Argumento “em tese” serviu para questionar contas governamentaisTécnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) praticamente repetiram nesta terça-feira (1º), na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), o que consta dos autos do processo em que apontam eventuais irregularidades nas contas fiscais do governo em 2014. O autor da denúncia, o procurador do Ministério Público junto ao TCU, Julio Marcelo de Oliveira, manteve suas palavras de que houve “irregularidade”. No entanto, “pedalou” quando foi questionado sobre quais ações o Ministério Público está tomando para apurar denúncia de tráfico de influência no tribunal, conforme delatou Ricardo Pessoa, da empresa UTC, no processo Lava Jato. O empresário, como foi amplamente noticiado, denunciou o filho do presidente do TCU, Aroldo Cedraz, como beneficiário de depósitos regulares de R$ 50 mil por mês para obter informações privilegiadas do tribunal e repassá-las a terceiros.
Durante a audiência, os técnicos repetiram as supostas treze irregularidades que teriam sido cometidas durante o ano de 2014, mas não esclareceram porque as condutas que hoje condenam são as mesmas que vêm se repetindo desde os anos 90 do século passado, ainda no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Entre elas, por exemplo, o não reconhecimento do contrato de prestação de serviços assinado entre órgãos do governo federal e a Caixa Econômica Federal para o pagamento de benefícios como o Bolsa Família e Seguro Desemprego e o FGTS.
O líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PT-CE), foi pontual quando questionou os técnicos: “aprendi, ao longo da minha vida, nunca receber uma tese como verdadeira, sempre confrontá-la com outras informações para que minha verdade seja mais consistente e eu possa ter um juízo de valor mais adequado”, ensinou.
Segundo o senador, a audiência desta terça-feira (1°) não esgota o trabalho de apurar e analisar as informações e superar as dúvidas levantadas pelos técnicos que contrariam qualquer lógica. Como, por exemplo, a que de que um cliente bancário, no caso o governo federal, receba juros sobre saldo positivo acumulado na conta corrente que integra a prestação de serviços da instituição. Apesar da incongruência, essa é a interpretação do TCU.
Pimentel afirmou que existem duas teses. Uma, a de que todo contrato que paga juros é contrato de empréstimo, por isso, conclui-se que os bancos públicos pagaram juros e que receberam juros como uma operação de crédito. A outra linha política, consistente, baseada no Código Civil vigente, é a de que nem todo contrato que gera juros é contrato de empréstimo.
“Superado isso, dependendo da tese que nós seguirmos, você vai ter determinados encaminhamentos. Até 2013, o entendimento do TCU, dos acórdãos e das prestações de contas que vieram para cá, dizia que isso não era contrato de empréstimo. A resposta feita pelo governo federal ao TCU demonstra que, de 1994 a 2014, entre os juros que o governo pagou à Caixa e os juros que a Caixa pagou à União por ter depósito no banco sempre foi favorável à União”, comparou Pimentel.
O procurador Julio Marcelo respondeu que existe o contrato de prestação de serviços e a irregularidade, de acordo com sua opinião, estaria nos valores. Ele reconheceu que o TCU aprovou as contas passadas com esse critério da prestação de serviços entre a Caixa e a União. O que antes era prestação de serviço, agora o procurador vê como uma operação de crédito de banco público para a União e, por isso, considera uma irregularidade. Quer dizer, não mudou o procedimento, mas a interpretação.
Pimentel foi adiante e citou acórdão nº 992/2015, do ministro relator José Múcio, em que ressalva que, de fato, não seria razoável classificar como operações de crédito meros atrasos de curtíssimo prazo no repasse de recurso do Tesouro, previstos e com condições estipuladas contratualmente, como no caso dos programas sociais pagos por intermédio da Caixa.
“Indago se os técnicos do TCU têm convicção de que esse tipo de contrato de prestação de serviço são contratos de empréstimos ou se acompanha a linha do Código Civil brasileiro que foi aplicado desde 1994”, questionou o senador, sem obter resposta convincente.
Outra interpretação nova do TCU que, na visão dos técnicos, transformou-se em irregularidade, diz respeito ao Programa de Sustentação dos Investimentos (PSI), operado pelo BNDES. Pimentel observou que o Congresso aprovou a Lei 12.096 em 2009 e ela estabeleceu que uma portaria regulamentaria o pagamento no prazo de até 24 meses. Até 2012, o pagamento era feito em seis meses e, nesse caso, os técnicos do TCU enxergam que há irregularidade nesses prazos de pagamento.
Pimentel voltou à carga e esclareceu que o novo prazo de pagamento, de até 24 meses, vigora desde 2012, sem que a lei tivesse enfrentado qualquer processo por inconstitucionalidade no STF. “Além disso”, acrescentou, “o TCU aprovou as contas do PSI de 2011, 12, 13 sem nenhuma ressalva. Indago o procurador sobre o que levou a mudar essa posição, já que a Lei 9.096 não foi declarada inconstitucional. Porquê dessa mudança em relação ao PSI”?
O técnico Julio Marcelo foi dúbio mais uma vez, dizendo que os princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal devem ser seguidos e os atrasos configuram um desvio, na sua avaliação.
Para finalizar, o líder Pimentel o questionou em que pé se encontram as investigações e quais são ações adotadas pela procuradoria do TCU para apurar a denúncia de tráfico de informação privilegiada contra o filho do presidente do TCU. “Pergunto ao doutor Julio, depois dessa grave denúncia, o que o procurador do TCU que tem como um de seus papéis cuidar dessas coisas, o que já foi feito com relação a esse lobista e as denúncias de Ricardo Pessoa já homologadas pelo Supremo Tribunal Federal”?.
O procurador Julio Marcelo respondeu que existe um processo preliminar aberto na Corregedoria do Tribunal de Contas, investigações que estão sendo conduzidas, no âmbito do Ministério Público da União, pela força-tarefa e existem tratativas de colaboração e compartilhamento de informações. “Se for necessário que o Ministério Público de Contas atue perante o TCU, quando as informações estiverem compartilhadas, e nós tivermos acesso aos dados, certamente nós atuaremos e não deixaremos de exercer nossa função”, respondeu. Tomara que ele esteja certo.
Marcello Antunes