ARTIGO

Fim dos conselhos de participação social é abuso de poder

"O presidente da República não pode achar que irá tomar decisões com sua pro?pria convicção", afirma Gleisi
Fim dos conselhos de participação social é abuso de poder

Foto: Gustavo Bezerra

Numa tacada só, o presidente da República, Jair Bolsonaro, acabou com 35 colegiados e colocou 700 conselhos na mira do governo, ferindo de morte o fundamental direito à participação popular. O Decreto 9759/19 deu cabo à maioria dos conselhos sociais que integravam a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS). Numa clara afronta a? Constituic?a?o, centenas de conselhos de direitos e de poli?ticas pu?blicas deixarão de existir a partir de 28 de junho. Dentre eles, poderão ser extintos colegiados que discutem temas como direitos do idoso, política indigenista, transportes, trabalho ePrevidência.

Com esse atitude autoritária, o atual governo ignora o papel que os colegiados exercem na democraciaparticipativa sobre a qual se instaura o Estado Democra?tico de Direito. Esses espaços representam importante instrumento de aproximac?a?o entre a sociedade civil e o governo, uma vez que a participac?a?o poli?tica popular na?o se resume ao voto. A gestão das políticas públicas passa também pela inclusa?o da populac?a?o nas esferas deciso?rias e, inclusive, com a possibilidade de fiscalizar as atividades exercidas por quem é eleito pelo voto popular.

Essa estreita relação é fundamental para a consolidac?a?o da democracia, que se concretiza com a livre circulac?a?o de informac?a?o e com a interferência direta da população nas poli?ticas pu?blicas. Diferentemente do Poder Legislativo, onde as va?rias correntes poli?ticas podem se fazer representar mais facilmente, a estrutura tradicional do Poder Executivo oferece obsta?culos ao pluralismo no processo deciso?rio. A criac?a?o de mecanismos de participac?a?o social na Administrac?a?o Pu?blica busca neutralizar o deficit democra?tico.

Os processos de democratizac?a?o são imperativo em relac?a?o a? Administrac?a?o Pu?blica, que constitui a face mais visi?vel do poder do Estado. Assim, os colegiados e conselhos, ampliam a participac?a?o democra?tica do povo nos rumos das poli?ticas pu?blicas ou na efetivac?a?o dos direitos garantidos legal e constitucionalmente e representam inquestiona?vel e efetiva ferramenta. A aproximac?a?o entre a sociedade e o aparelho estatal criado para servi-la possibilita que se colham elementos para melhor orientar deciso?es governamentais, ale?m de garantir a elas maior legitimidade.

A Constituic?a?o Federal de 1988 prevê o engajamento da sociedade civil no planejamento, gesta?o e fiscalizac?a?o de poli?ticas pu?blicas e assegura a participac?a?o dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos o?rga?os pu?blicos. O constituinte fez por bem em assegurar a ampla interferência popular na conduc?a?o dos assuntos de governo, abrindo a gestão a? sociedade, tornando-a apropriada à soberania popular. Dessa forma, cumpre-se a exige?ncia do princi?pio do Estado Democra?tico de Direito, fundamental de organizac?a?o do Estado

Para dar um exemplo, a extinção do Conselho de Recurso do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN) – que tem func?a?o de o?rga?o recursal – deixa atividades sem responsa?veis pela execuc?a?o. Outro caso é o do Comissa?o Interministerial de Governanc?a (CGPAR) – que cuida das participac?o?es societa?rias e deve prestar contas ao Tribunal de Contas da Unia?o (TCU). No caso dos conselhos ligados ao meio ambiente – como e? o caso da Comissa?o Nacional da Biodiversidade (CONABIO) e da Comissa?o Nacional de Desenvolvimento Sustenta?vel dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) – esta extinc?a?o representa uma ma?cula ao princi?pio do na?oretrocesso. Isso porque a questa?o ambiental passou a ser encarada com a seriedade em função do impacto na vida das pessoas. O mesmo raciocínio vale para o fim da Comissa?o Nacional para Erradicac?a?o do Trabalho Escravo (CONATRAE), marco civilizato?rio de inquestiona?vel importa?ncia no combate às pra?ticas ana?logas a? escravida?o, cujo regresso deve ser afastado a todo custo.

O atual governo sequer considerou de forma individualizada a func?a?o dos colegiados e os sérios impactos que a extinc?a?o desses organismos pode gerar. De maneira irresponsável, quer dar fim a todos eles, sem o mínimo de critério técnico ou social. Poderia afirmar que a medida ocorreu por incompetência, mas em se tratando de uma gestão temerária e autoritária como a que temos assistido, sabe-se que o objetivo é realmente calar a voz da sociedade roubando dos brasileiros de exercer sua cidadania.

A nossa Constituição Cidadã é explícita sobre um dos fundamentos da Repu?blica brasileira: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. A supressão de meios de inclusa?o do povo é um retrocesso sem precedentes diante do avanço da sociedade moderna que pretendemos. O Decreto de Bolsonaro prioriza uma gesta?o autorita?ria e distante do povo, de onde emana todo o poder.

O presidente da República não pode achar que irá tomar decisões com sua pro?pria convicção. Como representante do povo, deve agir com responsabilidade que tal situac?a?o requer. O fim dos conselhos representa um abuso deste poder. É um despotismo inadmissi?vel em um Estado Democra?tico de Direito e uma clara violação aos princi?pios republicano, democra?tico e da participac?a?o popular.

Diante de tal vilania, o Partido dos Trabalhadores resolveu agir em duas frentes, apresentando no Congresso Nacional projetos de decreto legislativo (PDL) para sustar o Decreto de Jair Bolsonaro e entrando no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) com pedido de liminar para que o Decreto 9.759 seja declarado inconstitucional e suspenso o quanto antes. Espera-se que a Suprema Corte aja rapidamente para conter esse e outros descalabros que vem sendo cometidos por um governo que pretende solapar a participação e a vontade popular.

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