Sete ex-ministros da Saúde divulgaram nesta quarta (4) nota de repúdio à política pública adotada pelo governo em 2020 prevendo o confinamento em comunidades terapêuticas privadas de crianças e adolescentes com problemas decorrentes de uso, abuso ou dependência de álcool e outras drogas.
No documento, assinado por todos os seis ministros da área nos governos Lula e Dilma e um do governo atual, os gestores consideram a medida um retrocesso. “Mante?m-se crianc?as e adolescentes fora da escola, em locais sem fiscalizac?a?o, sem atendimento te?cnico adequado e sem contato constante com seus familiares e responsa?veis, essencial para seu desenvolvimento sauda?vel”, escrevem.
A nota foi motivada por decisão tomada em julho pela Justiça Federal de Pernambuco, válida para todo o país, que suspendeu a portaria do governo regulamentando a internação. A decisão atendeu a uma ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública da União (DPU) e pelas defensorias dos estados do Mato Grosso, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo. Além de suspender as internações, a juíza Joana Carolina Lins Pereira determinou a desinternação, em 90 dias, dos que estão confinados hoje – cerca de 500 crianças e adolescentes.
Para o senador Humberto Costa (PT-PE), ministro de Lula entre 2003 e 2005, “essas medidas de confinamento são algo medieval e absolutamente desconectadas das melhores práticas na área de saúde mental”.
“Os cuidados têm de ser feitos de forma intersetorial e em liberdade, em estrito respeito aos direitos humanos. Só assim contribuiremos para a formação de cidadãos. Por isso, repudiamos esse retrocesso inaceitável, em um novo ataque aos tantos avanços já trazidos pelo SUS nessa área”, afirmou Humberto.
Na mesma linha, Arthur Chioro (ministro no governo Dilma entre 2011 e 2015) considera que o cuidado a essas crianças respeitem o que está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como o tratamento em liberdade e sem ruptura dos laços familiares nem da relação com a escola.
“Não faz sentido retomar uma política de característica manicomial que prevê a exclusão da sociedade por longos períodos, inclusive com a adoção de um proselitismo religioso sob a justificativa de produção de cuidado. Quase todas essas comunidades terapêuticas afastam essas crianças não só da família mas também dos próprios serviços públicos de saúde mental e de assistência social que elas necessitam”, afirmou.
A seguir, a íntegra da nota:
“Pela proibic?a?o da internac?a?o de adolescentes em comunidades terape?uticas
A construc?a?o de uma poli?tica pu?blica de atendimento a? sau?de mental de crianc?as e adolescentes desafiou diversas gesto?es do Ministe?rio da Sau?de, preocupadas com a necessa?ria intersetorialidade das ac?o?es e o respeito aos direitos humanos. O cuidado em liberdade e a convive?ncia familiar sempre estiveram no centro das interlocuc?o?es e das preocupac?o?es de gestores, trabalhadores e movimentos sociais, possibilitando a criac?a?o de servic?os construi?dos de maneira democra?tica e participativa.
O respeito ao Estatuto da Crianc?a e do Adolescente e a? Lei Federal nº 10.216 sa?o centrais para a atenc?a?o integral a? sau?de de crianc?as e adolescentes, inclusive em casos de uso de a?lcool e outras drogas. Na?o e? possi?vel retornar ao confinamento que afasta crianc?as e adolescentes das suas fami?lias, da escola e da comunidade.
O SUS oferece uma rede de cuidados organizada em diferentes modalidades de servic?os, fomentada pelo Ministe?rio da Sau?de e implementada por estados e munici?pios. Sa?o unidades ba?sicas de sau?de, equipes de consulto?rio na rua, CAPS infantojuvenis, CAPS 24 horas, unidades de acolhimento infantojuvenis, servic?os de urge?ncia e emerge?ncia e leitos em hospital geral. Trata-se de servic?os que se relacionam e trabalham em conjunto com as escolas, com os CRAS, CREAS e demais servic?os socioassistenciais pelo conti?nuo respeito da condic?a?o de sujeito de direitos, nessa etapa ta?o relevante de desenvolvimento das crianc?as e dos adolescentes.
A proposta de confinar crianc?as e adolescentes em comunidades terape?uticas desorganiza o financiamento pu?blico do SUS, voltando-se a entidades privadas, sem articulac?a?o com a rede de educac?a?o, sau?de e assiste?ncia, e muitas vezes ofertando apenas orientac?a?o religiosa. Mante?m-se crianc?as e adolescentes fora da escola, em locais sem fiscalizac?a?o, sem atendimento te?cnico adequado e sem contato constante com seus familiares e responsa?veis, essencial para seu desenvolvimento sauda?vel.
Como gestores e ex-ministros da Sau?de, entendemos primordial focar a atenc?a?o e cuidado de meninos e meninas nos equipamentos pu?blicos e dispositivos comunita?rios de atenc?a?o psicossocial, que atuem de maneira intersetorial e privilegiem o cuidado em liberdade, formando cidada?os e respeitando os direitos humanos de crianc?as e adolescentes.
Assinam os ex-ministros da Sau?de:
Humberto Costa (2003-2005)
Jose? Saraiva Felipe (2005-2006)
Jose Agenor Alvarez da Silva (2006-2007)
Jose? Gomes Tempora?o (2007-2011)
Alexandre Padilha (2011-2014)
Arthur Chioro (2014-2015)
Nelson Teich (2020-2020)”