Em setembro de 2019, Bolsonaro comemorava a aprovação, pelo Congresso, de projeto governista que flexibilizava a posse de armas nas fazendas, permitindo ao proprietário andar armado em toda a extensão das terras, e não apenas na sede da fazenda. Essa foi uma das dezenas de mudanças legais feitas para armar a população nos últimos quatro anos.
Em 2022, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada à Igreja Católica, denunciou que o número de armas registradas por caçadores, atiradores desportivos e colecionadores (CACs), que era de pouco mais de 350 mil quando o ex-presidente assumiu, passou para mais de um milhão no final do seu mandato. Apontou, ainda, que o crescimento do número de armas legais na Amazônia foi de absurdos 700%, exatamente na região em que mais se mata em conflitos fundiários no Brasil.
Para a CPT, as duas coisas estão ligadas, o armamentismo no campo e o aumento do número assassinatos de lideranças e defensores das comunidades rurais e indígenas no país. Sim, indígenas, porque ao menos 6 clubes de tiros foram abertos dentro de unidades de conservação, todos na Região Norte, revelou o Intercept em recente reportagem.
“Encontramos, por exemplo, clubes de tiro em fazendas ligadas a sojeiros, políticos e acusados de diversos crimes, como lavagem de dinheiro e invasão de terras indígenas” – apontou o veículo. Levantamento do Intercept revelou que “aproximadamente 6 em cada 10 novos estabelecimentos abertos entre 2019 e 2021 na região Amazônica ficam em áreas rurais, e não em cidades, onde há mais concentração populacional”.
O caso de Rondônia diz muito de um governo que, por quatro anos, atuou como pôde para envenenar o campo com agrotóxicos e armar fazendeiros contra posseiros e indígenas. Foram 33 clubes de tiro abertos no estado entre 2019 e 2021, informa a CPT em outro levantamento. Hoje, já são 53 desses estabelecimentos no estado que mais matou gente no campo em 2021.
“O aumento do número de CACs, por si só, já é um perigo em um país que ainda tem na luta contra a violência um grande desafio. E fazer isso em uma área cheia de conflitos pela posse da terra foi uma posição política por um lado praticada por Bolsonaro”, sustenta a senadora Teresa Leitão (PT-PE).
Colega de bancada e de luta, a senadora Augusta Brito (PT-CE) reforça a crítica, e manifesta confiança na reversão desse quadro no campo.
“Durante os últimos 4 anos, o governo editou praticamente um decreto por mês facilitando a compra e a posse de armas e munições pelos brasileiros. Isso armou um contingente enorme de pessoas. E o aumento da violência no campo coincide com a proliferação das armas. Isso não pode continuar. Estamos ao lado do presidente Lula para reverter esse absurdo. Vamos propor e votar leis no Senado restringindo o absurdo que aconteceu no Brasil”, acrescentou a parlamentar.
Proteção aos indígenas
Essa guinada nas políticas públicas já é vista na força-tarefa instalada em Roraima pelo governo Lula em apoio ao povo yanomami. E o esforço ministerial deve se estender a outros estados da região. Uma visita de ministros ao Vale do Javari (AM) está agendada para semana que vem, dia 27 de fevereiro. E num ofício enviado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) propôs encaminhamentos ao governo federal.
O Vale do Javari ficou marcado pelo assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, em 5 de junho do ano passado, por criminosos ligados à pesca ilegal e, possivelmente, ao tráfico internacional de drogas. A região forma fronteira do Brasil com Colômbia e Peru.
Entre as ações sugeridas pela Univaja está a manutenção de uma equipe da Força Nacional de Segurança Pública no local, em apoio à Funai, num trabalho permanente e ostensivo nas áreas de invasões de terras indígenas. A organização de apoio aos povos originários também solicita o planejamento de ações conjuntas com o Ministério da Defesa para identificar ilícitos e outras atividades ilegais, como conexões entre narcotráfico e crimes ambientais.
Segundo Eliésio Marubo, procurador jurídico da Univaja, “a ausência do Estado na região tem fortalecido a presença de grupos criminosos que alteram a paz e ameaçam nossas lideranças”.