ARTIGO

Educação: um ato de amor e de coragem

A educação precisa ser inclusiva, questionadora e libertadora, democrática, permitindo que as crianças, os jovens e os adultos compreendam o mundo e a condição humana em todos os seus aspectos, aponta o senador Paulo Paim, em artigo
Educação: um ato de amor e de coragem

Alessandro Dantas

Priorizar a educação, em todo o seu universo, é antever o desenvolvimento econômico, social e cultural e o respeito aos direitos humanos e às diversidades na sua plenitude. Percebe-se o grau de compreensão, de responsabilidade nacional e de engajamento dos governos de acordo com o tratamento que é dado a essa questão.

Ela está assegurada na Constituição Cidadã, no Artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

O impacto que ela proporciona na vida do País e das pessoas é enorme:  no combate à pobreza e à miséria, na reversão das desigualdades sociais e da concentração de renda, na promoção da saúde e do emprego, na diminuição da violência. É fator decisivo na conscientização da preservação do meio ambiente e no fortalecimento da democracia.

A educação precisa ser inclusiva, questionadora e libertadora, democrática, permitindo que as crianças, os jovens e os adultos compreendam o mundo e a condição humana em todos os seus aspectos. Paulo Freire dizia que “a educação é um ato de amor, um ato de coragem. Não pode temer o debate, a análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”.

Governar não se resume a sanear as contas públicas fazendo acenos para o mercado e o setor financeiro. Governar é pensar e planejar o presente e o futuro, independentemente de quem esteja no poder e governando o País. É entender que educação é a pedra angular que alinha os ângulos dispersos e dá consistência no combate a todas as crises. Educação é elemento essencial de uma nação.

Em 2020 completamos seis anos da Lei nº 13.005/2014, que instituiu o Plano Nacional de Educação (PNE). Um recente balanço da Campanha Nacional pelo Direito à Educação identificou que nenhuma das 20 metas foram cumpridas na sua integralidade e apenas quatro tiveram o status de parcialmente cumpridas.

Isso significa que o País abandonou a ampliação do atendimento a educação infantil, o ensino fundamental, o ensino médio, a educação profissionalizante, o ensino de jovens e adultos (EJA), o ensino superior e a pós-graduação, a alfabetização, a valorização dos profissionais da educação, a gestão democrática, o financiamento a qualidade educacional.

Conforme estudo do Portal De Olho Nos Planos, a educação integral perdeu, nos anos de 2014 a 2019, cerca de 10 mil escolas e quase um milhão e meio de matrículas com jornada em tempo integral, de analfabetismo funcional da população de 15 anos ou mais. Já as matrículas do EJA, na forma integrada à educação profissional, teve redução no percentual de 2,8% para 1,6% entre os anos de 2014 e 2019.

Além do viés ideológico, que faz com que, presunçosamente, governos se achem maiores que o Estado e a falta de compromisso dos próprios governos em colocar em prática o PNE, temos também outro impedimento e que precisa ser colocado abaixo. A Emenda Constitucional 95, do Teto dos Gastos, instituída em 2016, com validade por 20 anos, tem reduzido drasticamente os investimentos públicos em educação, saúde, assistência social, ciência e tecnologia, segurança alimentar, entre outros.

No ano passado, o orçamento federal teve cortes de bilhões na educação. E mais uma vez eu insisto: não podemos tratar a educação com a perspectiva de custo; temos que olhar com a visão de investimento, de conhecimento e de inclusão. O País aplica, em cada aluno da educação básica, por exemplo, menos da metade da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

E se não podemos olhar a educação com a perspectiva de custos, então, temos que valorizar também os professores, não só na remuneração como também em condições de aprimoramento profissional. Aliás, por muitos anos, não havia sequer a garantia de um piso nacional. Mas ele foi instituído pela Lei n° 11.738, de 16 de julho de 2008. Que se faça valer essa lei em todos os estados.

Vejam a questão da pandemia da covid-19. Ela tem evidenciado as desigualdades na educação. Quase 5 milhões de jovens entre 9 e 17 anos não têm acesso à internet em casa, dados da Unicef. Eles correspondem a 17% de todos os brasileiros nessa faixa etária. São pobres. A grande maioria não tem sequer um computador ou smartphone. Portanto, não estão tendo aulas online e nem algum tipo de aprendizagem. Já aqueles que têm acesso à internet, a conexão é precária. Nesse sentido, apresentei o PL 3.462/2020, que prevê auxílio-conexão para pessoas de baixa renda.

Há uma pesquisa – “Juventudes e a pandemia” -, realizada pela Conjuve, Unesco, Fundação Roberto Marinho e outras entidades, que aponta que 28% dos jovens, entre 15 e 29 anos, pensam em não voltar à escola quando acabar o isolamento social e metade cogita desistir do Enem.

Já os alunos de universidades privadas estão abandonando os estudos. Levantamento do Semesp, sindicato desse setor, mostra que, entre abril e maio de 2019, mais de 265 mil estudantes desistiram dos estudos. Se não bastasse, professores dessas instituições estão sendo demitidos. Somente no estado de São Paulo, foram mais de 800.

Evasão escolar é um problema seríssimo. Recente pesquisa do IBGE, com base no PNAD 2019, mostrou que mais da metade dos adultos com 25 anos ou mais no Brasil não concluiu o ensino médio. Ou seja, 69,5 milhões de brasileiros (51,2%) não têm essa etapa do ensino concluído. A pesquisa identificou que entre os brancos 57% terminaram o ensino básico e entre os negros e pardos 41%. No Nordeste, três em cada cinco adultos não completaram o ensino básico (60% da população).

Após um bom tempo sem ministro e vários embaraços junto à opinião pública e nas redes sociais, o Ministério da Educação, finalmente, tem um titular. E os desafios são enormes, entre eles a aplicação do ENEM, resolver o problema da evasão escolar e pensar a educação brasileira no pós-pandemia.

O governo federal e o Congresso precisam priorizar a aprovação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Esse fundo foi criado em 2006 e o seu prazo de validade termina agora em dezembro de 2020. Ele beneficia 40 milhões de estudantes e representa 63% dos investimentos em educação básica pública no País. É responsável pelo atendimento escolar em mais de 70% dos municípios brasileiros. Somente em 2018, foram injetados cerca de 150 bilhões de reais. Por uma questão de necessidade e de estratégia, o Fundeb precisa ser permanente e seus recursos aumentados.

Há alguns anos, entre as inundações de notícias de violência e mortes em escolas, da não valorização dos professores e prédios caindo aos pedaços, alguém me disse que “a melhor arma para salvar o cidadão e o País é a educação”. Por isso, eu creio que o melhor salto que o País pode dar é o da educação e, evidentemente, isso significa mudar todo esse cenário de descaso e de constrangimento que está aí.

A educação precisa ser tratada globalmente, como política de Estado, e não isolada e apequenada como alguns querem. Se o Brasil continuar pensando pelos estreitos e somente em suas disputas de poder, entre as entranhas ideológicas e já desbotadas, com políticas mesquinhas em roupas novas, com toda a certeza, continuará sendo um País que escreve sua história à margem da sua própria grandeza.

Artigo originalmente publicado no Jornal do Brasil

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