enfrentam preconceito da sociedade brasileira. Ela tomou uma decisão por não concordância. E acho que visualizou que precisa buscar novo espaço político. Ela deve ter feito a lição de casa e viu que tinha que fazer um movimento mais amplo para se posicionar dentro do cenário político de São Paulo. De qualquer maneira, é uma perda.

“Vivi tempos de exílio no PT”

Passei por situações difíceis quando presidi a CPI dos Correios. Fiz o que disse para o presidente Lula: que ia procurar isenção. Foi naquela CPI que surgiu a primeira denúncia envolvendo os Correios e que acabou levando a outras investigações [que geraram o caso do mensalão]. Algumas pessoas não entenderam minhas posições. É aquela história. Num momento como esse, você tem ônus e bônus. Vivi tempos de exílio. Como a gente fala quando o touro reprodutor no pantanal fica longe do gado: fiquei meio alongado. No Senado e em Mato Grosso do Sul. Disputei uma eleição duríssima em 2006 praticamente sozinho. Faltou apoio do PT. Mas tive uma eleição surpreendente, que me consolidou politicamente. E quando veio a eleição para o Senado em 2010, tive a maior votação da história do Mato Grosso do Sul. Mesmo na crise, eu pavimentei a estrada para 2010.

Disputa pelo governo do MS
Eu tinha uma eleição ganha, fruto de um trabalho que fiz durante 12 anos andando no Estado. Fui o cara que mais viabilizou recursos para o Estado. Andei município a município. Mas veio uma onda anti-PT fortíssima e ao mesmo tempo a oposição tentando me associar com as denúncias contra a Petrobras. Isso me desgastou fortemente. E foi uma campanha muito sórdida, covarde, atacaram minha família. Sou um sul mato-grossense que viveu fora do Estado. Trabalhei em multinacionais, conheci o mundo inteiro, tive experiências as mais diferenciadas. A velha elite bovina tentou se preservar mais uma vez. O conservadorismo se juntou contra mim.

Levy precisa ter os ‘amarra cachorro’

Está fazendo muita política. Estou surpreso com essa habilidade. Está indo bem, mas tenho dito para ele que o ministro da Fazenda precisa ter os “amarra cachorro”, como a gente diz em Mato Grosso do Sul, para fazer a política por ele. Está muito sozinho. Vou conversar com ele para afinar isso. Estive com Nelson Barbosa [ministro do Planejamento] para ter uma pessoa em cada ministério, que converse diretamente com a gente e tenha autonomia do ministro para decidir na hora da votação. Tem coisa que é decidida aos 45 do segundo tempo. Acho que ele precisa se preservar um pouco. Brinquei com ele: “O senhor é presidente do time, do clube. Presidente tem que bater pênalti”. Ele não pode ficar no varejão do Congresso.
Por causa dessas carências na política, ele teve que entrar em tantas negociações. No Senado, no caso do indexador, ele negociou muito bem, para começar a valer a partir do ano que vem. E é uma atitude sensata. Como é que vai regulamentar a troca do indexador em 30 dias, quando está falando em aperto? Foi uma vitória do ministro.

Dívida dos Estados – troca de indexadores

Nessa questão, a Fazenda não entrou fortemente, porque o ministro Levy está muito sobrecarregado. Há preocupação com os bancos públicos, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal (CEF). Esse tema não foi tratado convenientemente no governo, no meu ponto de vista. O assunto estava quicando no Senado e já existia a intenção de agregá-lo ao projeto do indexador. Por isso é que precisamos ter mais interlocutores com a área econômica. Eu defendia que o projeto fosse tratado separadamente, até para ter mais tempo para discutir, não foi possível. Numa discussão como essa, o cara vai defender o Estado. Tanto é que liberei a base. O assunto tinha que ser tratado antes. Há preocupação, porque suponha que o Estado retirou recursos e vem uma decisão judicial. Ele tem 48 horas para depositar. O Banco do Brasil fala que o número dessa operação, para eles, representa R$ 27 milhões. É um problema que o governo vai ter que resolver na Câmara.

Fachin vai ser um excelente ministro no STF

Fachin tem um currículo exemplar. Ele me disse que nunca vivenciou uma situação dessa. Eu disse para ele que, quando as coisas são difíceis, a vitória tem outro sabor. E que, num momento em que o PT está sendo muito visado, tentam carimbar nas ações um viés de politização. Pela formação do Fachin, ele tem plenas condições de ser excelente ministro.

Líder de repeito tem de cumprir os compromissos que assume

A gente sente um discernimento muito claro de que tenho que ter livre trânsito para defender aquilo que a gente assume aqui. Nós não temos caneta. Político é só palavra. Para que eu seja respeitado como líder do governo, tenho que cumprir os compromissos que assumi com meus companheiros aqui. A presidenta está mais à vontade e sensível a ter que fazer os ajustes necessários na política, para ter a base como parceira. A Dilma é uma pessoa que conheço há 22 anos e por quem tenho respeito enorme. Tudo que eu puder fazer para ajudá-la, vou fazer. Mas sou um cara de convicções. Ou seja, não vou ser um carimbador maluco aqui.

‘Trabalhei, trabalhei’

Eu vou colocar as posições do parlamento para que a gente busque conjuntamente as soluções que atendam ao governo e ao Brasil. Não vou defender uma coisa contra a qual está todo o plenário, numa irracionalidade, criando constrangimento para a base. É daqui [do Senado] para lá [Palácio do Planalto]. Mudou. Não é mais aquilo que houve nesses 12 anos. Aqui, é como diz o velho Simonal: “Pra ter fon-fon, trabalhei trabalhei”. Tem que trabalhar muito para passar as coisas.

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