O universo da economia criativa perdeu 691,1 mil postos de trabalho no primeiro semestre de 2020, comparado com o mesmo período de 2019. O ‘Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural’, que monitora a evolução econômica da indústria criativa no Brasil, concluiu que o setor sofreu um golpe de 9,94%, fazendo com que as 6.958.484 pessoas que ganhavam a vida no setor em junho de 2019 se tornassem 6.266.560 um ano depois. Em comparação com dezembro do ano passado, a queda chega a 12%.
“Existem evidências de que o setor cultural foi um dos mais atingidos pela crise, e que são necessárias políticas públicas emergenciais e investimentos a fim de que o setor não entre em colapso”, dizem os pesquisadores na introdução do estudo. A análise levou em consideração os últimos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O estudo do Itaú Cultural mostra que o impacto maior foi entre os trabalhadores mais ligados a atividades culturais. Neste caso, a queda foi de 49%, caindo de 659,9 mil trabalhadores em junho de 2019 para 333,7 mil. As atividades artesanais caíram 49,66% (132,8 mil postos de trabalho a menos). No cinema, música, fotografia, rádio e TV, são 43.845 menos postos de trabalho. O setor editorial caiu 76,85%, com 7.994 menos vagas, e as artes cênicas e artes visuais se reduziram em 43% (menos 97.823 postos).
“O setor de apoio à economia criativa foi menos impactado, já que também atua em outros ramos”, afirma Luciana Modé, coordenadora do Observatório Itaú Cultural. “Já a atividade cultural propriamente dita enfrenta enorme necessidade de reinvenção, para repensar sua sustentabilidade.”
“Como os números mostraram, se olharmos junho do ano passado e junho deste ano, perdemos 691 mil empregos neste intervalo. Se fizermos o comparativo com dezembro de 2019, a queda foi ainda maior, uma vez que, no segundo semestre do ano passado, a economia tinha se aquecido um pouco e gerado mais postos no setor. Frente a dezembro, a perda chegou à marca de 871 mil postos de trabalho, o que representa encolhimento superior a 12%”, estima o diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron.
“A economia criativa foi uma das primeiras a parar e será uma das últimas cadeias de produção a voltar completamente, dada a necessidade de suspensão social durante a pandemia. Cinemas, teatros, casas de espetáculos, centros culturais, tudo fechou no primeiro semestre. Toda uma longa cadeia de profissionais se viu sem trabalho de uma hora para outra. Todo o pessoal de back stage e de produção foi afetado. O desemprego atingiu toda a economia e a economia criativa não ficou imune”, lamentou.
Em entrevista à ‘Agência Estado’, Saron afirmou que a recuperação dependerá de uma série de fatores. “Precisamos superar a pandemia por meio da ciência e da medicina. A economia precisa voltar à sua plenitude e o país precisa voltar a crescer. Com emprego e renda, a economia criativa voltará a crescer, na esteira da demanda. E, em outro campo, governos, empresas e sociedade precisam compreender que o ecossistema da economia criativa é fundamental para o desenvolvimento do país e precisa ser bem cuidado. O setor gera emprego, renda e bem-estar social”, defendeu.
Queda de faturamento atingiu 88,6% do setor
Outro estudo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), levantou os impactos econômicos da crise do coronavírus na economia criativa.
De um universo de 546 empresas pesquisadas entre o final de maio e meados de junho em todas as regiões do Brasil, 88,6% registraram queda de faturamento, e 63,4% afirmaram ser impossível manter as atividades durante o período de isolamento social. Além disso, quatro em cada dez negócios do setor tinham dívidas ou empréstimos em aberto.
A economia criativa – que engloba os ramos cultural e artístico, produção editorial e audiovisual, arquitetura, design e tecnologia – é formada por 300 mil empresas e instituições. Elas empregam 4,9 milhões de profissionais e respondem por 2,64% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, conforme dados de 2017.
O setor cresceu a uma média anual de 4,6% em 2018 e 2019, quando gerou um PIB de R$ 190,5 bilhões. A queda estimada para o biênio 2020-2021 é de R$ 69,2 bilhões, e a previsão é que a recuperação total só deve ocorrer a partir de 2022.
Um dos maiores entraves para a recuperação da economia criativa é a dificuldade de acesso a crédito pelos pequenos e microempresários da cultura. Cerca de 35% dos respondentes da pesquisa afirmaram ter tentado obter empréstimo junto a uma instituição financeira, mas só 4,6% deles conseguiram a liberação da verba.
“Uma resposta que o Brasil ainda não conseguiu dar nesta crise foi fazer chegar recursos às micro e pequenas empresas como forma de empréstimo”, afirma Luiz Gustavo Barbosa, gerente executivo da FGV Projetos. Ele lembra que isso não ocorre só com o setor cultural, mas nesse caso específico, há fatores culturais que dificultam ainda mais a concessão de empréstimos.
Por um lado, grande parte do setor é formado por micro e pequenos empresários que não têm o hábito de se endividar para crescer. Por outro, os bancos não têm tradição de lidar com a área, além da questão da garantia, já que boa parte dos ativos do setor cultural são intangíveis ou de valoração subjetiva.
Diante desse cenário, a pesquisa mostra que 71% consideram extremamente importante a abertura de linhas de crédito para capital de giro em condições facilitadas, e o mesmo patamar quer a renegociação de condições de empréstimos já realizados.
Outra pesquisa do Sebrae, feita entre 28 de setembro e primeiro de outubro com mais de seis mil empresários de todos os 26 estados e do Distrito Federal, confirmou que a economia criativa e o turismo amargaram as piores perdas de faturamento. Segundo o levantamento, a economia criativa sofreu queda de 67% nos ganhos, comparando com o ano passado. Sobre o fluxo de caixa, 31% das empresas ouvidas possuem empréstimos em aberto e com atraso no pagamento das parcelas.