Encontra-se em curso um dos mais graves atentados à cidadania brasileira de todos os 517 anos de nossa história. A expressão “Reforma Trabalhista” é apenas um eufemismo para um conjunto de medidas que oferecem ao trabalhador um retrocesso imenso, com a retirada de garantias mínimas e com a desqualificação de postos de trabalho. Em troca, nada além de promessas de um futuro que não chegará. A experiência internacional demostra que este saque aos direitos trabalhistas é incapaz de enfrentar o desemprego, e apenas produz iniquidades na sociedade.
Mesmo em análise superficial, é possível perceber a dimensão do engodo da dita reforma. Alguém poderá crer que a contratação de autônomos — a chamada pejotização — poderá gerar empregos de boa qualidade, sem atentar contra o direito fundamental de uma relação de emprego protegida? A liberação da terceirização irrestrita cria a aberração de remunerações diferentes para a mesma função e, no caso das empresas públicas, contorna desavergonhadamente o imperativo do concurso público.
No caso das flexibilizações da jornada de trabalho e da redução das horas de descanso, o trabalhador ficará sujeito a turnos extenuantes, à maior incidência de acidentes, amparado apenas por um acordo com o empregador. E, certamente, não há dúvidas sobre o ambiente e os termos desiguais em que se darão tais acordos. Com a redução de suas responsabilidades, caberá ao empregador apenas informar ao trabalhador sobre riscos de doenças e acidentes a que está sujeito.
As convenções e acordos coletivos estarão situados acima da lei, criando possibilidade de extinguir ou reduzir direitos. Entre aspectos que ainda restariam, um último e ultrajante: na impossibilidade de extingui-la (como já reiteradamente proposto), será limitado ao trabalhador o acesso à Justiça do Trabalho pela assinatura de um “termo de quitação anual”, que afastará as demandas da Justiça, e pela atribuição do pagamento dos gastos processuais pelo autor da ação, mesmo se tiver direito à justiça gratuita.
A CLT tem 74 anos, é natural a necessidade de lhe fazer reparos e acréscimos. O que agride a cidadania é que, sem um mínimo de aprofundamento e debate, um chefe de executivo que se mantém apenas às custas da barganha da liberação de emendas e um Congresso com baixíssima legitimidade, resolvam promover mudanças agressivamente inconstitucionais — inconstitucionalidade reforçada pelo MPT —, que violam princípios da dignidade humana e proteção social do trabalho.
O Brasil avança celeremente para o atraso. Em breve, nosso trabalhador voltará a sofrer no tripalium, o instrumento de tortura medieval que deu origem à palavra trabalho. Menos postos de trabalho, empregos menos qualificados, menores salários e retração do mercado interno. Por fim, as indústrias não terão a quem vender seus produtos. Haverá muito choro e ranger de dentes em função desse enorme retrocesso.
Chico D’Angelo é deputado federal (PT-RJ)