Combater a homofobia institucionalizada e aumentar as doações de sangue no país. A um só tempo, um projeto de lei aprovado nesta quinta-feira (4) pelo Senado atinge esses dois objetivos, conforme resumiu o relator, senador Humberto Costa (PT-PE). O PL 2.353/2021, aprovado por unanimidade, proíbe a discriminação de doadores de sangue com base na orientação sexual. O texto segue para análise da Câmara dos Deputados.
“É um projeto fundamental para a saúde pública brasileira, que garante o direito à vida e combate o preconceito”, afirmou Humberto, ao apresentar seu parecer em Plenário.
A iniciativa do senador Fabiano Contarato (Rede-ES) altera a lei que regulamenta a doação de sangue para acrescentar essa proibição, que passa a ser considerada crime de discriminação, além de improbidade administrativa.
A discriminação de doadores estava prevista em dois atos do governo federal: a Portaria 158 do Ministério da Saúde e a Resolução da Diretoria Colegiada 34 da Anvisa, que impõem a homossexuais masculinos, bissexuais e suas companheiras quarentena de 12 meses, a partir da última relação sexual, para que possam doar sangue.
As normas remontam à década de 1980, quando o surgimento da Aids, causada pelo vírus HIV, transformou homens homossexuais em “grupo de risco”.
Em julgamento iniciado em 2017 e encerrado no ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a suspensão dessas normas. Citado por Humberto Costa no relatório, o ministro-relator, Edson Fachin, afirmou na época: “Orientação sexual não contamina ninguém; condutas de risco e preconceito, sim”.
“Essas normas espúrias clamam por um posicionamento firme do Congresso Nacional, em que pese a decisão do Supremo. O Ministério e a Anvisa agiram contra as normas da política nacional de doação de sangue”, afirmou Humberto Costa, que é médico e ex-ministro da Saúde.
Para ele, o governo federal não pode enquadrar um grupo específico como um perigo à saúde pública, nem impedir que um grupo seja solidário. “Doar sangue é, antes de qualquer coisa, um ato pela vida. Essas normas trouxeram para o centro do debate uma questão que infelizmente ainda reflete a sociedade em que vivemos: um pensamento arcaico e absurdo que relaciona orientação sexual a vetores de contaminação”, afirmou o senador.
Após a aprovação da proposta, o senador Contarato fez um relato emocionante sobre o simbolismo da decisão.
“Não basta estar na Constituição que um dos fundamentos é promover bem-estar e abolir toda e qualquer forma de discriminação. Será que no Brasil todos somos iguais? É necessário que Senado e Câmara façam um mea culpa. Direito ao casamento, à adoção, ao Imposto de Renda conjunto, à pensão por óbito do parceiro, à redesignação sexual, ao nome social, à união estável, à criminalização da homofobia, à doação de sangue… Todos esses direitos deram-se pelo Poder Judiciário”, listou o senador.
Para ele, o Brasil está “entrando no século 21, mas parece que estamos discutindo pautas da época medieval”. Contarato celebrou a aprovação: “Cabe ao Congresso fazer seu dever de casa, ainda que tardiamente”.