Desde a madrugada de quinta-feira (2) até o final da manhã de sexta, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) contou quatro diferentes versões da denúncia de que foi convidado pelo ex-deputado Daniel Silveira e por Bolsonaro a fazer parte de uma conspiração para golpe de Estado em dezembro. A sucessão de diferentes depoimentos à mídia e à Polícia Federal (PF), onde foi ouvido na noite de quinta, levou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, a mandar abrir, nesta sexta, investigação contra o senador.
No despacho, o ministro cobra a íntegra do depoimento do senador à PF e requer da revista Veja o envio do áudio da entrevista em que ele faz as denúncias. A mesma solicitação foi feita à CNN Brasil e à GloboNews, TVs que entrevistaram Marcos do Val. Também a empresa Meta, dona do Instagram, deverá mandar cópia da transmissão ao vivo feita pelo senador, em que ele afirma que Bolsonaro o coagiu.
No vai e vem de versões, Marcos do Val morde e assopra o ex-presidente há dois dias. Entre suas divergências e contradições também estão afirmações sobre conversas com o ministro Alexandre de Moraes e até o local do encontro com Silveira e Bolsonaro, que ele disse não saber com precisão. Mas, por mais que tenha tentado aliviar a situação do aliado nas aparições dessa sexta, na véspera o senador confirmou à PF que, ao final da reunião, Bolsonaro falou que ficaria no aguardo de uma resposta sua sobre o convite para fazer parte do plano golpista.
“O único momento em que o ex-presidente se manifestou foi quando o depoente disse que precisaria de alguns dias para dar a resposta, quando o ex-presidente respondeu que o aguardaria” – está lá no depoimento do senador, que, em entrevista mais cedo à GloboNews, já havia relatado a participação de Bolsonaro na trama golpista.
O encontro
O que sobrou em pé das várias versões do senador é que na reunião, ocorrida em 9 de dezembro, coube a Daniel Silveira explicar como seria a “missão”, termo usado pelo ex-deputado. Diante de Bolsonaro, Daniel Silveira propôs que Marcos do Val fosse ao encontro do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, com um gravador escondido, de forma a registrar — esperavam os golpistas — algo ilegal que pudesse ser dito pelo ministro. Um carro estaria próximo gravando o que seria transmitido pela “escuta” e todo o equipamento de arapongagem seria providenciado por equipe de inteligência, afirmou o senador.
Eventual participação da área de inteligência – Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e Agência Brasileira de Inteligência (Abin) – do governo anterior também deve ser investigada. É o que defende o senador Rogério Carvalho (PT-SE).
“Se o senador Marcos Do Val comprovar a denúncia de escuta partindo do GSI, isso é muito grave! Porque agrava bastante a situação do ex-presidente Bolsonaro e consolida o fato que os atos terroristas de 8 de janeiro foram uma tentativa de golpe. Valida a minuta encontrada e demais provas das investigações”, analisou o senador em entrevista à rádio CBN, citando documento encontrado na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, que trazia justificativas — ilegais — para uma intervenção no TSE e um golpe de Estado.
De acordo com o depoimento de Do Val à PF, apenas 5 pessoas saberiam da trama golpista — duas outras, além dos três que se reuniram. E o resultado esperado era a destituição e prisão do presidente do TSE e o embarreiramento da posse do presidente Lula, com consequente golpe de Estado.
Cruzamento de dados
Agora, a PF tem em mãos os aparelhos celulares do senador e do ex-deputado, que foi preso na manhã desta quinta, a mando de Alexandre de Moraes, por descumprimento em série de determinações judiciais. O cruzamento de dados poderá ajudar a esclarecer o grau de participação de Bolsonaro na tentativa de golpe, assim como dos outros dois articuladores citados por Daniel Silveira, ambos de “5 estrelas”.
A análise dos telefones fará parte da investigação aberta por Alexandre de Moraes. Na opinião de Humberto Costa (PT-PE), é preciso ir a fundo nesse caso.
“As contradições das falas do senador Marcos do Val e a gravidade das denúncias apresentadas por ele confirmam a necessidade de uma apuração aprofundada dos fatos. Com a democracia não se brinca”, afirmou no final da tarde.
Em uma das contradições, Marcos do Val afirmou à Veja que se encontrou com Alexandre de Moraes uma única vez, no dia 14 de dezembro, para falar do que havia acontecido na reunião 5 dias antes. Depois, o senador voltou atrás e disse que houve uma conversa anterior, em que teria informado ao ministro sobre o convite para reunião e perguntado a ele se deveria mesmo comparecer.
Nesta sexta-feira (3), durante evento virtual, o presidente do TSE afirmou que houve apenas um encontro com o senador, e que ele aconteceu após a tal reunião. Depois de ouvir o relato sobre o teor do plano golpista, Alexandre de Moraes teria perguntado se o senador colocaria essas informações no papel, e que a partir disso, ele, ministro, tomaria seu depoimento formalmente. Mas o senador, contou Moraes, afirmou que aquilo seria “uma questão de inteligência” e que não poderia confirmar. O ministro teria, então, levantado e agradecido. “O que não é oficial, não existe”, complementou o presidente do TSE.
Reações no STF
O ministro também classificou a tentativa de conspiração bolsonarista como uma “Operação Tabajara”, em alusão ao quadro do humorístico Casseta e Planeta, que tratava de planos e produtos que não funcionavam. Ainda chamou a tentativa de “ridícula” e, com ironia, afirmou que a ideia de lhe grampear foi “genial”.
No mesmo evento, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que as denúncias de Marcos Do Val são graves.
“Se o que foi relatado pelo senador é verdadeiro, me parece que isto é um fato muito grave que deve ser apurado e terá, se for verídico, consequências muito sérias”, reagiu.
Já o ministro Gilmar Mendes afirmou que o episódio denunciado “mostra que a gente estava sendo governado por uma gente do porão”.