Ricardo Melo: contratos de jornalistas renomados, com longa carreira na iniciativa privada foram sumariamente suspensos. Já eu nunca vasculhei ficha partidária de ninguém para tomar decisões do tipoA perseguição ao presidente legítimo da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), Ricardo Melo, levou a gestão Michel Temer a um ato mais extremo: editar uma Medida Provisória (MP 744/2016) que dá ao governo o poder de mandar e desmandar à vontade no órgão. Para Melo, sua exoneração do cargo trata-se de uma perseguição promovida pelo atual governo.
A gestão Temer tentou por diversas vezes tirá-lo da função, mas só conseguiu após mudar as regras da empresa – que, agora, perdeu o caráter público e se tornou em uma estatal desprestigiada. As mudanças impostas pelos golpistas valem por, no máximo, 120 dias. Se a MP não for votada e aprovada até lá, voltam a valer as normas anteriores.
Em entrevista ao site do PT no Senado, Ricardo Melo, que não tem nenhuma filiação partidária, destaca que muitos funcionários com inegáveis serviços prestados à administração pública também estão sendo exonerados ou afastados sumariamente, a partir da avaliação rasa de que “são petistas”.
“Os contratos de jornalistas renomados, com longa carreira na iniciativa privada, como Tereza Cruvinel, Paulo Moreira Leite, Luis Nassif, Paulo Markun, Emir Sader etc., foram sumariamente suspensos. Já eu nunca vasculhei ficha partidária de ninguém para tomar decisões do tipo”, afirmou o presidente legítimo da empresa.
Para ele, a questão não é defender o “mandato do Ricardo Melo”. “A questão é defender um projeto de informação isenta, apartidária, qualificada, diversa, plural, que dê voz a quem não tem voz na mídia hegemônica”.
Melo destaca que a edição da MP 744/2016 é um “atestado de óbito da comunicação pública”. Isso, porque a proposta extingue o Conselho Curador da empresa – único com poderes para destituir o presidente da EBC até a edição da medida provisória – e dá plenos poderes a Temer para nomear e exonerar quem bem entender, algo que não é previsto nas regras originais de criação do órgão. A MP já feriu de morte o conselho curador também.
“A EBC virou uma estatal a serviço do senhor de plantão. Um retrocesso de anos”, lamentou.
Veja a íntegra da entrevista:
PT no Senado – A tentativa insistente de exonerá-lo da EBC foi uma perseguição política, já que, pelas regras originais da empresa, o senhor teria direito a permanecer no cargo até maio de 2020?
Ricardo Melo – Sim. Fui indicado pelo governo Dilma. Com o impeachment, o novo governo, com o perfil dos integrantes que todos conhecemos, quer limpar qualquer vestígio da administração anterior. O novo governo está pouco preocupado com a qualificação de quem está sendo atingido. Muitos funcionários com inegáveis serviços prestados à administração pública estão sendo exonerados e afastados sumariamente, a partir da avaliação de que “são petistas” ou coisas do gênero. Ou, porque, eram próximos ao governo afastado, embora sem nem mesmo ter filiação partidária. Demitiram até o garçom que servia à presidência da República! Trata-se de expurgo puro e simples.
PT no Senado – O senhor acredita que a MP 744/2016 é só uma desculpa para acabar com a comunicação pública no Brasil?
Ricardo Melo – O mais importante na MP é o objetivo de desmontar a comunicação pública no Brasil. Isso é grave, muito grave. Um atentado à democracia. A comunicação pública é um direito consagrado na Constituição Federal de 1988, no seu artigo de 223. A EBC foi sua materialização, fundada em três aspectos fundamentais: a existência de um conselho curador, composto de representantes da sociedade; a indicação de um presidente com mandato garantido de 4 anos não coincidente com o mandato do presidente da República; e a existência de uma contribuição financeira independente do Tesouro, para assegurar sua autonomia. A MP é um atestado de óbito da comunicação pública. Extingue o Conselho Curador. Concentra todos os poderes no presidente da República. Agora é ele quem manda e desmanda na EBC. Virou uma estatal a serviço do senhor de plantão. Um retrocesso de anos.
PT no Senado – Em entrevista à Carta Capital, o senhor disse que quer evitar o desmonte da EBC. Qual é o perigo que empresa está diante?
Ricardo Melo – O governo Temer, ele sim, quer aparelhar a EBC, transformá-la numa caixa de ressonância de suas “realizações”. Isso precisa ser ressaltado até o fim. Já eu vou até as últimas consequências para defender o projeto de comunicação pública e tentar evitar o desmonte de uma iniciativa que só engrandece a democracia no Brasil. Todos sabem que construí minha carreira na iniciativa privada, com o sucesso que cabe a cada um julgar. Não sou filiado a nenhum partido, nunca participei de campanhas eleitorais desde 1985, não voto em ninguém desde 1989, embora pague religiosamente as multas por não comparecer às urnas. A questão não é defender o mandato do Ricardo Melo. A questão é defender um projeto de informação isenta, apartidária, qualificada, diversa, plural, que dê voz a quem não tem voz na mídia hegemônica.
PT no Senado – Nesse período à frente da EBC, quais as principais interferências do governo Temer na empresa?
Ricardo Melo – Primeiro no corpo funcional. Já ocorreram mais de trinta demissões discricionárias, persecutórias. Mas também acontecem no conteúdo. Reportagens na Agência Brasil têm sido censuradas sumariamente. Os telejornais se limitam a repetir o que os demais publicam. Os programas de debates foram suprimidos, algo que eu tentei de alguma forma recuperar até ser afastado de novo. E os contratos de jornalistas renomados, com longa carreira na iniciativa privada, como Tereza Cruvinel, Paulo Moreira Leite, Luis Nassif, Paulo Markun, Emir Sader e etc foram sumariamente suspensos. Já eu nunca vasculhei ficha partidária de ninguém para tomar decisões do tipo.
PT no Senado – O orçamento também tem sido comprometido?
Ricardo Melo – Por força de recursos judiciais, a maior parte da contribuição destinada à comunicação pública está retida em depósitos na Justiça. O valor já ultrapassa R$ 2 bilhões. Ocorre que, além desse valor, há cerca de R$ 800 milhões já liberados por operadoras que não recorreram ao Judiciário, mas que foram apropriados indevidamente pelo Tesouro para engordar o superávit primário. E que o Planalto não libera para a comunicação pública como deveria. Um verdadeiro confisco. E, com a mudança de governo, os recursos, que já eram minguantes, ficaram ainda mais escassos.
PT no Senado – Os servidores públicos da EBC também estão preocupados com o futuro da empresa?
Ricardo Melo – Sim. Mas eles têm suas próprias entidades e organismos de representação dentro e fora da empresa. Cabe a eles tomar uma posição. Nunca tentei interferir nas decisões soberanas que eles têm todo o direito, e dever, de assumir. Pelo contrário. Orgulho-me de sempre procurar estabelecer uma relação de diálogo construtivo e respeitoso com a categoria, mesmo sabendo que as divergências são inerentes à convivência entre empresa e trabalhadores. Durante minha gestão, minhas portas sempre estiveram abertas para ouvir as reivindicações dos empregados – algo que não havia acontecido até então.
Carlos Mota
Leia mais:
Pimentel defende participação da sociedade civil no conselho da EBC
Da exoneração do presidente à transformação em estatal: o passo a passo do golpe na EBC
Partidos questionarão no STF tentativa do governo golpista de desmontar a EBC