“O Brasil, definitivamente criou e comandou a Operação Condor. Os documentos que eu trouxe aqui provam”, afirmou o ativista em direitos humanos, Jair Krischke em depoimento prestado à Comissão Nacional da Verdade (CNV) na última segunda-feira (26/11).
Presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Krischke entregou à representante da comissão, Rosa Maria Cardoso da Cunha, uma série de documentos secretos que relatam a perseguição e captura de dissidentes políticos além-fronteira, com a colaboração das ditaduras da Argentina, Bolívia, do Chile, Paraguai e Uruguai.
De acordo com Krischke, a Operação Condor teve como objetivo reprimir e eliminar os opositores das ditaduras que vigoravam nesses países. “As ditaduras trocavam informações, prisioneiros e assassinatos, realizando operações conjuntas altamente clandestinas, sem respeitar as normas internacionais e diplomáticas existentes”, disse.
Durante seu depoimento, Krischke também contestou a versão oficial das autoridades militares brasileiras sobre a queima de arquivos do período. Ele disse que muitos arquivos estão nas mãos de chefes militares à época. “Sabemos que existem [arquivos] nas mãos do Major Curió e de tantos outros que são mais discretos. É preciso continuar na luta para abrir os do Exército e demais arquivos”, disse.
Evidências
Krischke disse à Comissão da Verdade que a primeira evidência da Operação Condor relata a prisão do ex-coronel do Exército Jefferson Cardin Osório na Argentina, em dezembro de 1970, o primeiro alvo da operação. Em outubro, a Agência Brasil revelou a existência da operação de sequestro de Osório.
Em 1965, Osório comandou a Guerrilha de Três Passos, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a primeira contra o regime militar do Brasil e, por isso, era um militante visado. Um ano antes, ele teve os direitos políticos cassados pelo Ato Institucional 4, de 1964.
Outro documento apresentado mostra a colaboração do Exército argentino com o governo brasileiro na prisão do militante Edmur Péricles Camargo, em 1971. Ele foi detido quando fazia escala em Buenos Aires, em um voo que partiu de Montevidéu em direção ao Chile.
A representante da Comissão da Nacional da Verdade, Rosa Maria Cardoso, disse que os documentos vão contribuir para resgatar a história do período. “Nós vamos caracterizar a operação, levantando questões factuais e evidências também. Vamos anexar no nosso relatório final a comprovação do que estamos dizendo”, disse.
Parte do material apresentado por Krischke foi recebido de autoridades argentinas e trazem os nomes brasileiros ou descendentes desaparecidos na Argentina por ações combinadas da repressão dos dois países. A Operação Condor é objeto de uma investigação na Justiça Federal daquele país, denominada Causa Condor.
“Lamento que as autoridades brasileiras não tenham nenhuma atitude com relação a esses casos. Acho que ao final dos trabalhos da comissão eles têm que ser encaminhados ao Ministério Público”, disse Krischke.
Referência internacional
As audiências da Comissão da Verdade, criada para apurar violações dos direitos humanos praticadas pelos órgãos de estado, são abertas ao público. O depoimento de Kirschke foi realizado em Brasília, no Centro Cultural Banco do Brasil. Aos 74 anos, o ativista gaúcho é uma referência internacional na investigação de casos de tortura, seqüestros e mortes praticadas pelos organismos de repressão. Ele apresentou à CNV documentos inéditos do acervo do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), que ele preside desde 1979, ano de sua fundação. Os documentos apontam o Brasil como criador e pioneiro da conexão multinacional que caçou, torturou, matou ou fez desaparecer centenas de dissidentes políticos perseguidos além-fronteira pelo aparato repressivo dos regimes da região.
Krischke aponta que a primeira ação da Condor foi realizada em Buenos Aires, em 1970. Um documento do DOPS de São Paulo que narra uma operação da Condor, acontecida na capital paulista em 1976, agora faz parte da “Causa Condor” que tramita na Justiça Federal Argentina.
“Um desses documentos informa com singeleza: ‘preso pelo Exército brasileiro e entregue a polícia do Uruguai contra recibo’”, revela Krischke
O MJDH de Krischke salvou da tortura, da morte ou do desaparecimento cerca de duas mil pessoas perseguidas durante os anos de chumbo das décadas de 1960 a 1980, quando regimes militares sufocaram a democracia nos países do Cone Sul do continente — Uruguai, Argentina, Chile, Paraguai e Bolívia, além do próprio Brasil.
Riocentro e Rubens Paiva
Nesta terça-feira (27/11), a Comissão Nacional da Verdade recebe das mãos do governador do Rio Grande do Sul (RS), Tarso Genro, documentos que relevam detalhes sobre o episódio Riocentro (1981) e sobre o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva (1971). O material foi apreendido pela Polícia Civil gaúcha na residência do coronel do Exército Júlio Miguel Molinas Dias, ex-comandante do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), assassinado no início do mês em Porto Alegre.
Com informações da Agência Brasil e Secretaria de Direitos Humanos