Levy: sabemos que endividamento excessivo é prejudicial ao crescimentoA Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) realizou nesta quarta-feira (18) uma longa audiência pública para discutir o Projeto de Resolução do Senado (PRS nº 84/2015), de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), que estabelece percentuais para a dívida pública líquida e bruta da União em relação à receita corrente líquida. É polêmico esse projeto porque esconde uma armadilha, ou seja, engessa a administração orçamentária do governo por não permitir em momentos delicados promover a recuperação econômica. Ao invés de reduzir a dívida, o PRS 84 pode criar uma farra no mercado financeiro diante de uma política econômica extremamente contracionista, em outras palavras, limitadora do dinheiro que gira a economia.
O presidente da CAE, senador Delcídio do Amaral (PT-MS), logo no começo da reunião, anunciou a presença do ministro da Fazenda, Joaquim Levy e voltou a criticar a ausência do presidente da Petrobras na comissão no dia anterior. “Agradeço a presença do ministro Levy, que veio à CAE. Está mais fácil trazer o ministro da Fazenda aqui do que o presidente da Petrobras”, afirmou.
O ministro falou antes dos demais convidados, os professores Pedro Paulo Zahluth Bastos, da Unicamp, José Luís Oreiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de José Roberto Afonso, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do chefe da assessoria econômica do Ministério do Planejamento, Manoel Pires, do consultor Marcos Mendes e Otávio Ladeira de Medeiros, subsecretário do Tesouro Nacional.
Conceitualmente, veja bem, Levy disse que apoia o PRS de Serra, por entender que ao colocar um teto para as duas dívidas – líquida e bruta – cria-se um sinal importante de relação ao endividamento público. “Sabemos que endividamento excessivo é prejudicial ao crescimento e para evitar que o equilíbrio fiscal seja obtido somente com aumento de imposto e corte nos gastos ou a combinação das duas coisas. Esse dispositivo (da proposta) força a discussão sobre como será o gasto público no longo prazo, principalmente o gasto obrigatório previsto em lei”, afirmou.
A ideia do projeto de Serra é estabelecer um prazo de 15 anos para os percentuais entrarem em vigor, da seguinte forma: a dívida bruta poderá corresponder a 7,1 vezes o valor da receita corrente líquida, no caso, os impostos que são arrecadados e outros valores. A dívida líquida deverá ser de 3,8 vezes a receita corrente líquida.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ), opositor à proposta de Serra por considerar que ela irá prejudicar a administração das dívidas pelo governo, na direção contra a sociedade e favorável – isso sim – dos banqueiros, observou que dentro do Ministério da Fazenda há especialistas totalmente contrários ao que pensa titular da pasta.
E foi isso que mostrou Otávio Medeiros, do Tesouro Nacional, mas destacando que não se opunha à visão conceitual de Levy. Na prática, ele disse que o PRS prevê que, se o governo não cumprir os percentuais dentro de quinze anos, o ministro da Fazenda deverá fazer uma carta aberta e comparecer à CAE para explicar o não cumprimento da meta. E será nesse momento que o mercado – ele não disse isso, é verdade – poderá pintar e bordar, porque haverá insegurança em relação aos títulos públicos federais emitidos pelo Tesouro e que servem para o Banco Central fazer sua política monetária.
Como os bancos são ávidos por juros cada vez mais elevados, o engessamento da administração da dívida significará que os bancos vão emprestar para a população cada vez menos e toda a vez que o Tesouro tentar vender seus títulos, a banca exigirá juros mais elevados, o que, na prática, aumenta as dívidas líquida e bruta.
O professor José Roberto Afonso destacou a importância da discussão do equilíbrio fiscal de longo prazo, enquanto o professor Oreiro defendeu a proposta de Serra e chegou a fazer uma previsão de que essa meta seria facilmente alcançada com uma taxa Selic de 3,5% ao ano.
Pedro Paulo Zahluth Bastos, da Unicamp, foi o mais enfático ao mostrar que o projeto de Serra não tem pé nem cabeça. “Nem vou entrar no mérito da questão constitucionalidade do PRS 84/2007”, disse ele. É que a proposta como esta deve ter como origem a Presidência da República. De fato, foi Fernando Henrique Cardozo quem mandou essa proposta em 2002 e ela ficou dormindo no Senado. E Serra fez uma subemenda acrescentando a dívida bruta em relação à receita corrente líquida. Para Roberto Requião, é aqui que mora a inconstitucionalidade de sua proposta, porque ele não é o presidente da República, é senador.
Seguindo na audiência, o professor da Unicamp disse ser falsa a afirmação de que não haverá custo fiscal para o governo e nem engessar a administração da dívida. Outro ponto fora do eixo, segundo ele, é que outras dívidas foram excluídas do relatório de Serra que será votado na semana que vem. Por exemplo, a dívida do BNDES e as operações compromissadas do Banco Central. Na prática, o senador tucano questiona sem parar o volume das reservas de US$ 370 bilhões que foram construídas a partir do governo Lula e logo em seguida da quitação da dívida que os brasileiros tinham com o FMI.
Diz Serra que que quando o dólar sobe, a dívida do governo cresce sem parar. Ele tem tentado fazer com que esse discurso cole, mas o professor Zahluth lembra que, quando o dólar se acomoda, é o governo quem ganha. Portanto, as reservas são fundamentais e esse projeto deve ser analisado com cuidado para que uma pauta bomba não esteja sendo gestada como se fosse uma medida estrutural de futuro, como sinalizou o ministro Levy.
Marcello Antunes