Governo do povo

Emoção marca posses históricas de Sônia Guajajara e Anielle Franco

Cerimônia em que Sônia Guajajara e Anielle Franco se tornaram ministras dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial, respectivamente, também serviu para sancionar lei que endurece penas contra racismo
Emoção marca posses históricas de Sônia Guajajara e Anielle Franco

Foto: Ricardo Stuckert

As duas posses restantes no Ministério do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aconteceram na tarde desta quarta-feira (11). Além do colorido e da emoção, foram carregadas de simbolismo. A começar pelo adiamento, uma vez que estavam programadas para segunda-feira, um dia depois dos atos terroristas que infernizaram a Praça dos Três Poderes. Mas, na história do Brasil, poucas coisas foram mais adiadas que o cuidado com os povos indígenas e a igualdade racial.

Também numa metáfora, a cerimônia de posse de Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, e de Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, só foi possível porque mulheres negras, outras de ascendência indígena, trabalhadoras da limpeza, passaram dois dias numa intensa faxina no Palácio, após a passagem de vândalos defensores do atraso, contrários a conquistas como as representadas pelas duas novas ministras. Como na história, coube a mulheres limpar o terreno e prepará-lo para a chegada de outras mulheres.

Povos Indígenas

Para comandar este ministério inédito na história do Brasil, Lula escolheu Sônia Guajajara. Nascida na Terra Indígena (TI) Arariboia, no Maranhão, Sônia foi posicionada pela revista Time entre as 100 pessoas mais influentes do mundo por sua militância em defesa dos povos originários.

Como ela própria lembrou, sua posse acontece 48 horas depois de mais um ato de violência contra indígenas. Foi no Maranhão, na segunda-feira, quando dois jovens guajajara foram alvejados na TI Arariboia, a mesma da agora ministra. O autor da dupla tentativa de homicídio estava num carro preto, que parou na rodovia MA-006, próximo à aldeia Maranuwi, e atirou nos rapazes, de 18 e 16 anos. Ambos estão hospitalizados, e em estado gravíssimo, conforme relato médico desta quarta-feira.

É só mais um capítulo da violência que cresceu muito nos últimos 4 anos e que, como advertiu Sônia Guajajara, foi incentivada pela impunidade. Ela listou parentes vitimados pela ganância de madeireiros, garimpeiros e outros invasores de terras indígenas, e fez questão de mencionar o jornalista Don Phillips e o indigenista Bruno Pereira, mortos em 2022 pelo crime organizado na Amazônia por denunciarem a violência contra indígenas.

Como marco da retomada do respeito aos povos da floresta, a ministra anunciou a recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista e o novo nome da Funai, que passa a se chamar Fundação Nacional dos Povos Indígenas. A deputada eleita por Minas Gerais, Célia Xakriabá (PSOL), da Bancada do Cocar, sintetizou: “O Ministério dos Povos Indígenas é também o Ministério das Florestas, da Terra. Bem que poderia ser chamado, confundido com o Ministério da Vida”. Pelas danças, cores, alegria no salão do Planalto, é possível dizer que os da tribo de Sônia e os demais povos indígenas do Brasil, a ancestralidade, a vida agora têm uma ministra. Na volta desse abraço interrompido, Sônia Guajajara pregou: “Nunca mais um Brasil sem nós”.

Igualdade Racial

A ancestralidade, aqui a negra, foi também a primeira homenageada na posse da ministra da Igualdade Racial. A começar pela apresentação de um vídeo em que o rapper Emicida falou da luta pela libertação do negro no país, lembrou que aqui um jovem preto é morto a cada 23 minutos, e deu boas-vindas à ministra.

Anielle Franco também é conhecida como irmã da Marielle, vereadora carioca assassinada em 14 de março de 2018, junto com o motorista Anderson Gomes, numa emboscada da milícia, a mando de quem ainda não se sabe. Mas é mais. Anielle é jornalista, educadora, escritora, doutoranda, e veio do Complexo da Maré. Além de iniciativas de apoio a candidaturas negras nas eleições, acumula estudos sobre violência e direitos políticos das mulheres negras no país.

E coube à ativista Camila Moradia, do Complexo do Alemão, no Rio, anunciar a nova ministra da igualdade Racial. Anielle Franco saudou, entre outras personalidades presentes, a ex-presidenta Dilma Rousseff. Ao agradecer ao povo brasileiro, em especial à resistência do povo negro e indígena, Anielle apelou à mudança da política de guerra nas favelas, que nunca funcionou: “Pelo contrário, apenas segue dilacerando famílias e alimentando um ciclo de violência sem fim”.

Anielle anunciou planos de combate ao racismo estrutural e à sub-representação negra nos espaços de poder, e lembrou a alta incidência de homicídios de mulheres negras. “Enquanto houver racismo, não haverá democracia”, reiterou Anielle, que, emocionada, ouviu a plateia, em pé, gritar “Marielle! Presente!”

Líder da bancada do PT no Senado, Paulo Rocha (PA) chamou a atenção para o salão lotado e ressaltou a representatividade das ministras empossadas.

“São dois nomes que mostram não apenas a diversidade, mas a grandeza de todos os escolhidos para comporem o governo Lula. Sônia e Anielle são exemplos da excelência que começa este governo. Junto com o nosso presidente, elas ajudarão a mudar este país para melhor. Desejo toda sorte e bom trabalho às ministras”, frisou.

Fabiano Contarato (PT-ES) também parabenizou as duas novas ministras: “trata-se de um fato histórico que duas mulheres ocupem espaço de protagonismo político nacional para defenderem as causas das populações indígenas e da igualdade racial. O extermínio de negros e indígenas foi uma política de Estado desde 1500 no Brasil, e o governo Lula faz um gesto de importância capital para rompermos com esse passado trágico”.

Crime de racismo

O presidente Lula fez questão de participar da cerimônia dupla. Horas antes, acentuou que ambas contribuirão para as ações do governo voltadas para inclusão, oportunidade e respeito aos cidadãos do país.

Num Palácio do Planalto colorido, que em nada lembrava a poeira cinza da noite de domingo, Lula aproveitou para sancionar a lei, originária do PL 4566/2021, aprovado em definitivo pelo Congresso em dezembro, que equipara a injúria racial ao crime de racismo.

Tecnicamente, o texto retira o crime de injúria racial do Código Penal e o coloca na Lei 7.716/1989. Com isso, o que tinha pena de 1 ano a 3 anos passa a ser punido com reclusão de 2 a 5 anos, além de multa, e a sentença pode ser aplicada também a quem fizer publicações criminosas na internet, inclusive em redes sociais. Em caso de crime cometido em eventos de massa, como os esportivos e os artísticos, a justiça poderá ainda proibir o infrator de frequentar esse tipo de ambiente por até 3 anos.

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