Especialistas chamam a atenção do governo para dosagem de ajustes econômicos

Durante debate, o senador Paulo Rocha reiterou que apoiará propostas que não afetem conquistas dos trabalhadoresA comissão mista que analisa a Medida Provisória 665/2014, que altera direitos trabalhistas, recebeu as contribuições, nesta quarta-feira (8), de especialistas para balizarem os argumentos técnicos do texto do relator da matéria, o senador Paulo Rocha (PT-PA).

Esta foi a segunda rodada de discussões sobre a MP promovida pela comissão. Na terça (7), os parlamentares receberam representantes das centrais sindicais. Nesta quarta, participaram representantes do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP).

Durante o debate, o relator petista reiterou o que já havia dito na reunião anterior: que cumprirá o papel de mediador entre o governo e as representações classistas. O objetivo é viabilizar um ajuste capaz de assegurar as medidas necessárias à economia nacional, “mas que não coloque por terra as conquistas dos trabalhadores”.

Entre os dados apresentados pelos especialistas, está o de que foram criados no Brasil, em 2013, cerca de 75 milhões de vínculos empregatícios, em contraposição a 26 milhões de desligamentos dos postos de trabalho.

Em relação a 2002, essas demissões mais do que dobraram, o que é natural, de acordo com o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz. Segundo ele, em 11 anos, foi observado que houve alta na formalização dos trabalhadores e da necessidade de mão-de-obra pelas empresas, além da redução das taxas de desemprego.

“Ainda assim, não cai número de demitidos, apesar das empresas declararem que precisam drasticamente de força de trabalho”, disse Ganz. O representante do Dieese diz que é preciso avaliar porque um mercado de trabalho altamente contratante há dez anos continua demitindo tanto. “Essa é uma produtividade espúria, ou seja, não é uma produtividade que achamos que a economia deveria ter”, afirmou.

Das 26 milhões de demissões em 2013, um terço teve apenas três meses de vínculo. Esse é o período dos chamados contratos de experiência de trabalho. A hipótese levantada por Ganz é que os vínculos são rompidos nesse período por não gerarem ônus para a empresa nas demissões (pagamento de direitos trabalhistas), além do próprio salário.

Ganz ainda apresentou dados mostrando que 53% das contratações atuais no primeiro emprego são de pessoas com até 24 anos. “Portanto, mesmo após dez anos de inclusão, temos  quase metade do primeiro emprego acima dos 25 anos. Isso significa que as ações adotadas no País possibilitaram a regularização expressiva de novos empregados no mercado de trabalho”, disse.

As medidas adotadas pelo governo, no entanto, deveriam ter sido debatidas com os representantes dos trabalhadores, segundo o diretor do Dieese. Para ele, a MP 665 pode até agravar os problemas econômicos atuais, uma vez que, mesmo não se sabendo ao certo os efeitos das propostas, o cenário econômico é incerto. “Se [o governo] errar na mão, podemos entrar em longo período de restrição econômica”, alertou.

Seguro-defeso

O auxílio dado aos pescadores durante o período de reprodução das espécies marinhas, chamado defeso, esteve entre os pontos mais debatidos do encontro. O professor da USP Hélio Zylberstajn defende que o programa deveria ser repensado, por estar incluído no seguro-desemprego.

“O defeso é diferente do desemprego. Desemprego é imprevisível, mas a gente sabe quando começa o defeso. Deveríamos repensar esse programa. Reforçar a promoção de atividades complementares, reforçar reorganização dos pescadores, promover emprego e treinamento”, disse.

O senador Paulo Rocha, um dos criadores no Congresso Nacional do benefício, afirmou que a alternativa foi discutida com os pescadores, na época da aprovação da matéria. No entanto, a medida teria sido adotada com a finalidade maior de proteger os cardumes, garantindo a atividade produtiva de forma sustentável.

“Tem uma discussão no fundo, de que queriam até acabar com o seguro. O senhor até provocou essa discussão. Por que não prever outra coisa?”, questionou, lembrando que no interior do País muitos começam na atividade da pesca ainda crianças.

Em resposta, Zylberstajn disse ser a favor que o benefício, ao invés de uma proteção ao desemprego, seja uma política de incentivo à produção.

Seguro-desemprego

Entre 2002 e 2013, os gastos do governo com o seguro-desemprego, já descontada a inflação, triplicou. De acordo com Hélio Zylberstajn, esse aumento ocorreu devido a dois fatores. Primeiro, a valorização do salário mínimo. Em segundo lugar, pelo aumento da formalização no mercado de trabalho.

“O que explica o crescimento [nos gastos]? Salário mínimo e formalização.

Não foi a rotatividade. Até a rotatividade se manteve, nesse período”, disse Zylberstajn.

O professor alertou a necessidade de se manter esse auxílio forte especialmente para ajudar a sustentar o consumo, ajudando a economia em um momento de recessão. No entanto, disse que o formato atual do benefício poderia ser revisto, pois o Brasil é um dos únicos países no mundo a adotar todos os formatos de seguro-desemprego ao trabalhador: o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS), o próprio seguro, o pagamento de indenização no ato da demissão e o abono salarial.

Abono

Em relação ao abono-salarial, Hélio Zylberstajn acredita que a MP 665 vai na direção correta ao condicionar o valor do auxílio à inserção formal no mercado de trabalho. O auxílio, com as novas regras, passou a ser proporcional ao período trabalhado. Antes, correspondia a um salário mínimo e era pago aos empregados com renda de até dois salários mínimos que trabalharam com carteira assinada pelo menos 30 dias do ano anterior.

O especialista, no entanto, acredita que o pagamento do auxílio não precisava ser feito em uma única etapa.. “Poderia ser pago em 12 parcelas e condicionar, por exemplo, que o trabalhador ficasse seis meses no emprego formal para receber o benefício”, disse.

Ministros

Nesta quinta-feira (9), as comissões que analisam as MPs 664 e 665 realizam uma reunião conjunta com os ministros Nelson Barbosa (Planejamento), Carlos Gabas (Previdência Social), Manoel Dias (Trabalho e Emprego), Miguel Rossetto (Secretaria Geral da Presidência da República) e Helder Barbalho (Pesca).

Ao todo, as propostas já receberam, juntas, mais de 700 emendas dos parlamentares.

Carlos Mota

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