Em 06/07/2017, o governo ilegítimo de Michel Temer anunciou as novas regras do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES). Na prática, essas regras desmontam o FIES como uma política pública de expansão massiva do acesso ao ensino superior. O novo FIES não tem nada de novo. Ele resgata a concepção do governo FHC, que deixava os estudantes reféns dos bancos. A garantia da União limitar-se-á ao financiamento de 100 mil vagas.
Na verdade, são muitos os retrocessos no campo educacional desde que Michel Temer assumiu a presidência da República e, Mendonça Filho, o Ministério da Educação. Apenas como exemplo, podemos citar o congelamento dos investimentos públicos durante duas décadas, a reforma autoritária do ensino médio, a lei da terceirização geral e irrestrita, a intervenção do MEC no Fórum Nacional de Educação e o desmonte de programas extremamente importantes como o Proinfância, o Pronatec e o Ciência sem Fronteiras.
Na contramão do processo de expansão dos investimentos nas universidades federais materializado entre 2003 e 2014, a política de austeridade do governo ilegítimo tem resultado no contingenciamento dos recursos de custeio e investimento das instituições. De acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, a ausência de suplementação orçamentária levará os orçamentos das universidades federais ao esgotamento em setembro de 2017, o que prejudicará sobremaneira o pleno desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa e extensão.
As mudanças promovidas ou anunciadas pelo atual governo no âmbito do FIES dificultam o acesso dos estudantes ao financiamento estudantil e ao ensino superior.
Através da Medida Provisória 741/16, o governo Temer transferiu as despesas do FIES com seus agentes financeiros (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil), que até então eram remunerados pelo Tesouro Nacional através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, para as instituições de ensino. De acordo com o próprio Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (SEMESP), os custos derivados da medida podem ser repassados às mensalidades dos estudantes.
Por meio da Portaria Normativa nº 4, de 6 de fevereiro de 2017, o Ministério da Educação reduziu de R$ 7 mil para R$ 5 mil o teto de financiamento que os estudantes do ensino superior poderão dispor por mês através do FIES, cabendo aos estudantes arcarem com eventuais diferenças. A Portaria afeta principalmente os estudantes que buscam cursar Medicina, um dos cursos mais caros da rede privada.
Desde o término de 2016, o Ministério da Educação anuncia a reformulação do Fundo de Financiamento Estudantil através do lançamento de um suposto “FIES Turbo”, que seria responsável por ampliar o acesso dos estudantes ao financiamento. Em coletiva de imprensa realizada em 06 de julho de 2017, Michel Temer e Mendonça Filho anunciaram o envio de uma Medida Provisória ao Congresso Nacional para reformular o FIES.
De acordo com a Medida Provisória nº 785, de 6 de julho de 2017, o “Novo FIES” prevê risco compartilhado com as universidades privadas no que diz respeito à inadimplência dos estudantes, desconto no salário de estudantes recém formados para quitação dos empréstimos e oferta de 300 mil vagas por ano. Além disso, o “Novo FIES” terá três modalidades (FIES Fundo Garantidor, FIES Regional e FIES Desenvolvimento). Somente no chamado “FIES Fundo Garantidor” a fonte de recursos para execução do programa será o Tesouro Nacional, com previsão de oferta de 100 mil vagas para estudantes com renda mensal per capita de até três salários mínimos em 2018. Nas demais modalidades, as fontes de recursos serão os fundos constitucionais regionais, os fundos de desenvolvimento regional e o BNDES, com os bancos assumindo totalmente o risco do crédito.
As novas regras passam a valer somente em 2018, caso não haja modificações na Medida Provisória durante a sua tramitação no Congresso Nacional e caso o governo ilegítimo ainda exista – o que é bastante duvidoso, afinal, trata-se de um governo derivado de um golpe de Estado e extremamente fragilizado por graves denúncias de corrupção.
No que diz respeito às mudanças, é importante lembrar que o compartilhamento do risco do crédito com as instituições de ensino em uma das modalidades poderá resultar no aumento das mensalidades das universidades privadas, e que a transferência do risco do crédito para os bancos nas demais modalidades poderá resultar na elevação dos juros do financiamento.
Ademais, ao eliminar o período de carência para que os estudantes comecem a quitar a dívida, independentemente de estarem ou não empregados ao término do curso, o governo poderá desestimular os estudantes mais pobres a aderirem ao FIES, especialmente em um período de elevado desemprego como o que vivenciamos.
No caso do “FIES Regional” e do “FIES Desenvolvimento”, as próprias instituições financeiras serão responsáveis por definir o método de pagamento do crédito estudantil, o que pode inviabilizar o acesso de estudantes mais pobres ao financiamento e produzir desigualdades regionais, uma vez que as condições de pagamento poderão variar de região para região.
No que diz respeito à oferta de vagas, já mencionamos que o governo prevê a oferta de 300 mil vagas por ano, praticamente o mesmo número de vagas ofertadas em 2015, um ano de grave crise política e econômica que resultou no golpe de Estado em 2016. Entre 2010 e 2014, o número de contratos celebrados no âmbito do FIES aumentou ano após ano, partindo de aproximadamente 76 mil contratos em 2010 para mais de 700 mil contratos em 2014. Ao estabelecer como meta a oferta de 300 mil vagas por ano, independentemente da retomada do crescimento econômico, o governo ilegítimo pouco contribui para o cumprimento da Meta 12 do Plano Nacional de Educação, que prevê a elevação da taxa bruta de matrícula na educação superior para 50%, considerando a população de 18 a 24 anos de idade.
Na prática, porém, o novo FIES poderá se resumir a 100 mil vagas que têm garantia da União. As demais, como dependem de critérios estabelecidos pelos bancos, poderão não se tornar realidade. Ou seja, de um fundo que assegurou acesso ao ensino superior para cerca de 2 milhões de estudantes entre 2010 e 2015, o FIES poderá se tornar um fundo quase irrelevante para a tão necessária expansão do acesso ao ensino superior. Em síntese, a universidade estará cada vez mais distante dos jovens pobres do nosso país.