Especialistas e autoridades apresentaram em debate na Comissão de Meio Ambiente (CMA) nesta sexta-feira (25) alternativas para fazer da caatinga um espaço de desenvolvimento do país sem abrir mão da necessária preservação ambiental. A realidade desse bioma, hoje, é o oposto disso. A caatinga sofre com a perda de 46% de sua flora original e com a degradação de dois terços do restante. Enquanto isso, os 28 milhões de brasileiros que vivem nos 10 estados alcançados pelo bioma padecem não só com o clima hostil e a falta de chuvas em boa parte do ano, mas também com um dos piores índices de desenvolvimento humano (IDH) do país. Em 60% dos municípios do semiárido, onde predomina a caatinga, o IDH — que considera indicadores de longevidade, educação e renda — varia de “muito baixo” a “baixo”.
A iniciativa da audiência pública, cujas conclusões serão levadas ao governo de transição, foi do senador Jean Paul Prates (PT-RN), ele mesmo um membro da equipe que prepara o governo que se inicia em 1° de janeiro. O debate também serve para instruir projeto de lei (PLS 222/2016), em análise na CMA, que cria a Política de Desenvolvimento Sustentável da Caatinga. Representantes de universidades, organizações não governamentais e de órgão público voltado ao desenvolvimento regional participaram do debate. Já de início, Jean Paul conclamou o país a redirecionar seu olhar do passado para o futuro do semiárido e da caatinga.
“A caatinga que o Brasil precisa urgentemente enxergar é a caatinga que hospeda fauna e flora megabiodiversas, é a caatinga que abriga pelo menos 4.500 espécies vegetais, centenas das quais são exclusivas desse bioma, é a caatinga que esbanja potencialidade para as indústrias farmacêutica, alimentícia, de cosméticos”, projetou, listando frutos como umbu, cambuí e licuri, que fazem bem para a saúde e para a economia.
Produção local
A importância desses tesouros regionais foi salientada pela professora e pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Marcia Vanusa da Silva, que abordou a importância dos arranjos produtivos locais e da validação dos conhecimentos tradicionais dos povos do Semiárido. Ela conta que foi com pesquisa e diálogo que surgiu o beneficiamento do umbu, cujos resíduos resultam em farinha, que origina biscoitos, que alimentam crianças e trazem dinheiro com a venda no comércio. Caso semelhante ao do licuri, uma amêndoa de palmeira que resulta em óleo usado contra bactéria resistente a antibiótico. Mas Márcia Vanusa reclamou que o SUS (Sistema Único de Saúde) não reconhece qualquer fitoterápico da caatinga e pediu investimento em pesquisas que possibilitem a valorização da flora local em tratamentos de saúde.
Integrante de cooperativa agropecuária familiar na região de Canudos (BA) e presidente da Central de Comercialização das Cooperativas da Caatinga, Adilson dos Santos demonstrou a diferença que fazem as alianças público-privadas. Com o apoio do governo da Bahia e em parceria com indústria francesa de cosméticos, Adilson explicou que a cooperativa vem trabalhando para plantar frutíferas e outras árvores típicas da caatinga em áreas degradadas, além de cultivar e beneficiar o mandacaru e o umbu.
Riscos ao bioma
A exemplo de Jean Paul Prates, Adilson apontou a atuação de mineradoras e pedreiras como um desafio às cooperativas da caatinga, em razão da degradação ambiental provocada por essas atividades. O problema também foi abordado por Carlos Roberto Sorensen da Fonseca, do projeto Caatinga Potiguar e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Segundo ele, os níveis de degradação do bioma, que acontece há séculos, têm sido acentuados pela desertificação.
“Dados de satélite mostram que mais da metade da área original da caatinga já foi completamente desmatada. Além disso a rede de unidades de conservação da caatinga é extremamente deficiente, cobrindo apenas 2% da área”, denunciou o professor, que ainda lembrou aos senadores que “desenvolvimento econômico sem preservação ambiental acaba aprofundando as desigualdades sociais”. E quem arca com o prejuízo é quem vive e depende dos recursos da caatinga, nada menos que 40% da população do semiárido, que habita áreas rurais.
Outro risco é o da invasão biológica, informou Francisco Jozivan do Nascimento, doutor em agronomia, ecologia vegetal e meio ambiente pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Ele deu o exemplo da algarobeira, árvore não nativa introduzida há 80 anos no Nordeste para ser usada como fonte de lenha e para alimentar animais. Só que ela virou problema, porque pode absorver 50 vezes mais água que a flora local e ainda prejudica o crescimento de outras espécies típicas da caatinga. Para combater esse tipo de mal ao bioma, Francisco sugeriu acrescentar ao texto do projeto ações de monitoramento sobre a flora.
Políticas públicas
Combate à desertificação e incentivos oficiais para criação de áreas de preservação são duas recomendações trazidas pela secretária de Meio Ambiente de Pernambuco, Inamara Melo, que também é coordenadora dessa área no Consórcio Nordeste, formado pelos governos da região. Ela aposta em RPPNs, que são Reservas Particulares do Patrimônio Natural, e em Unidades de Conservação para frear a devastação do bioma. Essas iniciativas, sugere a secretária, devem ser acompanhadas de programas compensatórios para os habitantes locais.
“Que possa haver uma séria e coerente discussão sobre as questões da caatinga brasileira, essa porção de terra semiárida mais populosa do planeta. E não se pode ter uma visão simplória desse território, que possui muitos dilemas e possibilidades de desenvolvimento, e um lugar chave para se falar numa justa e necessária produção energética”, apelou Inamara Melo. O semiárido produz cerca de 85% da energia eólica do país e possui enorme potencial de produção de biomassa vegetal.
Para Jean Paul Prates, as contribuições das ONGs, representantes do poder público e acadêmicos serão valiosas para o novo governo que, segundo ele “vê nessas iniciativas uma possibilidade efetiva de integrar a produção de energia renovável na região com a agregação de valor para as comunidades locais”.