A greve dos caminhoneiros foi a fagulha que armou a tempestade perfeita – corrida por combustíveis, confusão em aeroportos e alta nos preços de alimentos. Contudo, o mal-estar já era amplo, geral e irrestrito. O Brasil atravessou o umbral da crise econômica e a situação escalou um novo patamar, de devastação social.
Os dados da devastação são medonhos. Os que mais sofrem são os pobres, os trabalhadores e a juventude. Depois de 15 anos de redução, nos governo de Lula e Dilma, a mortalidade infantil voltou a crescer. No Rio de Janeiro (estado mais atingido pela crise), triplicou a extrema miséria. Aumentou a incidência de tuberculose, especialmente na crescente e desalentada população de rua.
O desemprego virou uma calamidade que vem produzindo uma nova “geração perdida”, a dos nossos filhos e filhas. A cada quatro jovens brasileiros, entre 18 e 24 anos, um não tem emprego nem estuda. São 13,7 milhões de desempregados (no primeiro trimestre deste ano acresceu mais 1,4 milhões). São 27,7 milhões quando se justapõe, aos dados tradicionais de desemprego, os subocupados (trabalho intermitente) e a “taxa de desalento” (trabalhadores que desistiram de procurar emprego). Somando tudo, a ausência de trabalho ronda a marca fatídica de 24,7% do total de toda a força de trabalho. Não bastasse o desemprego crônico, 170 mil jovens abandonaram a faculdade ano passado.
Na raiz de tudo isso, o fracasso da política econômica do governo Temer, que ascendeu, após o golpe parlamentar do impeachment sem crime de responsabilidade, sob as bênçãos dos mercados financeiros, com a missão de encaminhar uma reforma neoliberal radical. O cálculo dos estrategistas de meia tigela do governismo era que 2018 seria um ano de “recuperação econômica”. A “recuperação” faltou ao encontro. Definitivamente, o deserto da realidade chegou para apresentar a fatura do caos.
Nesta semana, ao enfrentar a maior crise de um governo de crises, o governo mostrou- -se desarvorado. Ninguém se entende, todos batendo cabeça, sem falar uma linguagem uniforme. Michel Temer, Pedro Parente, Rodrigo Maia. Nenhum desses tem a solução para a crise. Eles são a crise.
O debate sobre os preços do diesel e gasolina está mal posto pelo governo. Dolarizar os preços internos do petróleo é garantia de volatilidade e impossibilidade de planejamento da economia. É verdade que por um curto veranico tal política se manteve pela circunstância de uma conjuntura de baixa cotação do preço e barril e câmbio apreciados. Os ventos mudaram de direção. A tendência internacional é de depreciação do real no câmbio e elevação sustentada da cotação do óleo.
“Vocês não estão entendendo nada, absolutamente nada”, gritou Caetano Veloso no TUCA de São Paulo, há 60 anos. Pedro Parente, por exemplo, trata a questão dos preços do petróleo como se fosse apenas uma commodity mercantil e não tivesse severas implicações geopolíticas e geoeconômicas. Petróleo não é banana.
Os estrategistas do golpe, especialmente os tucanos, deram o golpe em Dilma de olho na vitória de Hillary Clinton e na inserção subordinada do Brasil à globalização. Resultado: colheram Trump e um novo realinhamento internacional, tudo indica de desglobalização.
No mundo ideal dos golpistas, representativo da parte financeira e associada da burguesia brasileira, Hillary Clinton governaria os Estados Unidos. Em seguida, constituiria dois novos blocos econômicos: em médio prazo, o acordo Transpacífico (Trans-Pacific Partnership), com tratativas em curso e assinado no governo Obama. No outro diapasão hemisférico, depois, não tardaria a hora do acordo Transatlântico (Transatlantic Trade and Investment Partnership), envolvendo Nafta, União Européia e Mercosul. Sucede que, para surpresa geral, venceu Donald Trump. A vitória de Trump derrubou a estratégia dos think tanks democratas, formulada em resposta geoeconômica à crise de 2008, de dobrar a aposta na globalização e constituir mais dois novos blocos econômicos.
Trump tirou o suporte. Assim, ao sul do Equador o projeto de subordinação cosmopolita vira-latas dos golpistas – Pedro Parente como o perfeito ícone – se assemelha à imagem de um pintor surpreendido com a brocha na parede cuja escada fora retirada por algum Deus irônico.