Dilma: “Acredito que nós estamos aqui, todos, para evitar que o nosso povo hoje não fale de lado nem olhe para o chão”Um maratona — que já dura mais de 12 horas — para evitar que a nossa gente volte a “falar de lado, olhando para o chão”. Dilma Rousseff, presidente eleita com 54 milhões e meio de votos está no plenário do Senado desde as 10h40 da manhã desta segunda-feira (29), respondendo a questões dos senadores que, a partir de amanhã, começam a decidir os destinos da democracia brasileira. A voz está rouca, mas a força da presidenta, destacada por diversos oradores, não dá sinais de esgotamento.
Trinta e nove senadores já inquiriram a presidenta. A provocação dos adversários Dilma vem tirando de letra. O verdadeiro teste emocional são as manifestações de solidariedade de companheiros de caminhada, políticos de trajetórias tão díspares quanto Kátia Abreu (PMDB-TO), grande produtora rural e ex-ministra da Agricultura, a comunista Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) ou o líder empresarial Armando Monteiro (PDT-PE), seu ex-ministro do Desenvolvimento. É nesses momentos que se vê o esforço da presidenta para conter a emoção.
Como destacou Lídice da Mata (PSB-BA) — que fez questão de lembrar que não integrava a base do segundo governo Dilma —, é difícil não reconhecer a coragem de comparecer ao Senado, colocar-se à disposição de seus julgadores, com “paciência de responder, em detalhes, a todos que perguntaram”. Foi Lídice, aliás, quem provocou a citação de Chico Buarque com a qual Dilma descreveu seu esforço em atender a todas as perguntas, ao citar a “página infeliz da nossa história” escrita pelo processo de impeachment.
“Acredito que nós estamos aqui, todos, para evitar, conforme também disse o poeta, que o nosso povo hoje não fale de lado nem olhe para o chão”, respondeu Dilma, referindo-se à consumação de um golpe parlamentar, caso o impeachment sem crime de responsabilidade seja aprovado. Ou, como descreveu Armando Monteiro, “uma grave lesão nas instituições democráticas do País”, que deixará “uma cicatriz que vai macular um longo processo de construção e de sedimentação das nossas instituições democráticas”.
Gleisi Hoffmann (PT-PR) registrou a “imensa tristeza” de ver Dilma submetida a um “julgamento fruto de uma farsa jurídica e uma violência política”, mas registrou a honra de ter a presidenta como companheira de caminhada. “Aqui não tem tanques, não tem baionetas, não tem torturas físicas, mas não faltaram a tortura emocional, psicológica, política”. A senadora ressaltou o conteúdo misógino do processo de impeachment: “A política não veste saias. Não ainda”, resumiu.
Gleisi também lembrou aos ex-aliados de Dilma uma série de projetos e ações de governo fundamentais para o desenvolvimento e para a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros—e de cuja implementação eles souberam colher dividendos políticos e eleitorais. “Por que não lhe julgam pelas obras que foram feitas, principalmente de infraestrutura? Brigavam para ter investimento em seus estados. Nunca vi nenhum senador aqui se preocupar para ter responsabilidade fiscal ou ter meta no final do exercício. Aumentavam a receita para garantir investimento. Rodovias, portos, aeroportos, metrôs”.
Sobre o “conjunto da obra” alegado por adversários de Dilma como “base” para o impeachment—já que a tese das pedaladas e dos três decretos parece cada vez mais frágil—Paulo Paim (PT-RS) foi fulminante em listar esse conjunto: Criação de universidades e escolas técnicas, valorização do salário mínimo de US$ 80 para US$ 300, 38 milhões de brasileiros que saíram da pobreza, cotas para negros, índios e alunos das escolas públicas no ensino superior, ensino profissionalizante com o Pronatec, PEC das Domésticas, entre tantas realizações. “O que eles não aceitam é que a senhora entrará para a história como uma das filhas mais dignas desta Nação. Os escravocratas são aqueles que atacam a democracia. Acontecerá, como foi com Rui Barbosa, que mandou queimar o nome deles porque ficou com vergonha perante a história do nosso País”.
Entre tantas manifestações de solidariedade e registros de realizações de seu governo, foi a fala emocionada do senador Lindbergh Farias (PT-RJ) que abalou a serenidade de Dilma, provocando as lágrimas da presidenta. “Isto aqui é um tribunal de exceção, e, quando nos encontramos diante de um tribunal de exceção, as posições se invertem. O acusado se torna acusador, e vira o jogo. Hoje, senhora presidenta, aqui, no Senado, a senhora virou o jogo. Está desmontando o golpe e está comovendo o País”.
Lindbergh lembrou em sua fala o célebre libelo do escritor francês Émile Zola, J’Accuse — a denúncia de um processo injusto e permeado pelo antissemitismo que condenou um inocente, o capitão Alfred Dreyfus, condenado por traição e enviado a cumprir prisão perpétua na Ilha do Diabo, no litoral da Guiana Francesa.
Um por um, o senador listou os personagens e as etapas do golpe: “Eu acuso Eduardo Cunha e Michel Temer de liderarem uma conspiração parlamentar contra o seu mandato. Eu acuso que a conspiração teve continuidade no Senado Federal, como provam as gravações de Sérgio Machado com Romero Jucá. Dizem eles: “Tem que mudar o governo para estancar essa sangria.”, referindo-se à Lava Jato. Eu acuso as elites dominantes, a burguesia brasileira que está por trás de tudo isso e que nunca teve compromisso verdadeiro com a democracia. Foi assim com Getúlio, Juscelino, Jango e agora está sendo com a senhora, presidenta Dilma. Eu acuso a mídia, a Rede Globo, que há três anos pediu desculpas ao Brasil pelo apoio à ditadura e agora embarca em outro golpe”, citou Lindbergh.
“Eu acuso o PSDB, por não ter aceito o resultado das eleições, por ter feito uma aliança com Eduardo Cunha, partindo para essa aventura do impeachment, que mergulhou o País numa crise política que paralisou a economia”, concluiu o senador. “Esse é um golpe contra a senhora, é um golpe contra a democracia, mas é fundamentalmente um golpe contra os mais pobres, um golpe contra os trabalhadores; é um golpe de classe, senhora presidente”.
As perguntas dos senadores se encerraram às 23h20 com a fala do vice-líder do PT na Casa, Paulo Rocha (PA).
Cyntia Campos
Leia mais:
Ataques dos neogovernistas não desestabilizam a presidenta Dilma Rousseff