A sociedade brasileira foi surpreendida esta semana com o anúncio de uma reforma no ensino médio. Todos os que como eu militam na educação reconhecem a necessidade de mudanças não apenas nessa fase da educação básica. Reestruturação de currículos, com adequação aos temas e tecnologias atuais, valorização do magistério e escola em tempo integral são algumas das bandeiras que estão na ordem do dia da educação. Muitas delas, inclusive, fazem parte do Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014.
Ocorre que o governo propõe mudanças no mínimo polêmicas, por meio de um instrumento que inviabiliza a discussão necessária: a medida provisória. Como bem alertou o Ministério Público Federal, por meio de nota, “as mudanças em um sistema que envolve redes públicas de ensino da União, estados e Distrito Federal e ampla rede privada precisam de estabilidade e segurança jurídica, o que o instrumento da Medida Provisória não pode conferir, uma vez que fica sujeito a alterações em curto espaço de tempo pelo Congresso Nacional”.
Deve-se ressaltar também que a medida provisória, conforme vem sendo anunciada, tem inúmeros problemas potenciais, o que indica a necessidade de uma discussão mais equilibrada do tema, ao contrário dos efeitos imediatos, como pretende o governo.
Chama a atenção no texto o fim da obrigatoriedade do ensino de artes e educação física nos três anos do ensino médio. A reforma imporia ao estudante a escolha de uma área de interesse ainda no início do ensino médio. Isso significa que um jovem de 15 anos vai ter que dizer qual carreira pretende seguir ainda nessa idade. Depois, se resolver trocar, o que não é incomum, optando por outra área de conhecimento, terá que retornar ao terceiro ano do ensino médio. Ao contrário do que apregoa o Ministério da Educação, teremos aí forte desestimulo para a continuidade dos estudos e aumento da evasão escolar, que já é um dos maiores problemas educacionais em nosso país.
A clara intenção do governo é desvalorizar as disciplinas relacionadas com humanidades e com a formação de cidadãos e cidadãs. A única preocupação seria formar mão-de-obra para o mundo do trabalho. Não se pode negar a importância de preparar os jovens para o mercado, mas não há qualquer incompatibilidade entre isso e uma formação geral sólida. Esta, pelo contrário, torna mais capaz e bem preparado qualquer profissional técnico.
Outro problema é que o governo federal pretende criar obrigações para os estados, já sob enormes dificuldades orçamentárias. E por contraditório que possa parecer, o mesmo governo que apresenta essa proposta é o que patrocina a chamada PEC da Meta Fiscal, que imporá restrições orçamentárias drásticas às áreas sociais, notadamente a saúde e a educação.
Novidade não menos preocupante é o fim da exigência de concurso público para a carreira do magistério técnico.
Os equívocos da proposta talvez se expliquem por um erro de diagnóstico do governo. Se acerta ao dizer que a escola atual não dialoga com os jovens, o ministro Mendonça Filho erra ao imaginar que a solução está na retirada de disciplinas de humanidades ou na possibilidade de formação profissional ainda no ensino técnico.
Os estudantes não ficam na escola porque os ambientes são antiquados, os professores ganham mal e não têm motivação, entre outras razões, algo que os especialistas em educação já apontam há bastante tempo. Medidas governamentais que atacassem esses problemas seriam uma boa forma de começar a resolver o problema do ensino médio.
* Ângela Portela é senadora da República por Roraima