Garantir as Diretas Já e impedir a interdição da candidatura Lula são as tarefas mais urgentes apresentadas ao campo progressista na atual conjuntura. Nada disso adianta, porém, se o movimento social não empenhar em eleger um maior número de parlamentares comprometidos com suas bandeiras progressistas. O alerta é do cientista político Emir Sader, para quem essa é a principal lição a ser tirada do processo que levou à derrubada de Dilma Rousseff pelo golpe de 2016.
“Entre todos os elementos que contribuíram para o golpe, um fator determin
ante foi esse Congresso que está aí”, afirma Sader. “Não fomos capazes de impedir que ele fosse eleito com essa composição e precisamos estar atentos à responsabilidade do movimento social, para que não permita que isso se repita”.
PT no Senado – O avanço do autoritarismo e da intolerância parecem ser um fenômeno mundial. Seria correto dizer que vivemos uma nova onda de ascensão da direita?
Emir Sader – O golpe no Brasil, o Brexit [decisão da Grã-Bretanha de abandonar a União Europeia] e a eleição de Donald Trump nos EUA são sinais da crise da democracia liberal no mundo. Um fenômeno generalizado, e que contribui para isso, é a financeirização da economia: os governos se enfraquecem porque o sistema financeiro tem poder para tomar decisões econômicas, esvaziando o poder do Estado.
Outro aspecto é a judicialização da política, com o Judiciário tomando decisões que esvaziam os órgãos legítimos, como os parlamentos, como acontece no Brasil.
PT no Senado – Como enfrentar o Estado de exceção, no Brasil, em um cenário tão adverso
Emir Sader – Estado de exceção seria o que surgiu do golpe de 64. O que estamos vivendo hoje, no Brasil, são medidas de exceção. Por exemplo, essa teoria da Lava jato — e que eles estão tentando colocar em prática — de que o País estaria vivendo uma situação excepcional e, portanto, demandaria medidas excepcionais que atropelam o Estado de Direito.
É isso que está vigente, hoje, no Brasil: o avanço de práticas de exceção num marco de contradições internas. Então, nós temos espaços de acumulação, espaço de mobilização, de tal maneira que esse governo está em crise com tão pouco tempo de existência.
A unidade interna deles em torno da Lava Jato e de todo esse processo está enfraquecida. Há um tempo, era como se houvesse duas jamantas que vinham em alta velocidade, em direções opostas, uma dirigida pelo Lula, outra dirigida pelo Moro. Agora, a deles está com a velocidade diminuída. A unidade interna no bloco de direita está quebrada.
Cresceu muito o desgaste do governo, que está neutralizado na capacidade de tomar iniciativa. Isso é um dado importante, pois antes eles estavam avassalando, com a maioria que têm. Portanto, as condições políticas melhoraram. A nossa força é a força de massa, a força dos argumentos. É a força política e moral.
PT no Senado – Quais seriam, então, as tarefas imediatas? Que rota traçar a partir daqui?
Emir Sader – Garantir que haja eleições diretas já será muito importante, porque é uma forma de frear a desmontagem do País, dos nossos direitos. Mas é essencial impedir a interdição da candidatura de Lula. O maior risco que corremos é que, ainda que sem prova alguma, eles condenem o Lula. O bloco conservador está dividido, o governo muito enfraquecido, mas isso não quer dizer que, tecnicamente, não exista a possibilidade de condenação.
Agora, a própria possibilidade eventual de eleições antecipadas também os enfraquece. É uma relação de risco, não sei se eles têm unidade para enfrentar isso. É possível que até pela inércia eles continuem com Temer, o que, por sua vez, significa um desgaste já irreversível. E tudo isso só faz crescer as chances de Lula como candidato.
Na possibilidade de um novo governo Lula — e com a lição do golpe bem aprendida — que mudanças precisaríamos fazer na nossa relação com as forças políticas para além do campo progressista e de esquerda?
Emir Sader – Não adianta falar que não vamos fazer aliança, especialmente se não tivermos uma maioria parlamentar. Como diz Lula: “se me derem 300 parlamentares para governar, não precisa de aliança com ninguém”.
E ainda que tenhamos essa hipotética maioria, mesmo assim temos que construir uma aliança empresarial. Não há condições de retomar o crescimento do Brasil só com investimento estatal. O País não tem recursos para isso. Se a gente não ganhar um setor do empresariado, não tem reativação econômica. Então, não adianta falar que não quer aliança. A lição a tirar [do golpe] não é essa.
PT no Senado – Mas é recorrente a queixa de que, no governo, fizemos alianças mais para proveito dos aliados circunstanciais do que para fazer avançar nosso projeto…
A lição que devemos aprender do impeachment não é essa. A lição é que enquanto a gente esteve em uma aliança e impôs a nossa hegemonia, eles fizeram o que a gente queria. Quando nós perdemos a capacidade de ser hegemônicos, eles se autonomizaram e foram para o outro lado.
É uma análise muito vulgar falar que aliança é conciliação de classe. Aliança é um recurso. Não se deve rejeitar, menos ainda em um cenário de isolamento, de enfraquecimento, de derrota da esquerda. Se for essa a ideia, é para ficar na oposição eternamente, classe contra classe.
Não é dizer “não falamos com golpistas”. Nós temos é que ganhar setores que foram golpistas. Não é fazer concessão, é dialogar. Se não, vamos ficar com nossos 100 parlamentares e eles avassalando o povo brasileiro. Nós temos é que ter um projeto nacional e, a partir desse projeto, ganhar setores empresariais e outros. E pelo prestígio do Lula, ganhar setores políticos.
PT no Senado – Lawfare, criminalização da política, golpe parlamentar… Como desmontar as armadilhas que o Estado brasileiro forneceu a nossos adversários?
Emir Sader – Se a gente tiver força, o ideal é convocar uma Assembleia Constituinte. Mas isso é adiante. De fato a República está desfeita. O Executivo está sendo impedido de governar, o Legislativo se arroga a direitos que não tem e o Judiciário fica olhando para o lado. Mas nós não temos a força insurrecional para derrubar tudo e começar do zero.
O objetivo seria chegar a uma Assembleia Constituinte, para repensar essas instituições que falharam.
Agora, temos que lembrar, também a responsabilidade dos movimentos sociais, que falharam em deixar eleger um Congresso tão ruim quanto este. Embora haja outros fatores que contribuíram para o golpe, um fator determinante foi esse Congresso de direita. Nós não fomos capazes de impedir que ele tivesse essa cara.
Então, é um aspecto que merece muita atenção, os setores populares precisam eleger parlamentares. Isso não vai ser suficiente, mas é uma condição essencial. Um Congresso conservador vai nos frear absolutamente.
PT no Senado – Outra crítica recorrente é que nossos governos foram pouco empenhados em colocar um mínimo de limites para o maestro disso tudo, a grande mídia.
Emir Sader – É verdade que não tivemos empenho para construir uma regulação da mídia. Mas ainda que tivéssemos tido essa disposição, nenhuma iniciativa passaria no Congresso. Enquanto os políticos tiverem medo da mídia, não vai haver democracia. Regular a mídia é responsabilidade do governo, mas também do movimento popular. É preciso estar atento para eleger uma bancada que leve em conta isso. Nós temos que criar uma sensibilidade nacional de que isso é um problema democrático. Se não houver formação democrática de opinião pública, não há democracia.