Fátima: é preciso ter responsabilidade com a sociedade e, sobretudo, com as mulheresQualquer alteração na a Lei Maria da Penha — instrumento fundamental no combate à violência contra a mulher — deverá ser precedida por muita reflexão e debate. “É preciso ter responsabilidade com a sociedade e, sobretudo, com as mulheres. Não podemos agir a toque de caixa, sem profunda análise que envolva todos os sujeitos interessados”, alerta a senadora Fátima Bezerra, que em pronunciamento ao plenário nesta quinta-feira (23) voltou a criticar aspectos do Projeto de Lei da Câmara (PLC) 07/2016, que pretende transformar a medida protetiva de urgência em ato administrativo, passando à responsabilidade da polícia.
Fátima reconhece que a intenção da proposta é louvável, já que o objetivo é garantir às vítimas de violência doméstica de ter atendimento policial e pericial de forma rápida, especializada e eficaz. O problema, destaca a senadora, é o artigo 12-B do projeto, que transfere a atribuição da expedição das medidas protetivas dos juízes para a autoridade policial. A questão foi debatida esta semana, em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, onde o PLC 07/2016 está em tramitação.
A senadora citou o artigo divulgado pela ex-ministra de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, que classifica a tentativa de mudar a Lei Maria da Penha de “retrocesso”. Para Menicucci, a lei tem uma legitimidade social por todo o processo de construção pelo qual passou, e alterá-la, sem incluir na discussão os movimentos de mulheres e feministas, bem como os outros poderes envolvidos, é desrespeitar a participação democrática.
Mas o principal motivo de crítica à proposta é a realidade calamitosa das Delegacias de Defesa das Mulheres — apenas 400, em um País com 5.570 municípios —, onde faltam profissionais e estrutura; “Essas delegacias sequer funcionam 24 horas por dia e nem tampouco nos finais de semana e feriados”, lembra Fátima Bezerra. Essa situação, aliás, ficou bem caracterizada durante as diligências realizadas em praticamente todas as unidades da federação pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência Contra a Mulher, que apurou o desaparelhamento do estado brasileiros para assegurar a proteção às vítimas da violência doméstica e teve como relatora a senadora Ana Rita (PT-ES).
Outra questão importante é de natureza constitucional. A decretação de uma medida protetiva significa proibição de contato do agressor com vítima, o que, na prática, pode resultar em vedação de acesso desse agressor a seu domicílio, no caso de morar na mesma casa que a mulher agredida, e talvez até aos próprios filhos, já que não pode manter contato nem com os familiares da vítima nem com testemunhas da agressão. São vedações que só um juiz pode determinar.
Portanto, a transferência da atribuição de expedição das medidas protetivas para a autoridade policial pode simplesmente abrir uma enxurrada de questionamentos judiciais que inviabilizariam o cumprimento da Lei Maria da Penha—é quase como colocar essa lei fundamental na ilegalidade. “Essa proposta não é nova e já foi rejeitada pela CPMI da Violência contra a Mulher exatamente por ferir a constitucionalidade do Poder Judiciário, uma vez que retirava tal atribuição de sua jurisdição”, lembrou Fátima.
A senadora destacou que a recusa a transferência de competência para expedição da medida protetiva não pode ser confundida com desconsideração ao “comprometido trabalho que as delegadas vêm realizando, pois as conheço, respeito e sei o quanto querem de melhor para as mulheres vítimas de violência doméstica e sexual”.
Cyntia Campos
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