O homem que hoje ocupa a cadeira de Presidente da República no Brasil foi eleito se dizendo o verdadeiro representante do povo, chamando os adversários de traidores da pátria, atacando as normas mais elementares da democracia, tecendo elogios à sangrenta e cruel ditadura militar que durou mais de duas décadas no país. A tônica da antipolítica e do homem honesto colou, apesar dos 27 anos de vida pública com atuação medíocre.
Em 2018, Bolsonaro cumpriu o script do populismo radical de direita mais rasteiro e elementar, se vendendo como o único representante da sociedade, sem qualquer compromisso de respeito às instituições da democracia ou tolerância com a divergência. Foi justo nesse ponto que entrou em rota de coalizão não apenas com o campo de esquerda, mas também com representantes da democracia liberal.
O crescimento do populismo autoritário não é um fenômeno brasileiro, acontece no mundo inteiro. A ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos e sua não aceitação do resultado eleitoral, que acarretou em mortes com a invasão do Capitólio é, provavelmente, o exemplo mais emblemático de uma crise que elevou a líder e ao cargo mais importante de uma nação um aspirante a déspota.
Aqui no Brasil foi o horror representado pelo bolsonarismo que possibilitou uma aliança entre Lula e Alckmin, por exemplo, a despeito de suas enormes diferenças sobre como enxergar saídas para o país e o Estado de bem-estar social, porém comprometidos com as liberdades e os valores do Estado Democrático de Direito.
Passados quase quatro anos em que usou o cargo como se estivesse em uma eterna campanha, falando para sua base radicalizada, tempo em que usou a máquina do Estado para desmontar políticas eficazes de inclusão, em que destilou mentiras, preconceitos e mensagens de ódio, sem promover qualquer benefício tangível à população. Passados dois anos de uma pandemia em escala mundial em que protagonizou episódios lamentáveis, minimizando o impacto da Covid-19, debochando das quase 700 mil mortes de pessoas no país, negligenciando medidas mundialmente recomendadas, Bolsonaro não consegue diminuir um patamar estatístico fatal para quem pretende continuar no cargo: sua altíssima rejeição!
Pressionado pelos números que não consegue reverter nem mesmo com a distribuição de dinheiro público em ano eleitoral, e tendo nomeado como inimigos os representantes da cúpula do Poder Judiciário, Bolsonaro e seus asseclas seguem jogando para impor o medo de que tenhamos um golpe contra o resultado das urnas. Quanto mais acuados, maiores as ameaças, verbais ou veladas. Mas precisava, além disso, fazer demonstração de popularidade.
Foi nesse espírito que seus apoiadores e ele próprio exortaram seguidores às ruas nesse dia 7 de setembro. Repetindo o feito do ano de 2021, Bolsonaro participou dos atos em Brasília e seguiu para outra grande cidade. A tônica do discurso do ano passado, contudo, era de rompimento institucional. Chamou o ministro Alexandre de Moraes de canalha em plena Avenida Paulista e disse que não cumpriria mais decisões judiciais.
Este ano, Jair Bolsonaro usou o Bicentenário da Independência do Brasil para fazer proselitismo político. Apropriou-se da data cívica, com mobilização por dentro da estrutura oficial de governo para fazer campanha eleitoral, pedir votos e criticar adversários. No discurso, abandonou o ataque ao sistema eleitoral, como vem sendo sua praxe nos últimos meses, e em tentativa tosca de falar às mulheres, evocou a própria virilidade e referiu-se à própria esposa como “princesa”, fazendo uma inexplicável comparação entre “primeiras-damas”.
Bolsonaro capturou o 7 de setembro de forma despudorada e ilegal, com abuso de poder político e econômico, com gastos exorbitantes a serviço de sua campanha. Usou toda a estrutura de governo como candidato, defendeu suas pautas conservadoras, atacou adversários e, sintomaticamente, não falou uma só palavra sobre a história da independência do Brasil, nem mesmo dentro do padrão burocrático costumeiro por autoridades. O coração de Dom Pedro I, trazido ao Brasil em uma operação pomposa, sem revelação de custos, para a comemoração do bicentenário sequer foi mencionado.
A situação mais singular dos atos do dia da independência foram as ausências das autoridades dos demais poderes à cerimônia oficial. Nem mesmo o aliadíssimo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, compareceu. Simbolicamente, significa isolamento de Bolsonaro e tentativa de sobreviver a ele, caso seja derrotado nas eleições nacionais de outubro. Politicamente, precisa ser mais que isso, uma discordância pública dos atos de usurpação, apropriação de data comemorativa para campanha eleitoral ilícita.
E nesse campo, necessário dizer, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) precisa se manifestar formalmente, investigar como se deu o financiamento, o planejamento e a realização dos comícios bolsonaristas do 7 de setembro para decidir se leis foram violadas e estabelecer as punições devidas.
Artigo originalmente publicado no Brasil de Fato