Os quatro primeiros meses do governo Bolsonaro foram marcados pela paralisia administrativa do Ministério da Educação, provocada por conflitos permanentes entre núcleos ideológicos que passaram a se digladiar na gestão da pasta, então sob o comando de Vélez Rodrigues. Agora, com Abraham Weintraub à frente do MEC, estamos assistindo a um verdadeiro desmonte do ensino público com mudanças na linha pedagógica e cortes de verbas de custeio e investimento.
Logo no início do ano, uma série de medidas regressivas, como a reestruturação do MEC através do Decreto nº 9.665, de 2 de janeiro de 2019, extinguindo a Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE) e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), além da criação de uma Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, no âmbito da Secretaria de Educação Básica, com o objetivo de induzir a militarização das escolas.
No afã de polarizar a sociedade através da eleição de inimigos internos, o MEC passou a adotar medidas para combater os fantasmas do “marxismo cultural” e “ideologia de gênero”, chegando a instituir uma comissão, pela Portaria nº 244, de 19 de março de 2019, do INEP, para intervir na montagem das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), colocando em risco a segurança do Banco Nacional de Itens (BNI) e do próprio ENEM.
O atual ministro da Educação chegou a sugerir que os livros didáticos deveriam adotar uma versão “mais correta” da história e caracterizou a ditadura militar instaurada em 64 como um regime de exceção derivado de uma ruptura contrarrevolucionária, revelando sintonia com o ideário olavista. Sua longa experiência no mercado financeiro ainda sinaliza para a adoção de políticas privatizantes no âmbito do MEC, por isso a decisão de sufocar o ensino universitário.
Outro inimigo eleito pelo MEC foi o conceito de “letramento”, baixando o Decreto 9.765, de 11 de abril de 2019, sob o pretexto de instituir uma “Política Nacional de Alfabetização”, que busca impor o chamado “método fônico” como pretensa solução para a redução do analfabetismo. Trata-se de um flagrante reducionismo, típico dos detratores do legado do maior educador brasileiro reconhecido mundialmente, Paulo Freire, mais novo alvo de Bolsonaro e seus apoiadores.
Prioridade dos 100 primeiros dias de governo, a regulamentação da educação domiciliar (PL 2.401/2019) vem para fazer valer a desescolarização. A iniciativa vai na contramão das metas e estratégias do Plano Nacional de Educação – absolutamente abandonado pelo governo federal – e do direito à escola e à educação, consagrado na Constituição Cidadã como fundamental e inalienável.
Combinadas com a Emenda Constitucional 95/16 (teto de gastos), o corte de mais de R$ 7 bilhões no orçamento do MEC, a desconstrução da aposentadoria especial do magistério da educação básica (PEC 6/2019), o iminente fim da vigência do FUNDEB e a ameaça de desvinculação de todas as receitas constitucionalmente vinculadas às áreas sociais o cenário é de desmonte estrutural e total. Sem falar na educação básica, que também foi atingida. Tudo isso seria inimaginável quando o PNE foi aprovado por unanimidade e sancionado sem vetos, em 2014, elevando o investimento de 10% do PIB em educação.
O último ataque desferido contra a educação foi o bloqueio de recursos de universidades federais que, nas palavras do ministro Weintraub, estão promovendo “balbúrdia”. Em seu conceito, isso engloba atividades políticas e acadêmicas realizadas por estudantes, servidores ou por entidades como centros acadêmicos e sindicatos. Trata-se de uma nova modalidade da censura praticada na ditadura civil-militar de Bolsonaro, operada com o orçamento público, para punir universidades que, no exercício da autonomia constitucional, permite que estudantes e servidores exerçam a liberdade de associação, de reunião, de pensamento e de expressão.
Mesmo após a enérgica reação da sociedade e da comunidade acadêmica, o ministro não só decidiu manter, mas estender o corte de recursos a todas as universidades e institutos federais, explicitando bem que esse governo federal vê a educação pública, gratuita e produtora de trajetórias de emancipação como inimiga a ser destruída.
Vale lembrar também que o atual governo apoia propostas que tramitam no Congresso Nacional com o intuito de interditar a liberdade de ensino e aprendizagem e de construir um ambiente de patrulhamento ideológico nas escolas, a chamada Escola sem Partido. Enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal retarda a conclusão do julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade que podem impedir mais esse absurdo persecutório contra professores e alunos.
Cabe-nos, portanto, desnudar os interesses que estão por trás deste desmonte das políticas educacionais, de desidratação orçamentária do fomento à pesquisa e à produção de ciência e tecnologia, e forjar uma ampla mobilização social em defesa da educação pública como instrumento de desenvolvimento econômico, científico, tecnológico, social e cultural.
Qualquer nação que reivindica desenvolvimento investe substantivamente em educação, ciência e tecnologia, mas não estamos diante de um projeto de nação, e sim de um plano de destruição do Estado Democrático de Direito e de submissão e dependência externa. Esse descalabro faz crescer nossa indignação e disposição para lutar em defesa da educação pública, da democracia e da soberania nacional.