A chamada “carta da rendição”, após a fracassada tentativa de golpe do 7 de setembro, criou a expectativa, entre os discípulos do Doutor Pangloss, de que Bolsonaro poderia, de alguma forma, ser controlado pelas instituições e domesticado pelos grandes interesses econômicos, que desejam um chefe de Estado que não atrapalhe os importantes negócios internacionais.
A tênue ilusão durou pouco.
Na abertura da Assembleia Geral da ONU, Bolsonaro voltou a usar o maior palco mundial como palanque eleitoreiro e como plataforma privilegiada para divulgação de fake news destinadas a açular os fanáticos que ainda o seguem.
O Itamaraty havia preparado um pronunciamento destinado a reverter a péssima imagem atual do Brasil e a recolocar o país como player responsável e racional no cenário internacional. Esperava-se que o discurso servisse de pontapé inicial para a superação do isolamento diplomático do governo Bolsonaro.
Mas o capitão, que comunga do desprezo à ONU que predomina na extrema direita mundial, jogou tudo no lixo. Usou a tribuna que foi antes ocupada por gente do calibre de Oswaldo Aranha para fazer um discurso digno de um miliciano de subúrbio.
Recheado de mentiras, o discurso começou, como sempre, com diatribes contra o suposto “comunismo” dos governos passados, que emprestavam dinheiro para ditaduras (mentira, o BNDES nunca financiou outros países, financiou e financia empresas brasileiras) e provocavam déficits bilionários nas estatais (outra mentira).
Feito em tom desafiador e provocativo, totalmente em desacordo com a tradição diplomática do Brasil, o pronunciamento sequer apresentou propostas de cooperação para o tema da Assembleia Geral deste ano: Construindo resiliência por meio da esperança – para se recuperar de Covid-19, reconstruir a sustentabilidade, responder às necessidades do planeta, respeitar os direitos das pessoas e revitalizar as Nações Unidas.
Afinal, Bolsonaro é a antítese da esperança.
Bolsonaro chegou a apresentar o Brasil como “exemplo ambiental”, afirmando, inclusive, que o desmatamento em agosto foi reduzido em 32% em relação a agosto do ano passado. Não é isso, entretanto, o que afirma o Imazon. De acordo com esse instituto, em agosto de 2021, o SAD detectou 1.606 quilômetros quadrados de desmatamento na Amazônia Legal, um aumento de 7% em relação a agosto de 2020.
Não vou aqui cansá-los com as mentiras proferidas no discurso. Precisaria de dezenas de páginas para comentá-las. Posso destacar, entre as muitas, a de que o Brasil está há 2 anos e oito meses sem casos de corrupção.
Posso afirmar, também, que a visão rósea e delirante do Brasil que ele apresentou ao mundo não convenceu ninguém com um mínimo de informação. Certamente, não convenceu nenhum investidor sério de que o Brasil é o melhor país para se investir.
Impossível deixar de comentar que Bolsonaro terminou seu pronunciamento defendendo o “tratamento precoce” contra a Covid-19, assinalando que ele mesmo o fez.
Ele, que foi para Nova Iorque orgulhoso de não ter atestado de vacinação, passou recibo mundial de ignorância, irresponsabilidade e negacionismo. Tal “recibo” se estende ao país que ele representa. Bolsonaro, mais uma vez, envergonhou o Brasil.
Fico aqui me perguntando o que os investidores internacionais poderão pensar de um país cujo presidente é uma clara dissidência do Homo Sapiens. Boa coisa não será.
Com toda certeza, com Bolsonaro no ´poder, o Acordo Mercosul/UE não será aprovado e o país não entrará na OCDE. Chances nulas. E chances nulas também de ele ter um bom diálogo com chefes de Estado sérios e relevantes. Ficará estrito ao circuito diminuto da extrema direita mundial, composto por países como Polônia, a quem, em Nova Iorque, pediu pateticamente apoio para ingressar na OCDE.
E as chances de o Brasil poder manter o que restou de sua democracia parecem diminuir a cada dia. Bolsonaro, acossado pela imensa crise econômica, social e política que ele mesmo criou, pelas inúmeras denúncias de corrupção e pela popularidade em forte queda, fará o que sempre fez: partir para o confronto.
Não lhe resta alternativa. Ao contrário da mentira sobre o crescimento do Brasil no próximo ano, proferida desavergonhadamente no discurso, a economia brasileira ficará estagnada em 2022. Assim, a crise tende a se aprofundar.
Bolsonaro parece estar entrando em fase terminal. Isso o torna muito perigoso, pois tem pouco a perder.
A tentação de tentar um novo putsch, quando ainda tem um número significativo de seguidores fanáticos e mobilizados poderá ser muito grande, caso seu derretimento político continue. Putsch esse que poderá até ser apoiado por setores da chamada “terceira via”, caso Lula e seu projeto progressista se tornem, de forma irreversível, francos favoritos para o pleito de 2022.
Brecht dizia que a porca fascista está sempre no cio. De fato, os movimentos fascistas em sentido lato, como o bolsonarismo, são incontroláveis. Tem lógica própria, baseada no confronto permanente, que desconhece, muitas vezes, limites ditados pela racionalidade e pela própria realidade. O bolsonarismo é, nesse sentido, uma espécie de “terraplanismo político”, uma “cloroquina ideológica”.
O dilema parece cada vez mais claro: ou o Brasil acaba com Bolsonaro ou Bolsonaro acaba com o Brasil. E o Brasil está acabando depressa.
O país não pode mais conviver pacificamente com sua Nêmesis institucional, econômica, social e sanitária.
Hoje, o mundo percebeu de novo o que Bolsonaro realmente é. Uma ameaça à comunidade internacional.
O Brasil precisa perceber que Bolsonaro é uma séria ameaça ao país, à democracia, às instituições e às brasileiras e brasileiros.
Não se pode ensinar razão a um delirante. Não se pode ensinar democracia a um candidato a tirano.
Bolsonaro é incontrolável. A única maneira de controlá-lo é retirá-lo do poder.
Passou da hora de todos os verdadeiros democratas perceberem isso.