A missão de reconstruir o Brasil após o desgoverno Bolsonaro deve se basear em um projeto que combine três fatores de forma simultânea: crescimento econômico, distribuição de renda e manutenção dessas duas condições por um longo período de tempo. Essa é a receita para o país gerar emprego, renda e bem-estar social para a população, de acordo com os debatedores da mesa “Centralidade do trabalho no Brasil plural: desafios e agendas”, no seminário “Trabalho, emprego e renda” realizado nesta terça-feira (22).
O evento é organizado pelas Lideranças do PT no Senado e na Câmara, Instituto Lula, Fundação Perseu Abramo e Secretaria Nacional Sindical do PT.
O diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Júnior, “é comum se dizer que crescimento econômico é que gera emprego e renda. Mas os liberais também falam isso. O problema é como fazer isso acontecer. Essa visão sustenta o tripé macroeconômico de inflação, juros e câmbio e justificou a reforma trabalhista, por exemplo”, alertou.
Segundo ele, que em vez de gerar emprego e reduzir informalidade, a reforma fez exatamente o oposto, mas atingiu seu objetivo oculto, que era o principal: “Foi o desmonte do movimento social, a redução do poder da Justiça do Trabalho e o enfraquecimento da regulação do mundo do trabalho”.
Para Fausto Júnior, o crescimento econômico, por si só, não resolve o problema. “É preciso retomar o debate sobre distribuição de renda”, apontou. E deu exemplos claros do impacto dessa combinação na economia pelo seu efeito multiplicador. “Cada R$ 100 do 1% mais rico distribuídos para os 30% mais pobres viram quase R$ 110. Cada R$ 100 de auxílio-emergencial viram R$ 140 de renda. Não é só dinheiro na mão do pobre, mas dinheiro que circula nas periferias, no armazém, para o pedreiro, na loja de material de construção. Pobre não acumula nem remete para o exterior. Por outro lado, o efeito para o pagamento de juros é inverso, 1 real vira 0,70 centavos, ou seja, 30% desaparecem da economia”, explicou.
Além disso, ele lembrou que a política de valorização do salário mínimo, destruída pelo atual governo, foi o instrumento que mais dinamizou a redução da desigualdade nos governos Lula e Dilma. “Aumentou a renda dos mais pobres em quase 40%, enquanto a dos mais ricos aumentou 8%”, disse.
O pesquisador defendeu a inversão da atual equação que sustenta o tripé macroeconômico e da máxima de que “crescer o bolo para depois dividir”. “Ao contrário, se dividir o bolo, o país cresce, e para isso temos que enfrentar a reforma tributária. Se não sobretaxarmos os mais ricos, não teremos recursos para repassar aos mais pobres”, afirmou.
O exemplo do PT
Já a professora, pesquisadora e integrante do Núcleo de Políticas Públicas de Economia, Esther Dweck, apresentou um estudo realizado por ela em conjunto com outras três instituições confirmando que o crescimento com geração de empregos de qualidade registrado entre 2004 e 2014 (governos Lula e Dilma) foi o resultado de três grandes motores.
“Tivemos três grandes motores de crescimento que geraram efeitos muito positivos no mercado de trabalho. A combinação de redistribuição de renda com políticas para incluir os pobres no orçamento, com transferência de renda e aumento real do salário mínimo, gerando efeito cumulativo e gerando consumo; o consumo do governo para oferecer saúde e educação universais; o investimento público fomentando investimento privado”, afirmou.
Esther Dweck destacou que, além do efeito positivo em cascata das políticas de transferência de renda, “o consumo do governo tem potencial enorme de crescimento quando se compara a outros países, pois o percentual de empregos em saúde e educação ainda é muito baixo para um país que se quer ter sistemas universais de saúde de educação”.
Estratégia permanente
Já o sociólogo e integrante do Fórum das Centrais Sindicais Clemente Ganz Lúcio acrescentou que o Brasil precisa sustentar um projeto de longo prazo para superar os entraves trabalhistas. “É preciso uma estratégia de crescimento sustentável de médio e longo prazos. Precisamos romper essa barreira, que se torna quase intransponível, crescimentos breves com interrupções longas de estagnação ou recessão econômica como nessas três ou quatro décadas”, afirmou.
Para ele, “o grande desafio é induzir processo de transformação econômico como incremento de produtividade do trabalho que tenha relação amigável com inovação tecnológica”, evitando assim que a tecnologia provoque desemprego. “É uma tarefa hercúlea de desenhar uma estratégia tributária, fiscal e orçamentária que garanta essa perspectiva de investimento”, disse.
Lúcio também reforçou a necessidade de o Estado promover investimentos públicos com efeitos multiplicadores na economia, sempre tendo em vista o combate a todos os tipos de desigualdades.
Além disso, apontou como essencial no projeto de reconstrução, além de revogar a reforma trabalhista, promover uma reorganização profunda no sistema de proteção social, laboral e previdenciária, com a criação de um novo patamar de regulação do trabalho por meio da negociação coletiva e empoderamento do papel dos sindicatos, bem como reconstruir a representação sindical com autonomia em relação ao Estado, inclusive no seu financiamento, criando mecanismos de solução de conflitos no local de trabalho.
Participaram também do debate 16 representantes de entidades do movimento social ligadas ao trabalho das mais variadas áreas de atuação.