Recebi na tarde desta terça-feira, dia 22 de novembro, carta do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que transcrevo abaixo, na íntegra, em resposta ao texto do post publicado no dia 2 de novembro sobre as prévias do PT na cidade de São Paulo (“Ainda há um Suplicy no caminho de Haddad”):
Meu caro Ricardo Kotscho,
Você sabe do respeito e admiração que tenho por sua pessoa, bem como por sua extraordinária trajetória como jornalista, desde o tempo que fomos colegas na “Folha de S. Paulo”, assim como quando foi Principal assessor de imprensa e porta-voz do Presidente Lula e, agora, como responsável por seu Blog na R-7. De vez em quando, há jornalistas que fazem comentários críticos sobre minhas ações – ao lado de muitos que as reconhecem como positivas – os quais deixo passar sem resposta. Entretanto, em vista desse comentário, publicado em seu Blog de 2/11/2011, entendo como meu dever, de consciência e consideração para com você, comentá-lo. É bom ouvir críticas, sobretudo dos amigos, mas acho bom também mostrar o que considero verdade para buscar maior justiça.
Primeiro, no que diz respeito à sua observação de que: “antes de ser do PT, com seu estilo de songamonga, mas de bobo não tem nada, Suplicy foi do partido dele mesmo, o Partido de Eduardo Suplicy, sempre voltado aos holofotes da mídia.” Gostaria de lhe recordar que foi ao tempo em que trabalhava na “Folha”, nos anos setenta, antes de ser parlamentar, que me aproximei de Lula, então Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. Certo dia, em agosto de 1976, por sugestão do Osvaldo Cavignato, então e até hoje assessor econômico da direção do sindicato, Lula foi assistir a uma palestra minha sobre “A política econômica e distribuição da renda, a influência dos empresários e dos trabalhadores nas decisões do governo”, para o 4º ano de economia da Fundação Santo André, em que estudava Osvaldo. No final de minha fala, ao abrir para observações e perguntas, Lula fez diversos questionamentos. Eis que o professor titular da cadeira de economia disse: “O que dirá o diretor da faculdade na hora que souber que perigoso líder sindical está aqui”? Lula ficou constrangido e saiu da sala. Observei aos estudantes acerca da importância dos economistas considerarem tanto as opiniões dos empresários quanto as dos trabalhadores na hora de tomar decisões que afetariam a vida do país. Terminei de responder a todos os questionamentos e, ao sair da sala, Lula estava me esperando ao lado de Devanir Ribeiro e de Osvaldo. Conversamos um bocado e Lula me convidou a ir ao Sindicato para que continuássemos a conversa. Volta e meia, em meus artigos na “Folha”, o mencionava.
Em 1978, Lula aceitou participar de um debate com o povo sobre o meu livro de artigos de política econômica, “Compromisso”, que se realizou no calçadão da Barão de Itapetininga, em frente à Brasiliense. Segundo Osvaldo Bargas, então presente, aquela foi a primeira vez que Lula apresentou publicamente a ideia de formação de um partido dos trabalhadores, conforme consta na publicação, da íntegra do debate, pelo “Leia Livros”, de Caio Gracco Prado e Cláudio Abramo. Na ocasião, pela primeira vez eu era candidato a deputado estadual pelo MDB, instado por amigos a defender no parlamento as ideias que publicava na Folha. Fui eleito deputado estadual com 78 mil votos.
Por ter me engajado, fortemente, na defesa da democratização do país, dos direitos à cidadania, de liberdade de expressão e dos trabalhadores, ao final de 1979, as lideranças sindicais e intelectuais que pensaram na fundação do PT convidaram-me para ser um de seus fundadores. Tendo em vista que o Presidente Ernesto Geisel havia extinguido o MDB e a Arena, por decreto, formulei uma consulta àqueles que me elegeram sobre o quê achavam de eu ingressar no PT. Recebi resposta por carta, telefone e até pessoalmente – naquele tempo não havia internet. Cerca de 85% apoiaram meu ingresso no PT. Dessa forma, juntamente com João Batista Breda, Irma Passoni, Marco Aurélio Ribeiro, Geraldo Siqueira e Sérgio Santos, participamos da fundação do Partido dos Trabalhadores, em 10 de fevereiro de 1980. Tenho a convicção plena, ao longo desses 31 anos e 10 meses, de ter sido leal aos anseios e objetivos que me levaram a ingressar no PT. Sobretudo de ter ajudado a construir, por meios democráticos, uma nação civilizada e justa, através de formas transparentes e corretas de proceder. Quando o PT ainda não tinha sede, foi em minha casa que se realizaram inúmeras reuniões da primeira Executiva Nacional do partido. Durante todos os meus mandatos, contribuí, como fazem todos os parlamentares, nos primeiros anos, com 30% da remuneração bruta, e depois, disciplinadamente, com 20% da remuneração líquida mensal para manutenção do Partido.
Em 1983, o PT indicou-me para ser Deputado Federal. Fui eleito com 83 mil votos. Foi um período de intensa oposição e investigação sobre os atos do governo João Figueiredo e pela defesa da campanha das “Diretas Já”. Pelo trabalho realizado, o PT indicou-me para ser candidato a Prefeito de São Paulo, em 1985. Jânio Quadros foi eleito, mas o candidato do PT teve 19,7% dos votos, numa bonita campanha. Em 1986, novamente fui indicado para ser candidato ao Governo de São Paulo, quando Orestes Quércia foi eleito. Tive pouco mais de 10% dos votos. Foi um ano difícil para o PT, com os episódios do assalto ao Banco do Brasil em Salvador, por membros do Partido, e da morte de dois trabalhadores durante a greve dos canavieiros de Leme, quando acusaram indevidamente o PT de ter levado armas para o local.
Em 1987/88, voltei a ser professor por tempo integral na EAESP-FGV. Atualmente, continuo dando aulas na Fundação, só que agora em tempo parcial, às sextas-feiras à tarde. Em 1988, o PT me sugere ser candidato a vereador, para ajudar na eleição de Luiza Erundina de Souza e da bancada. Aceitei. Carlito Maia sugeriu o mote “Pintou Limpeza”, pintado num jipe branco com a estrela vermelha do PT, com o qual percorri a cidade. Tive 201 mil votos e por isso fui eleito Presidente da Câmara Municipal de São Paulo. Coloquei em prática a diretriz: “a transparência em tempo real é a melhor maneira de prevenir irregularidades”. Graças a essas ações, o Partido me indicou para ser candidato ao Senado, em 1990. Fui o primeiro senador eleito pelo PT, com 4,201 milhões ou 30% dos votos do estado de São Paulo. Em abril de 1991, apresentei o primeiro projeto para instituição de um Programa de Garantia de Renda Mínima através de um Imposto de Renda Negativo. Aprovado por consenso no Senado, em dezembro de 1991, foi para a Câmara onde recebeu parecer favorável do então deputado Germano Rigotto.
Do debate sobre o tema, surgiu a ideia de se iniciar a garantia de renda mínima relacionando-a às oportunidades de educação e daí as primeiras experiências locais em Campinas, no Distrito Federal, Ribeirão Preto etc. Com isso, o Governo Fernando Henrique, em vista da existência de seis proposições sobre o tema tramitando no Congresso Nacional, resolveu dar sinal verde para aprovar a lei 9.533/97, pela qual a União financiaria 50% das despesas dos municípios que aprovassem leis instituindo programas de renda mínima. Isto aconteceu logo após audiência em que levei o Professor Philippe Van Parijs, maior estudioso sobre a Renda Básica Incondicional, para conversar com o Presidente FHC, o Ministro Paulo Renato Souza e sua equipe, no Palácio do Planalto. Van Parijs disse ao presidente que o objetivo melhor a ser alcançado seria a Renda Básica Incondicional. Todavia, considerava ser um bom começo relacionar a renda mínima às oportunidades de educação, pois significava o investimento em capital humano. Já em 2001, por meio de medida provisória, logo transformada na Lei 10.260, também aprovada por consenso, ficou garantido que a União financiaria 100% dos gastos de todos os municípios brasileiros que adotassem o programa de renda mínima associado à educação, então denominado Bolsa-Escola. Também foram instituídos os programas PETI, Bolsa-Alimentação, Vale Gás e Bolsa-Renda. Em fevereiro de 2003, o presidente Lula cria o programa Cartão Alimentação, sendo que em outubro do mesmo ano, visando à racionalização do gasto público e à focalização dos beneficiários, o governo unificou os procedimentos dos programas de transferência de renda no programa Bolsa Família.
Voltando ao ano de 1991, estava eu entusiasmado com o primeiro ano no Senado, quando, em dezembro, fui chamado para uma reunião com as direções nacional, estadual e municipal do PT, na sede nacional, na rua Conselheiro Nébias, presentes Lula e a Prefeita Luíza Erundina. Naquela oportunidade, disseram-me ser minha responsabilidade perante o PT, candidatar-me à prefeitura de São Paulo, em 1992, pois o candidato Paulo Maluf estava muito forte na cidade. Resolvi aceitar. Fomos para o segundo turno, mas o Maluf venceu. Foi um ano de intensa atividade, pois em fevereiro, junto com José Dirceu, após ouvirmos, por cinco horas, Pedro Collor de Mello no Hotel Maksoud Plaza, fomos para minha casa e, juntos, escrevemos o requerimento que deu origem à CPI para investigar os atos de PC Farias, a qual resultou na memorável campanha pela Ética na Política e no afastamento do Presidente Collor.
Em 1993, junto com o Senador Pedro Simon, fui autor do requerimento que deu origem à CPI do Orçamento. De ambas, participei intensamente com todo o PT.
No decorrer dos anos noventa, ao interagir com os economistas e cientistas sociais da Basic Income European Network, BIEN, fundada em 1986, e transformada, em 2004, em Basic Income Earth Network, me convenci de que, mais eficaz do que a Garantia de uma Renda Mínima por meio de um imposto de renda negativo, mesmo sendo na forma do Bolsa Escola ou do Bolsa Família, seria a implantação de uma Renda Básica Incondicional. Assim, em dezembro de 2001, apresentei novo projeto de lei tendo como objetivo a instituição de uma Renda Básica de Cidadania – RBC, incondicional para todos os brasileiros e, inclusive, para os estrangeiros residentes no país há cinco anos ou mais. Será um direito de todos participarem da riqueza da nação, um benefício igual para todos, suficiente para atender as necessidades vitais de cada um, não importa a sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou sócio-econômica. No Senado, foi designado como relator o Senador Francelino Pereira (PFL-MG). Fui procurá-lo e lhe dei de presente meu livro, “Renda de Cidadania. A Saída é pela Porta”. Pedi que o lesse para que depois pudéssemos conversar. Ele o leu e, do alto de sua experiência, me disse que o projeto era uma boa ideia. Mas, visando facilitar sua aprovação, sugeriu que eu aceitasse um parágrafo segundo o qual a RBC seria instituída por etapas, a critério do Poder Executivo, começando pelos mais necessitados, como aconteceu com o Bolsa Família. Além disso, a proposição tornar-se-ia compatível com a Lei de Responsabilidade Fiscal, pela qual para cada despesa é necessário haver a receita correspondente. Lembrei-me, então, das lições do Prêmio Nobel de Economia, James Edward Meade, que em seu livro Agathotopia, menciona que o importante é saber bem o que se quer para daí seguir assertivamente, passo a passo, para o objetivo. Concordei com a sugestão do Senador Francelino e, graças a esse parágrafo, a lei 10.835/2004 que institui a RBC foi aprovada, no Senado, por todos os partidos em dezembro de 2002 e na Câmara em dezembro de 2003. Quando chegou ao Presidente Lula, o Ministro da Fazenda Antonio Palocci informou ao presidente que, como era para ser implementada gradualmente, sua sanção era factível. E, numa memorável cerimônia, em 8 de janeiro de 2004, o presidente Lula a sancionou.
Em seu Blog, caro Ricardo, você afirma: “Com uma única ideia na cabeça, o Projeto de Renda Mínima, que só ele entende e explica até a exaustão a quem encontra pela frente, Suplicy sobrevive no cenário político há mais de duas décadas sem que o eleitor consiga saber se ele pertence à situação ou à oposição. Corre sempre em faixa própria”.
Sinto que você nunca tenha tido a paciência de ouvir e estudar a Renda Básica de Cidadania. Se tivesse tido um pouco de interesse de ler meu livro teria tomado conhecimento de que se trata de proposta defendida pelo mais largo espectro de renomados economistas. Nosso maior economista, assim considerado pelos Presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, Celso Furtado, enviou a seguinte mensagem ao Presidente Lula no dia em que ele sancionou a lei:
“Neste momento em que Vossa Excelência sanciona a Lei da Renda Básica de Cidadania quero expressar-lhe minha convicção de que, com essa medida, nosso país coloca-se na vanguarda daqueles que lutam pela construção de uma sociedade mais solidária. Com frequência o Brasil já foi referido como um dos últimos países a abolir o trabalho escravo. Agora, com este ato que é fruto do civismo e da ampla visão social do senador Eduardo Matarazzo Suplicy, o Brasil será referido como o primeiro que institui um sistema de solidariedade tão abrangente e, ademais, aprovado pelos representantes do povo.”
O Professor Philippe Van Parijs, das Universidades Católica de Louvain e de Harvard, presente à cerimônia de sanção, observou que a assinatura da lei “foi um momento importante, verdadeiramente incrível, na história da renda básica, dando esperança e força para muitos que por este mundo afora consideram a renda básica como um componente central de um futuro desejável e sustentável para as nossas sociedades”. Eu estou de pleno acordo com ele quando afirma que o grande passo da humanidade no Século XIX foi a Abolição da Escravatura; no Século XX, o Sufrágio Universal; no Século XXI será a Renda Básica de Cidadania.
Será, Ricardo, que você quer apagar o que disse o Presidente Lula naquele 8 de janeiro de 2004? Eis um trecho:
Hoje, milhões de brasileiros pobres não ganham nada ou ganham menos do que os subsídios destinados à criação de animais nos países ricos. É uma inversão de valores assustadora porque o direito à vida humana é o mais sagrado de todos e ele tem sido secularmente preterido entre nós.
É nesse cenário, portanto, que estamos aqui para saudar a nova conquista do sonho libertário e da esperança solidária – representada pela renda básica de cidadania, que o Estado brasileiro passa a incorporar a seu leque de políticas sociais, a partir de 2005. Trata-se de um fruto colhido após década de persistência inabalável do companheiro e amigo, senador da República Eduardo Suplicy.
Desde 1991 ele desempenha o papel de um incansável Dom Quixote para convencer a sociedade de que é possível universalizar direitos sociais em nossa terra. A bandeira da renda mínima é um símbolo desse esforço. Nós sabemos, e o economista Suplicy sabe melhor que todos nós: trata-se de uma meta a ser implantada gradualmente.
Tenho a convicção de ter honrado o PT ao ser o autor da primeira lei aprovada, no mundo, por um Congresso Nacional visando instituir uma Renda Básica de Cidadania. Em razão disto, fui eleito Co-Chair da BIEN, em seu X Congresso Internacional realizado em Barcelona, Coordenador da Rede Brasileira da Renda Básica de Cidadania e, em 2008, no XII Congresso Internacional da BIEN, fui eleito Co-Presidente de Honra. Nesta condição, tenho sido convidado por mais de quarenta países, para debater e divulgar os resultados positivos das experiências de transferências de renda instituídos no Brasil, assim como a perspectiva de chegarmos à RBC. Portanto, é minha responsabilidade falar sobre o tema e, sobretudo, empenhar-me para que venha de fato a acontecer.
Um jornalista com suas formidáveis qualidades, Ricardo, deve sempre informar a verdade. Será que só falo sobre isso? Se tivesse averiguado melhor, teria observado que desde 1991, no Senado, fiz 2.488 pronunciamentos. Dentre os temas que dediquei maior atenção e que são as prioridades de meu trabalho como parlamentar estão o combate à fome e a erradicação da pobreza absoluta; as inúmeras análises sobre o desempenho da economia brasileira; o estudo e a discussão das mudanças necessárias à atualização da Lei de Licitações, de cujo projeto fui escolhido relator e está pronto para ser apreciado pelo Plenário do Senado; o acompanhamento da evolução da citricultura paulista e brasileira, visando à garantia de venda da produção dos pequenos produtores, bem como fiscalizando o desempenho das empresas produtoras de suco, no sentido de impedir o controle de preços do setor; o apoio às formas cooperativas de produção, através de projeto de lei de minha autoria, pronto para ser votado; o incentivo às atividades culturais paulistas e brasileiras; a ajuda na solução de problemas ocorridos no Estado de São Paulo, tais como inundações, conflitos estudantis, socorro à população em situação de risco (toxicômanos), conflitos agrários, apresentação das reivindicações dos catadores de material reciclável etc, com inúmeras visitas minhas aos respectivos locais; apoio às iniciativas internacionais de paz – estive em Israel e na Palestina, conversando com Shimon Peres e Yasser Arafat; no Iraque, apresentando uma alternativa para o fim do conflito; no Sudão, levando uma proposta factível para a redução da miséria nos países da África Subsaariana; na Coréia do Sul, onde propus que, para pacificar e unir as duas Coréias, se promovesse dois jogos da seleção do Brasil versus a das duas Coréias, um em Seul e outro em Pyongyang, e também se instituísse uma Renda Básica comum. Em todos os países que tenho ido, faz uma enorme diferença ser um Senador do PT, do Partido de Lula e de Dilma Rousseff, e me sinto feliz de representá-lo.
Há uma série de outras atividades que tenho priorizado no Senado Federal, dentre as quais posso citar: defesa irrestrita da transparência na condução da gestão pública; trabalho no sentido de ampliar a democracia interna dos partidos; transparência na prestação das contas dos candidatos e partidos políticos, com a apresentação de projeto de lei a respeito; defesa das instituições de ensino e de saúde do Estado de São Paulo, por meio da destinação de recursos orçamentários federais; luta pela igualdade dos direitos do setor público e privado, por exemplo, no que diz respeito à aposentadoria, férias etc; trabalho na Comissão de Assuntos Econômicos em defesa da destinação de créditos para o Estado de São Paulo; garantia de equidade tributária para o Estado (impedir a guerra fiscal); defesa dos direitos das minorias, tais como índios, afrodescendentes, pessoas com doenças raras, recebendo-as, encaminhando seus pleitos às comissões e procurando minimizar suas carências e sofrimentos; luta para garantir o trabalho dos empregados da Embraer e encomendas da empresa; apoio constante às políticas de justiça social com desenvolvimento sustentável, implantadas pelos Governos Lula e Dilma Rousseff; defensor da importância do Senado Federal atuar em suas funções de bem legislar e de fiscalizar os atos dos três Poderes da República, através de todos os seus instrumentos, inclusive a instalação de comissões parlamentares de inquérito, quando necessário.
Tenho a certeza de que foi em função da qualidade de meu trabalho que fui por duas outras vezes indicado pelo PT e eleito senador pelo povo de São Paulo, em 1998 e em 2006. Na primeira eleição obtive 6,73 milhões ou 43% dos votos e, na segunda, 8.986.803 ou 47,82% dos votos. Na eleição de 2006, na Capital de São Paulo, obtive 51,37% dos votos, a maior proporção obtida por qualquer dos nomes do PT em nossa história. Não seria natural que, de forma leal e democrática, me sentisse credenciado para disputar a prévia?
Em seu Blog, Ricardo, você assim registrou: “Não é a primeira vez. No final de 2001, contra toda a lógica política e a vontade da quase totalidade do PT, Eduardo Suplicy insistiu nas prévias para a escolha do candidato a presidente da República nas eleições do ano seguinte, disputando a indicação com nada menos, do que Lula. Tomou uma tremenda surra, como ele e o mundo já sabiam, e atrasou por vários meses o início da campanha presidencial de Lula que não podia se apresentar oficialmente como candidato do PT antes das prévias”.
Permita-me que recorde alguns fatos. Ao final de 2000, fiz uma visita ao Presidente Lula, em sua residência, em São Bernardo. Perante Marisa e alguns de seus filhos, contei-lhe que diversos companheiros estavam sugerindo que eu fosse pré-candidato a presidente; que eu estava considerando, mas que se ele avaliasse que isso seria prejudicial a ele ou ao Partido, eu não seria candidato. Ele me respondeu aproximadamente assim: “Eduardo, por tudo o que você já fez em sua vida e no PT, você preenche as condições. Vá lá e se inscreva na direção do partido”. Fui ao Diretório Nacional, onde o presidente José Dirceu submeteu à apreciação minha pré-candidatura que foi aprovada por consenso. Lula me disse: “somos amigos, pensamos de maneira semelhante, não há necessidade de realizarmos debates”. Ele percorreu o país intensamente; eu também o fiz, sempre defendendo proposições, nunca o criticando.
Em 17 de março de 2002, pela primeira vez na história do Brasil, um partido político convidou todos os seus filiados a escolherem seu candidato a presidente. Lula obteve 84,4% dos votos; eu obtive 15,6%. De pronto, comprometi-me a trabalhar com todo o entusiasmo em sua campanha, o que fiz até o fechamento das urnas. Logo após a vitória de Lula para presidente, na reunião do Diretório Nacional, Silvinho Pereira agradeceu-me por ter sido o parlamentar ou dirigente que mais havia atendido ao apelo da Direção, viajando por todo o país, para onde tinha havido pedidos da Coordenação da Campanha. Entre o primeiro e o segundo turno daquele ano, fui submetido à cirurgia de extração da próstata no Hospital Sírio Libanês. Lula, carinhosamente, veio me visitar. (Já pedi para avisá-lo que quero agora visitá-lo e desejar a sua pronta recuperação). Minha primeira saída de casa, após a cirurgia, foi para votar nele para presidente, no segundo turno. Minha avaliação foi a de que aquela prévia que participamos, na verdade, legitimou ainda mais e fortaleceu a candidatura de Lula, contribuindo para a sua primeira e extraordinária vitória.
Houve apenas uma ocasião em todo meu mandato no Senado que contrariei o Diretório Nacional. Foi quando, depois de profunda reflexão, por coerência com o que sempre defendi, assinei o requerimento da CPI dos Correios, em 2005. Pouco depois, em função da entrevista do deputado Roberto Jefferson à Folha, o próprio PT resolveu que os parlamentares assinariam a CPI do Mensalão. Quando das eleições de 2006, em todas reuniões em que Marta Suplicy e Aloizio Mercadante debateram para saber qual seria o candidato a governador de São Paulo, transmiti aos filiados minha disposição de realizar debates com qualquer pré-candidato ao Senado que quisesse disputar comigo. Por consenso, entretanto, fui o indicado.
Neste ano de 2011, o PT municipal de São Paulo deu um exemplo formidável de prática democrática para todos os partidos. Todas as pessoas que presenciaram as 33 caravanas zonais, presididas pelo Vereador Antonio Donato, puderam testemunhar. Nas primeiras dez, eu havia proposto que todos os presentes assinássemos a concordância que nós cinco pré-candidatos pudéssemos participar da prévia. Assim, quase todos foram assinando o formulário. A partir da quarta semana, entretanto, o Diretório Municipal baixou diretriz de que cada pré-candidato deveria recolher pelo menos 3.181 assinaturas. Dei-me conta que seria uma tarefa que daria bastante trabalho, uma vez que os 112 mil filiados do PT na Capital estão espalhados por diversos bairros. Fiz o apelo de colaboração aos presidentes dos diretórios zonais e em cada uma das reuniões onde estavam de 150 a 400 pessoas presentes, metade das quais filiadas ao Partido. Na caravana final, de Guaianases, realizada em 6 de novembro, havia cerca de 1.400 pessoas.
Em todas elas, após a fala do Presidente Donato, do presidente do diretório zonal e do diagnóstico dos problemas locais, por quinze minutos, dez pessoas sorteadas entre os presentes faziam observações e perguntas aos pré-candidatos. Em seguida, Donato passava a palavra a cada um de nós cinco – Marta Suplicy, Fernando Haddad, Jilmar Tatto, Carlos Zaratini e eu – cuja ordem era definida por sorteio. O clima de respeito mútuo e construção entre nós foi exemplar. Em cada zonal, após responder as perguntas, comprometía-me a apoiar o candidato vencedor e dedicava parte do tempo a explicar as vantagens da Renda Básica de Cidadania-RBC. Na conclusão, em todas as 33 reuniões, perguntei aos presentes: quem de vocês recomenda, a qualquer que seja o vencedor, que faça de São Paulo um exemplo pioneiro da RBC? Praticamente todos levantavam a mão e aplaudiam, em todas elas, inclusive na conclusiva e tão expressiva de Guaianases.
Na véspera daquela reunião, fui jantar com Mônica Dallari, que muito tem me ajudado a refletir. É fato que ainda não havia conseguido todas as assinaturas necessárias; tinha conseguido cerca de 1.200 e diversos presidentes zonais haviam ficado de entregar mais até o dia 7, data limite. Dei-me conta que os outros pré-candidatos haviam conseguido se organizar com uma estrutura maior e mais profissional para buscar as assinaturas nas residências dos filiados.
Conforme você registrou, coloquei na internet (twitter, facebook) que gostaria que os filiados se comunicassem comigo. Dezenas de pessoas o fizeram, algumas ponderando que desejariam que eu continuasse no Senado, porque gostam de meu trabalho, outras querendo assinar a indicação. Por outro lado, senti que havia cumprido com meu dever de expor minhas proposições para toda militância. Quem sabe, comentei com a Mônica, se o Fernando Haddad viesse a dar um sinal positivo na reunião de Guaianases de que consideraria seriamente, em colaboração com a Presidente Dilma, a possibilidade de levar adiante o propósito de instituir gradualmente a RBC. Foi então que surgiu a ideia de telefonar ao deputado Paulo Teixeira, líder do PT na Câmara dos Deputados, que manteve uma postura de equidade na prévia. Eram 22h30 quando conversei com o Paulo. Ele perguntou se poderia falar com o Fernando. Uma hora depois telefonou de volta. Informou que Fernando daria um sinal positivo na plenária. Assim aconteceu. Em sua fala, que precedeu a minha, Fernando disse que incorporaria as proposições mais relevantes de cada um dos pré-candidatos. Estendeu-se sobre o respeito que tinha por minha longa batalha em favor da garantia de uma renda, inclusive na forma da RBC e que iria incorporá-la de alguma maneira. Por esta razão, ao concluir a minha fala, afirmei que diante daquele compromisso, eu iria apoiá-lo, como o farei, com todo o entusiasmo e espírito de colaboração.
Vou continuar o meu mandato no Senado, com muita lealdade com o PT e com o firme propósito de lutar no Brasil e no planeta Terra pelo que tanto acredito. Se você se dispuser um dia a me ouvir, terei o maior prazer de lhe explicar sobre tudo aquilo que você disse ainda não ter bem compreendido sobre a Renda Básica de Cidadania.
A propósito, lhe envio anexo meus trabalhos mais recentes: a minha palestra realizada em 1º de julho de 2010, no XIII Congresso Internacional da Basic Income Earth Network, realizado na FEA-USP; o artigo publicado na Conjuntura Econômica-FGV, de outubro último, que será o trabalho que apresentarei na CEPAL, em 9 de dezembro próximo, na Costa Rica; em janeiro próximo em Beirute, no Líbano, e, em março próximo, em Boston, perante a Eastern Economic Association; e o artigo publicado no Le Monde Diplomatique sobre a minha ida à Namíbia, onde, em fevereiro último, visitei uma experiência pioneira de implantação da renda básica na vila de 1.000 habitantes de Otjivero. Muito me ajudou junto à militância a tão didática cartilha feita pelo Ziraldo que, acredito, já lhe dei. No ano passado, dei meu livro sobre a RBC para o Ziraldo e sugeri que fizesse uma cartilha. Ele me disse: Eduardo, gosto muito da proposta e de você. Escreva um texto para as crianças explicando o que é, que lhe enviarei de presente. Escrevi uma carta aos meus netos que acabou se transformando na palestra da BIEN. Enviei-a para Ziraldo, que produziu a história. Quando a li para meus netos de 4 a 8 anos, disseram: “Vovô, compreendi tudo”.
O abraço amigo,
Eduardo Matarazzo Suplicy
P. S. Tomo a liberdade de enviar a cópia desta carta para o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que o cito diversas vezes.