A transposição das águas do São Francisco, o rio da integração nacional, com a finalidade de amainar os efeitos da seca, é um projeto que remonta ao Império. Dom Pedro II, após a devastadora estiagem de 1877, prometeu até a última joia da Coroa para que nenhum nordestino morresse mais de fome.
Ele perdeu o trono, a República nasceu, e mais de um século se passou sem que nada fosse feito. Foi a chegada de Lula ao Planalto que retirou o projeto da gaveta e o transformou numa realidade para mais de 12 de milhões de brasileiros em 400 municípios de quatro estados.
A transposição foi alvo de incompreensão e virulentos ataques. Não foram poucos os que a consideraram obra faraônica e inútil. Mas agora, após dez anos e 500 quilômetros de canais, num momento em que ela ruma para a sua conclusão, são muitos os que querem meter digitais sobre o sonho que os governos do PT tiraram do papel.
[blockquote align=”none” author=””]Inexistentes no Sertão, os tucanos — aves de mau agouro — começaram a aparecer. Geraldo Alckmin, responsável pelo colapso d’água em São Paulo e de cuja foto ao lado do Cantareira no volume morto não se tem conhecimento, foi até lá para ser fotografado.[/blockquote]
Não será estranho se Aécio Neves também aparecer. Ele, que menosprezou a obra na sua fracassada campanha de 2014. Por esse e outros motivos, os nordestinos não o esquecem, haja vista terem sido decisivos na sua derrota, transformando-o num “La la land” da disputa presidencial.
Igualmente com altos índices de rejeição no Nordeste, Michel Temer choca pela sua inesgotável capacidade de se apropriar do que não é seu, como fez com a cadeira presidencial. Nas visitas à transposição, omitiu descaradamente o nome de Lula e de Dilma. Um transformou a obra em realidade. A outra jamais deixou que faltassem recursos à conclusão.
Dilma foi deposta deixando 85% dos trabalhos finalizados. E, agora que uma das maiores obras hídricas do mundo chega perto do fim, é inaceitável que a consequente série de inaugurações dessa fase ignore, por mesquinharia política, a paternidade e a maternidade de empreendimento dessa magnitude.
[blockquote align=”none” author=””]Com essa postura apequenada, Temer vira, realmente, a estrela da transposição. Mas não a do São Francisco e, sim, a do Rubicão. Ele ultrapassa todos os limites do razoável ao querer tirar dividendos políticos de uma obra cuja inépcia do seu governo impede o avanço no Eixo Norte.[/blockquote]
Sua manobra temerária — como foi a de César ao atravessar o Rio Rubicão à caça de Pompeu — é ineficaz e mostra o desespero de sua tíbia gestão para fincar um pé no Nordeste. Mais que isso, ela reacende vivamente a disputa pelo legado dos governos do PT e põe Lula na estrada — como o fará hoje, em Monteiro (PB) — em defesa de um projeto de país que foi abruptamente interrompido.
Então, não adianta tentar apagar nem da História, nem da mente do povo nordestino: a transposição do São Francisco estará eternamente ligada a Lula e a Dilma por terem transformado um sonho secular em realidade. A Temer, um nome numa placa apagada pela poeira e pelo sol do Sertão será suficiente para dar conta de sua dimensão política.
Publicado originalmente no jornal O Globo, em 19 de março de 2017.
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