Depois de intensa costura política, o Senado aprovou nesta quinta-feira (14) mudanças no projeto de lei (PL 2510/2019) que, em sua versão original, abria a porteira para o que o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chamava de “boiada” ambiental.
A pretexto de regulamentar construções nas margens de cursos d’água naturais no meio urbano, a proposta que veio da Câmara permitia a derrubada da mata ciliar de córregos e rios e a ocupação desordenada de APPs, áreas de proteção permanente. Como resultado, aumentaria riscos de desastres, destruiria corredores ecológicos e agravaria a crise hídrica e energética no país.
O acatamento parcial de emendas da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) e do senador Jean Paul Prates (PT-RN), apoiadas por entidades ambientais, preserva as margens de cursos d´água ainda não ocupadas, de forma que elas sigam as regras nacionais impostas pelo Código Florestal. Com as mudanças, também ficou estipulado um distanciamento mínimo 15 metros das margens para qualquer construção. Além disso, municípios e Distrito Federal devem informar ao Ministério do Meio Ambiente sobre as novas APPs, de forma a compor um banco de dados atualizado e acessível ao público.
Apesar da significativa redução de danos, outros retrocessos se mantêm no texto. Ele transfere aos municípios – mais frágeis frente a pressões econômicas – a responsabilidade de regulamentar empreendimentos em áreas ocupadas. O projeto ainda reduz de três para dois os requisitos de equipamentos de infraestrutura – esgotamento sanitário, drenagem de águas pluviais e outros – necessários para a legalização desses empreendimentos.
Para o líder do PT, senador Paulo Rocha (PA), o relator do projeto, Eduardo Braga (MDB-AM), se comportou como madeira de aroeira, que verga, mas não quebra: “conseguimos vergar o relator, convencê-lo. Ele atendeu as nossas demandas, arredondou o que estava sendo demandado por várias entidades sobre a preocupação em torno do impacto ambiental em áreas urbanas”.
Como foi modificado pelo Senado, o projeto volta para a análise da Câmara. Nesse ponto, atendendo a um pedido coletivo em plenário, o presidente Rodrigo Pacheco se comprometeu a conversar com as lideranças da Câmara para garantir que aquela Casa não modifique novamente o texto, o que inviabilizaria o acordo feito no Senado.
A pressa governista em votar o assunto tem a ver com decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que APPs urbanas devem seguir as regras do Código Florestal, que estabelece faixas de proteção entre 30 e 500 metros, conforme o leito do rio. Caso a proposta seja transformada em lei, cai por terra a decisão judicial.
Planeta x Bolsonaro
A votação do projeto ocorreu na semana em que entidades ambientais, cientistas e ex-juízes apresentaram ao Tribunal Penal Internacional (TPI) a denúncia “O planeta contra Bolsonaro” por crimes contra a humanidade em razão do “ataque amplo e sistemático contra a Amazônia”. Como afirmou o senador Humberto Costa (PT-PE), “o presidente que passou a boiada por cima das leis ambientais vai precisar responder ao mundo os motivos de tamanha destruição”.