Doze milhões de pessoas de volta à pobreza (27% da população). Dólar com cotação na estratosfera — chegou aos 42 pesos, no último fim de semana. Inflação de 50% ao ano. Taxa de juros de 60%, a mais alta do planeta. Esta é a Argentina de Mauricio Macri, que os conservadores brasileiros saudaram como “um exemplo” para o Brasil quando ele foi eleito presidente do país vizinho, em 2015.
Na esteira de mais um terremoto econômico — a nova disparada do dólar e a constatação de que mesmo as mais fúnebres previsões se mostraram melhores que a realidade — Macri anunciou nesta segunda-feira (3) uma série de novas medidas de austericídio para agradar ao Fundo Monetário Internacional (FMI), de quem o governo argentino mendiga uma ajuda de US$ 50 bilhões para o país não parar de vez.
“Eu avisei”
Não foi por falta de aviso. Ainda em 2015, quando a fina flor do tucanato celebrava a eleição de Macri no plenário do Senado, o hoje líder do PT Lindbergh Farias (RJ) já alertava que o direitista argentino seria “uma espécie de Aécio” e que seu governo seria marcado pela regressão social e retirada de direitos.
“E não foi profecia. Estava na cara que o programa ultra neoliberal de Macri levaria a Argentina ao colapso”, recordou hoje o senador petista.
Tragédia e barbárie
Se os argentinos acordaram nesta segunda-feira com o gosto amargo de um pacote econômico de mais arrocho e ainda não plenamente explicitado, os brasileiros acordaram órfãos de seu museu mais importante — não só um acervo, mas um centro essencial à produção de conhecimento se perdeu no fogo.
“O Museu Nacional sobreviveu por 200 anos, mas não sobreviveu ao Brasil de Temer. O incêndio de domingo (2) não é tragédia, é barbárie”, resumiu Lindbergh, que vê uma correlação íntima entre as desditas que acometem a Argentina e o Brasil. “No programa político e econômico, Macri e Temer são irmãos. Geram crise, recessão, cortam direitos do povo e enchem os bolsos de banqueiros e grandes empresários”, aponta o senador.
“Nessas eleições, Alckmin, Bolsonaro e Amoedo são herdeiros legítimos de um programa falido e que vai piorar a nossa situação já tão grave”, alertou Lindbergh.
Pacote econômico
Nesta segunda-feira, o presidente argentino divulgou em cadeia de TV um pronunciamento gravado, anunciando, sem detalhes, seu novo plano para deter a queda livre da economia do país. Além de cortar o número de ministérios pela metade — medida ensaiada por Temer logo após chegar ao Planalto, que acabou não indo para lugar nenhum — Maurício Macri comunicou a criação de um novo imposto que vai vigorar até o final de 2020 e incidirá sobre as exportações.
Os produtos primários pagarão 4 pesos por dólar e as demais exportações serão taxadas em 3 pesos por dólar. Na atual taxa de câmbio de 38 pesos por dólar — o governo Macri torrou US$ 330 milhões em reservas cambiais para fazer a cotação da moeda americana baixar dos 42 pesos — o tributo criado por Macri equivalerá a quase de 10% do valor exportado.
Segundo o presidente argentino, a intenção de seu pacote econômico é “sinalizar aos mercados sobre a intenção de cortar gastos para conter o déficit orçamentário e a inflação”.
“Conjunto de coisas”
Com quase um terço de sua população vivendo na pobreza, a Argentina — terceira economia da América Latina — vive uma regressão social aguda. O próprio Macri reconheceu em seu pronunciamento que a pobreza tende a aumentar no país como consequência da inflação e da disparada do câmbio.
Segundo o jornal argentino Página 12, em nenhum momento de seu pronunciamento à nação Macri admitiu erros de seu governo. Ele colocou a culpa da crise na “pior seca” dos últimos anos, no governo anterior (de Cristina Kirshner) que “importou petróleo”, na “alta das taxas juros nos Estados Unidos” e na “guerra comercial entre EUA e China”. Esse “conjunto de coisas”, afirmou, teria levado à perda de credibilidade da Argentina junto a credores e ao FMI.
Exemplo do que não fazer
A crise Argentina cada vez mais aguda mostra que o modelo tão celebrado pelos conservadores brasileiros é um exemplo do que não fazer em economia. A cada solavanco desse terremoto incessante, ficam cada vez menos defensáveis as exaltações ao projeto Macri — e que ainda aguardam uma autocrítica.
“O ajuste promovido pelo governo [Macri] já traz resultados concretos que começam a ser percebidos pela população”, celebrava a colunista de O Globo, Miriam Leitão, em um artigo de outubro do ano passado. Numa coisa ela acertou: nem o mais distraído deixa de perceber o tamanho do abismo em que o neoliberalismo meteu a Argentina.