Eleonora Menicucci de Oliveira tem 72 anos de idade. Socióloga e Professora titular da Universidade Federal de São Paulo, dedicou-se no último ano, após o golpe à presidenta Dilma Rousseff, a rodar o país para falar sobre como a agenda que seria implantada pelo governo de Michel Temer era um ataque duro às mulheres. Energia de sobra. Disposição de menina. Foi aos 4 cantos do país e mais um pouco. Denunciou o golpe, bem como o machismo em seu entorno. Falou da luta e da resistência das mulheres e, nessa última semana, foi sua vez de ser atacada.
Nos cinco anos anteriores, de 2011 a 2016, trabalhou arduamente pela implementação de uma robusta agenda de políticas públicas para mulheres no Brasil como Ministra-Chefe da Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República (SPM), que incluíam erradicar a violência contra a mulher, aprofundar a aplicação da Lei Maria da Penha, atender mulheres em situações de vulnerabilidade, construir pactos federativos com entes de todos os cantos do Brasil para garantir que todo município tivesse um organismo de política para mulher e uma rede que pudesse atendê-las com dignidade.
Entre tantas outras coisas, Eleonora também ajudou a colocar o Brasil no mapa internacional dos países que – apesar da cultura patriarcal e da banalização da violência cotidiana contra a mulher – lutaram para melhorar a qualidade de vida das mulheres em sua diversidade com políticas públicas eficazes. Defendeu abertamente, durante todos esses anos, a necessidade de se legalizar o aborto e de se promover a cidadania plena às pessoas LGBT, mesmo com todas as investidas conservadoras mirando a si.
Nos outros 64 anos da sua vida, Eleonora dedicou-se a construir uma sociedade melhor para todas nós. Enfrentou a ditadura, a tortura e seus horrores. Ao contrário de outras companheiras de cela e de luta, para nossa sorte, ela sobreviveu.
As décadas que se seguiram foram marcadas pela memória do horror e pela luta incansável para que o Brasil pudesse viver uma democracia plena, especialmente para mulheres.
E o que isso tem a ver com o dia em que Alexandre Frota falou em um programa de TV de canal aberto, nos idos de 2015, contou ao vivo sobre como estuprou uma mãe de santo até que ela desmaiasse?
Isso tem tudo a ver com os princípios de Eleonora, porque foi ela que, à época, foi à público dizer que uma declaração como essa era inadmissível, que mulheres não merecem ser estupradas, e criticou o ator. Por essa crítica, ela foi processada com pedido de danos morais pelo ator infame e no último dia 4, a juíza responsável pelo caso emitiu a sentença em primeira instância: Eleonora fora condenada a pagar R$ 10 mil reais por indenização moral a Alexandre Frota.
O mais triste disso tudo, evidentemente, é que a decisão veio pela caneta de uma mulher. Nas palavras da Juíza Juliana Nobre Correia, que confundiu o objeto da decisão, citando visita de Frota ao MEC quando o episódio é relacionado à aparição dele em programa de TV, “o direito de crítica somente é válido quando alicerçado em alguma ideia constitutiva para o leitor ou para quem presencia a crítica”.
Mas não é só isso. Eleonora disse que esse é um ataque não a ela, mas a todas as mulheres e ela tem razão. Para quem teve oportunidade de olhar a sentença, viu que ela não é uma sentença proferida para resguardar direitos de alguém que se sentiu ofendido ou caluniado.
É uma sentença que impacta todas as mulheres já que sinaliza para a sociedade que o uso da prerrogativa constitucional de liberdade de expressão e manifestação protege apólogos de um crime hediondo como o estupro, mas não protege quem fala contra ele.
Essa é uma sentença de ataque ao feminismo, às nossas lutas diárias. É uma sentença que quer nos silenciar, nos colocar medo.
Mas se há quem sairá derrotado dessa peleia, serão eles. Se não for no campo da justiça, será nas ruas. A mobilização das mulheres no país todo em apoio a Eleonora Menicucci, nos últimos dias, é, definitivamente, a melhor resposta que nós poderíamos dar.
Juliana Moura Bueno é cientista politica, feminista e assessora da Liderança do PT no Senado