Em 1º de janeiro de 2023, uma imensa festa popular devolveu à Esplanada dos Ministérios um clima de fé e esperança ao país. Era a sonhada posse de Lula, que também marcou a volta do povo brasileiro ao centro da administração pública, simbolizada pela entrega da faixa ao presidente eleito por representantes de nossa sociedade diversa. O sonho virou pesadelo uma semana depois, quando a Praça dos Três Poderes amargou o mais violento ataque contra a democracia desde a volta das eleições livres no Brasil, em 1985.
O país foi vítima do bolsonarismo em estado puro, mais perigoso e ensandecido do que nunca, estimulado por anos pelo golpista máximo do país, o ex-capitão Jair Bolsonaro, derrotado por Lula nas urnas. O 8 de janeiro foi o ápice de atos como o 12 de dezembro de 2022, em Brasília, dia da diplomação de Lula, e do plano frustrado de explosão de uma bomba no aeroporto da capital federal, na véspera do Natal, entre outros ensaios.
Em um ataque coordenado, inclusive com financiamento de empresários aliados de Jair Bolsonaro, uma horda de cerca de 4 mil terroristas e vândalos inconformados com o resultado das eleições invadiu as sedes do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo era levar a cabo um golpe de Estado no Brasil.
A tentativa fracassada de golpe foi planejada semanas antes pelas redes sociais. Os organizadores deram seguimento à audiência com tons golpistas no Senado, realizada no dia 30 de novembro, quando parlamentares bolsonaristas e ativistas de extrema direita atacaram o processo eleitoral e defenderam um golpe militar para impedir a posse de Lula dali a um mês.
“Festa da Selma”
Os mentores utilizaram as redes sociais e, por meio da expressão “festa da Selma”, convocaram extremistas de todo o país para o ato em frente às sedes dos Três Poderes. Muitos já estavam acampados em frente ao quartel-general do Exército em Brasília. Somente no dia do ataque, pelo menos 30 ônibus foram apreendidos pela Polícia Rodoviária Federal (PFR).
O que se seguiu ao longo da tarde daquele dia foram cenas de barbárie contra Executivo, Legislativo e Judiciário. Em ato criminoso de depredação do patrimônio público, bolsonaristas destruíram vidros, móveis, obras de arte e objetos históricos nas sedes dos Três Poderes, a exemplo do relógio trazido ao Brasil por dom João VI em 1808. Uma réplica da Constituição Federal de 1988 chegou a ser roubada da sede do STF.
Tudo foi feito com a conivência da Polícia Militar do Distrito Federal, que estava sob o comando dos bolsonaristas Anderson Torres, secretário de Segurança do DF e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, e o governador Ibaneis Rocha.
Prejuízo milionário e reação institucional
O prejuízo aos cofres públicos foi estimado em mais de R$ 20 milhões, somados os danos ao patrimônio nas sedes dos Três Poderes. Só o STF registrou R$ 12 milhões em perdas materiais. Dados atualizados da Corte apontam que 951 itens foram roubados ou destruídos durante os atos terroristas.
A reação foi imediata e à altura da gravidade do momento: em Araraquara, o presidente Lula decretou intervenção na Segurança do DF, enquanto o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou o afastamento de Rocha do cargo de governador por 90 dias.
A Advocacia-Geral da União (AGU) ingressou com uma petição junto ao STF requerendo uma série de medidas judiciais em resposta aos atos criminosos. Dentre os pedidos, a prisão em flagrante do então secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, e de demais agentes públicos responsáveis por atos e omissões.
A AGU solicitou a imediata desocupação de todos os prédios públicos federais em todo o país e a dissolução dos atos antidemocráticos realizados nas imediações de quartéis e outras unidades militares.
Petistas reagem
Ainda durante os atos criminosos, parlamentares e lideranças do PT se manifestaram para condenar os bolsonaristas. “O que acontece em Brasilia não é movimento de massa, nem espontâneo”, denunciou a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann. “É organizado por bandidos, que têm interesses bem objetivos: garimpo ilegal, grilagem, liberação de armas, milícias e outras coisas. Tudo isso abençoado por Bolsonaro. Todos eles desprezam a democracia, as instituições”, lamentou.
Gleisi também denunciou a omissão do governo do Distrito Federal diante dos acontecimentos, classificando-o como “irresponsável”.
“Temos certeza de que a maioria do povo brasileiro quer nesse momento união e paz para que o Brasil siga em frente”, pontuou o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta. “Essa manifestação é de uma minoria golpista que não aceita o resultado da eleição e que prega a violência. Uma minoria violenta, que vai ser tratada com o rigor da lei”, avisou o ministro.
“Esses atos criminosos ferem a democracia brasileira”, destacou o deputado federal José Guimarães (PT-CE). “As instituições não servem a um partido, deveriam ser preservadas. A polícia do DF é omissa! Não podemos pactuar com tamanha violência desses vândalos”, clamou.
Identificação e punição dos culpados
Em pronunciamento naquele dia, o presidente Lula disse que “todas essas pessoas que fizeram isso serão encontradas e serão punidas. Eles vão perceber que a democracia garante o direito de liberdade, de livre comunicação, de livre expressão, mas ela também exige que as pessoas respeitem as instituições que foram criadas para fortalecer a democracia”.
De volta a Brasília e acompanhado por ministros e autoridades, Lula vistoriou a destruição praticada por bolsonaristas ao Palácio do Planalto e ao STF. “Os golpistas que promoveram a destruição do patrimônio público em Brasília estão sendo identificados e serão punidos”, advertiu o presidente, pelo Twitter.
Democracia saiu fortalecida
O tirou saiu pela culatra. Ao atentar contra o Estado de Direito com a intenção de destruir as instituições, tudo o que os golpistas conseguiram foi o fortalecimento da democracia, pela união inequívoca dos Três Poderes. Em 9 de janeiro, Lula convocou os 27 governadores, representantes dos Três Poderes da República, líderes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para uma reunião no Palácio do Planalto em defesa da democracia brasileira.
Em nota conjunta, os presidentes dos Poderes da República repudiaram os atos golpistas. De mãos dadas, Lula, governadores e ministros desceram a rampa do Planalto e seguiram em caminhada até o STF, uma das sedes mais destruídas pelos bolsonaristas.
Condenações
No mesmo dia 9, o Exército e a Polícia Federal realizaram cerco ao acampamento golpista em Brasília e prenderam mais de 1.500 pessoas que participaram dos atos terroristas. Os homens foram levados para o Centro de Detenção Provisória do Complexo da Papuda e as mulheres para a Penitenciária Feminina do DF, conhecida como Colmeia.
De acordo com o STF, 1.354 ações penais contra participantes dos atos antidemocráticos foram instauradas. No dia 14 de setembro, o primeiro réu foi condenado.
“Até o momento, o STF julgou e condenou 30 pessoas por crimes como associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e deterioração de patrimônio tombado”, aponta comunicado de imprensa do STF, divulgado nessa quarta-feira (3/1). “Faltam cerca de 200 denunciados para serem julgados. Se tratam daqueles que estavam presentes nos atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes.”
Um ano após os ataques de 8 de janeiro, fica uma lição: quem atenta contra a democracia deve enfrentar as consequências legais, seja um cidadão ou um representante do poder público. “Na parte criminal eleitoral, todos os políticos, quando houver comprovação de participação, devem ser alijados da vida política, além da responsabilidade penal”, defendeu Moraes, ao fazer um balanço dos ataques, em entrevista ao Globo, nessa quinta-feira (4/1).
“Quem não acredita na democracia não deve participar da vida política do país”, sentenciou o ministro.
Nesta segunda-feira (8/1), data que marca um ano dos atentados, o presidente Lula se juntará aos chefes do Legislativo e do Judiciário para o ato “Democracia Inabalada”.
Da Redação, com STF e O Globo