Em carta entregue na quarta-feira (18) ao embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Sérgio Amaral, um grupo de 12 deputados do Partido Democrata norte-americano classificou as ações do juiz Sérgio Moro como “tendenciosas e injustificadas”, tendo comprometido “gravemente os direitos legais” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Lula tem sido alvo de um juiz federal – Sérgio Moro – cujas ações parciais e despropositadas têm ameaçado seriamente o direito de Lula ao devido processo legal”, cita a carta. O documento lembra o episódio da condução coercitiva do petista, em março de 2016, “só para servir de intimação, embora não houvesse nenhuma indicação de que o ex-presidente não quisesse depor na Justiça”.
Os parlamentares ainda afirmam que “Moro nem sequer fingiu imparcialidade” nas denúncias contra Lula e destacam a falta de provas nas denúncias de Moro contra o ex-presidente.
“Até mesmo após os depoimentos contra Lula obtidos por meio de delações premiadas, não há ainda qualquer prova crível do envolvimento de Lula em atividade criminosa. Receamos que o verdadeiro objetivo por trás desse processo seja manchar a imagem de Lula ao ponto de incapacitá-lo politicamente por quaisquer meios necessários, assim como ocorreu com a ex-presidente Rousseff. Isso seria mais um revés à democracia brasileira”, diz a carta.
Os congressistas alertaram o embaixador brasileiro para o fato de que as ações de Moro também desrespeitam legislações internacionais.
“Estamos especialmente preocupados com a perseguição ao ex-Presidente Lula da Silva, por meios que violam obrigações de tratados internacionais, assim como aquelas estipuladas pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (ICCPR) que garantem direitos básicos ao devido processo legal para todos os indivíduos”.
Na carta do grupo liderado pelo deputado democrata John Conyers, os legisladores afirmam que “Lula se mantém como uma das figuras políticas mais populares no Brasil de hoje e é visto como uma série ameaça nas urnas por seus oponentes políticos”.
“Por meses ele tem sido objeto de uma campanha caluniadora e de acusações infundadas de corrupção por parte dos principais meios midiáticos, os quais se alinham as elites do país”.
Impeachment, PEC 55 e repressão aos movimentos sociais
O texto ainda critica o governo usurpador de Michel Temer, que tem agido “para proteger parlamentares corruptos, para impor uma série de políticas que jamais obteriam respaldo em eleições diretas, e para minar seus adversários em movimentos sociais e partidos políticos de oposição”.
Uma das críticas é direcionada a Proposta de Emenda Constitucional PEC 55. O texto, aprovado em 2016, congela por 20 anos os investimentos em áreas como saúde e educação.
Para os parlamentares norte-americanos, a medida “vai reverter anos de avanços econômicos e sociais” e “atingirá os brasileiros mais pobres e vulneráveis”, aumentando “os níveis de desigualdade em uma sociedade já muito desigual”.
As críticas dos deputados também são dirigidas ao cenário de criminalização dos movimentos populares e de violação ao direito de manifestação.
“As recentes repressões direcionadas a manifestações pacíficas e movimentos sociais, e as violações do direito do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao devido processo legal, sugerem que a democracia brasileira ainda não virou a página de um passado autoritário não tão distante”;
O MST é citado no documento como sendo um dos alvos de “duras repressões”.
Vale ressaltar que a maioria dos 12 deputados já havia assinado uma carta divulgada em julho de 2016, em que denunciavam as irregularidades do processo de impeachment contra a presidenta eleita Dilma Rousseff.
No documento atual, eles reiteram a crítica, afirmando que “aqueles que dirigiram esse processo minaram as instituições democráticas do Brasil a fim de promover seus próprios interesses políticos e econômicos às custas da proteção da democracia ou dos interesses nacionais”.
Leia o documento na íntegra:
Congresso dos Estados Unidos
Câmara dos Deputados
Washington, DC 20515
18 de janeiro de 2017
Embaixador Sergio Silva do Amaral
Embaixada do Brasil
3006 Massachusetts Avenue NW
Washington, DC 20008
Prezado Embaixador Amaral,
Escrevemos para expressar nossa profunda preocupação a respeito do atual estado da democracia e dos direitos humanos no Brasil. Como pudemos observar durante o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, aqueles que estiveram à frente desse processo enfraqueceram as instituições democráticas do Brasil com o objetivo de dar avanço aos seus próprios interesses políticos e econômicos em detrimento da democracia e dos interesses nacionais. A partir de então, tem ficado evidente que eles agiram para proteger parlamentares corruptos, para impor uma série de políticas que jamais obteriam respaldo em eleições diretas, e para minar seus adversários em movimentos sociais e partidos políticos de oposição. Tais revelações aumentaram significativamente a polarização em uma sociedade já dividida e levantaram sérias dúvidas sobre a capacidade da atual liderança de tirar o país de uma crise econômica, social e política persistente.
As recentes repressões direcionadas a manifestações pacíficas e movimentos sociais, e as violações do direito do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao devido processo legal, sugerem que a democracia brasileira ainda não virou a página de um passado autoritário não tão distante. Estamos especialmente preocupados com a perseguição ao ex-Presidente Lula da Silva, por meios que violam obrigações de tratados internacionais, assim como aquelas estipuladas pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (ICCPR) que garantem direitos básicos ao devido processo legal para todos os indivíduos.
Como se sabe, o governo de Lula (2003-2010) expandiu consideravelmente programas sociais, os quais ajudaram a tirar milhões de pessoas da condição de pobreza. Lula continua a ser uma das figuras políticas mais populares no Brasil e, como tal, é visto como uma séria ameaça nas urnas por seus opositores políticos. Por meses ele tem sido objeto de uma campanha caluniadora e de acusações infundadas de corrupção por parte dos principais meios midiáticos, os quais se alinham as elites do país.
Desde o começo do ano passado, Lula tem sido alvo de um juiz federal – Sérgio Moro – cujas ações parciais e despropositadas têm ameaçado seriamente o direito de Lula ao devido processo legal. Por exemplo, o juiz Moro determinou a condução coercitiva do ex-Presidente simplesmente para cumprir uma intimação, apesar de não haver qualquer indício de que o ex-Presidente não estivesse disposto a prestar depoimento. A mídia esteve presente no local onde a condução coercitiva ocorreu para criar a percepção de que Lula estava envolvido em atividade criminosa apesar da inexistência de acusações contra ele na época.
Moro também vazou interceptações telefônicas para a mídia – incluindo grampos ilegais e não autorizados – que incluíam conversas entre Lula e seus advogados, sua família e a então Presidente Rousseff. Realizar esse tipo de vazamento, deliberado e tendencioso, configura uma violação da lei brasileira e de uma decisão recente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Escher vs. Brasil).
Moro nem sequer simulou alguma imparcialidade, uma vez que participou publicamente de eventos de oposição a Lula e ao Partido dos Trabalhadores, corroborou com um livro que declara a culpa de Lula e de seus advogados, e no final de setembro aceitou a acusação de que Lula liderou um grande esquema de corrupção apesar da ausência de provas fundamentando tal acusação.
Até mesmo após os depoimentos contra Lula obtidos por meio de delações premiadas, não há ainda qualquer prova crível do envolvimento de Lula em atividade criminosa. Receamos que o verdadeiro objetivo por trás desse processo seja manchar a imagem de Lula ao ponto de incapacitá-lo politicamente por quaisquer meios necessários, assim como ocorreu com a ex-presidente Rousseff. Isso seria mais um revés à democracia brasileira.
Os advogados de Lula peticionaram perante o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas destacando as violações do seu direito ao devido processo legal de acordo com o ICCPR (do qual o Brasil é signatário), incluindo o direito a presunção de inocência até que seja provado culpado, o direito à proteção contra uma detenção arbitrária, o direito a um tribunal imparcial, e o direito à proteção contra interferência arbitrária em sua privacidade.
Também estamos profundamente apreensivos com relação às diversas atitudes tomadas pelas autoridades do Estado brasileiro desde a conclusão do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff em 31 de agosto.
Como discutido anteriormente em uma carta de julho de 2016, o processo de impeachment – o qual foi marcado por irregularidades processuais e levado adiante por políticos envolvidos em grandes escândalos de corrupção – constituiu em si uma ameaça grave às instituições democráticas do país.
Em 21 de setembro, o sucessor de Rousseff – Michel Temer – declarou publicamente que Rousseff foi afastada do cargo devido a sua oposição a um plano de austeridade rígido apoiado por ele, e que envolve cortes drásticos em serviços públicos básicos. Nas últimas semanas, o governo Temer apressou a implantação imediata deste plano por meio da aprovação de uma emenda constitucional, que obriga os governos atuais e futuros a cumprir um teto de despesas rigoroso nos próximos vinte anos e suspende as exigências de gastos mínimos com educação, saúde e assistência sociais. Tais medidas farão regredir anos de avanço social e econômico que beneficiaram substancialmente as comunidades carentes que são constituídas em sua maior parte por afrodescendentes.
No dia 9 de dezembro, o relator especial da ONU para a Extrema Pobreza e Direitos Humanos, Philip Alston, advertiu que a emenda violará obrigações em matéria de direitos humanos. Alston a considerou “uma medida radical, desprovida de toda nuance e compaixão”, e disse que “vai atingir com mais força os brasileiros mais pobres e mais vulneráveis, aumentado os níveis de desigualdade em uma sociedade já extremamente desigual e, definitivamente, assinala que para o Brasil os direitos sociais terão baixa prioridade nos próximos vinte anos”.
Essas e outras medidas do governo, tais como a proibição imposta ao discurso político nas escolas públicas brasileiras, geraram protestos por todo o país, inclusive em mais de 1000 escolas, e representam uma ameaça aos direitos humanos fundamentais de liberdade de expressão e associação.
Além disso, os movimentos sociais brasileiros foram submetidos à dura repressão e estão sendo criminalizados. Os membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), conhecido internacionalmente, que lutam por uma reforma agrária garantida pela constituição brasileira, foram presos e acusados como associados a uma “organização criminosa” após se envolverem em ocupações pacíficas de lotes de terras improdutivas.
À medida que essa repressão se estende, o governo Temer continua a ser abalado por escândalos de corrupção, os quais levaram à renúncia de quatro ministros nos últimos meses. As alegações de corrupção feitas diretamente a Temer também levaram membros da oposição do congresso brasileiro entrarem com um processo de impeachment contra o chefe de Estado.
Esses e outros acontecimentos estão prejudicando seriamente as conquistas sociais e democráticas realizadas no Brasil desde o fim da ditadura militar em 1985. Como um primeiro passo indispensável para reverter essa situação, pedimos urgência para que as autoridades brasileiras façam tudo o que estiver em seu poder a fim de proteger os direitos humanos dos manifestantes, líderes de movimentos sociais e líderes da oposição, como, por exemplo, o ex-Presidente Lula da Silva.
Ao invés de aumentar a polarização no país por meio da perseguição de adversários políticos que representam lideranças em níveis local e nacional e impor medidas políticas extremas que vão contra aqueles que sempre foram excluídos pelas elites no decorrer da história, aqueles envolvidos na restauração de instituições democráticas estáveis e de uma economia sustentável, deveriam reconhecer sua posição efêmera no poder legislativo e executivo e agir de forma a desenvolver uma agenda que trabalhe por uma união nacional.
Atenciosamente,
John Conyers, Jr.
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