Não param de surgir notícias de que, à medida em que ocupam mais e mais cargos no governo federal, militares colocam seus interesses pessoais e corporativistas em primeiro lugar. O mais recente escândalo são os fura-filas fardados da vacinação, que recebem suas doses contra a Covid-19 antes do restante da população, em claro desrespeito ao Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Depois da revelação de que o Ministério da Defesa agiu para que todos os militares da ativa fossem vacinados como grupo prioritário — o que, segundo o Ministério Público Federal (MPF), contraria notas técnicas do Ministério da Saúde —, descobre-se agora, em matéria da Folha de S.Paulo, que o Exército vacinou secretamente servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), atropelando o planejamento do PNI.
Diante de mais esse abuso, o senador Humberto Costa (PT-PE) pediu a abertura de uma ação civil pública contra os responsáveis pela vacinação secreta de membros da Abin, pedindo que o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) investiguem o caso.
“É uma clara forma de trapacear a legislação vigente e rasgar o PNI. Enquanto as pessoas comuns sofrem para ter o direito até de agendar sua vacinação, há um rol secreto de servidores sendo vacinados na frente de cidadãos com comorbidades, de grávidas, de mais idade. É algo gritante, que fere todos os princípios que regem a administração pública”, afirmou Humberto Costa, membro da CPI da Covid.
A presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), também reagiu com indignação. “Milhões de brasileiros aguardando há meses pela vacina da Covid-19 e o governo teve a cara de pau de vacinar agentes da Abin escondido de todo mundo. Se não fosse o MPF e a matéria da Folha, nem ficaríamos sabendo. Bolsonaro é uma vergonha! É o pior presidente de todos os tempos!”, afirmou no Twitter.
Muitos privilégios, pouca solidariedade
De acordo com a Folha, o MPF já conseguiu coletar provas de que os militares furaram a fila da vacinação no Distrito Federal e um inquérito civil público sobre o episódio foi instaurado em 25 de junho. Uma das evidências é o fato de que, em meados de junho, quando o governo do DF agendava a vacinação de pessoas entre 50 e 59 anos, o Exército já convocava militares da ativa na casa dos 43 anos para receber a imunização em Brasília. Hoje, enquanto o DF vacina a população na faixa dos 40 anos, militares de 22 já estão recendo o imunizante.
No caso dos servidores da Abin, o MPF também já reuniu provas de que a furada de fila ocorreu, sendo confirmada pela Secretaria de Saúde do DF. De acordo com a Folha, a procuradora do MPF Ana Roman diz que a vacinação dos agentes desrespeitou normas técnicas do Ministério da Saúde, uma vez que estas estabelecem que militares das Forças Armadas e forças de segurança devem ter prioridade apenas quando estão na linha de frente do combate à pandemia.
Ao mesmo tempo em que aproveitam privilégios, os militares demonstram muito pouca solidariedade com o restante da população. Como já foi noticiado, as Forças Armadas preferiram deixar leitos de hospitais militares vazios do que oferecê-los a civis que estavam com Covid-19. Além disso, em Manaus, militares que participavam da aplicação de vacinas estavam se recusando a imunizar pessoas que demonstravam fazer oposição a Jair Bolsonaro.
Episódios como esses mostram os claros danos que a alta militarização do governo federal tem causado à democracia, à administração pública e à própria imagem das Forças Armadas. Por isso, a maioria da população se mostra contrária à presença de militares da ativa no governo e é crescente o apoio ao projeto que limita a participação de fardados no Executivo.