O papel da Petrobras em um programa nacional de desenvolvimento é um dos pontos centrais no debate sobre a retomada do crescimento econômico com inclusão social. Essa demanda consta do programa emergencial para a superação da crise, apresentado pelas lideranças do PT na Câmara e no Senado e foi um dos pontos em destaque no seminário “Estratégias para a Economia Brasileira – Desenvolvimento, Soberania e Inclusão”, promovido na última segunda-feira (24) pelas duas bancadas petistas
Durante os governos Lula e Dilma, a Petrobras teve função estratégica no projeto de desenvolvimento e redução das desigualdades. A estatal foi a âncora de uma engrenagem que articulava a construção de um setor industrial produtor de bens e serviços sofisticada, competitiva e geradora de empregos de qualidade. Com menos de um ano de gestão Temer, “este modelo está desmontado”, apontou o professor de Economia José Sérgio Gabrielli, que presidiu a estatal entre 2005 e 2012.
Oportunidade histórica
Gabrielli participou, ao lado dos também professores de Economia Fernando Sarti (Unicamp) e Vanessa Petrelli (UFU), e do deputado Enio Verri (PT-PR), da primeira mesa do evento, dedicada a analisar os “Instrumentos de desenvolvimento para a economia brasileira”. Ele recapitulou as reformas estruturais empreendidas pelos governos petistas no setor de petróleo e gás para colocá-lo a serviço dos interesses do País, especialmente diante da “enorme e rara oportunidade histórica, que foi a descoberta do pré-sal”.
Com uma previsão de investimentos da ordem de US$ 50 bilhões ao ano, o projeto era viabilizar a expansão do emprego e da renda no Brasil fomentando uma indústria capaz de fornecer os bens e serviços necessários à cadeia do petróleo, em vez de importa-los de outros países.
Subordinação
Temer inverteu todo esse processo, para favorecer empresas estrangeiras tanto no fornecimento dos bens e serviços requeridos para a exploração, como na facilidade com que conquistarão a concessão de exploração das novas áreas—uma das primeiras vitórias do golpe foi justamente a aprovação do projeto de José Serra (PSDB-SP) que retirou da Petrobras a condição de operadora única do pré-sal. Pior: o próprio ritmo de exploração de novas áreas deixa de ser ditado pelas demandas e necessidades do Brasil para se subordinar aos ditames internacionais.
A justificativa seria de que a Petrobras estaria “quebrada” e que os bens e serviços nacionais usados na cadeia do petróleo e gás—pela política de conteúdo nacional, há a exigência de prioridade para eles — seriam mais caros que os estrangeiros. Gabrielli explica que, realmente, num primeiro momento, esse setor da indústria nacional teria custos mais altos do que os competidores internacionais. Mas esse era um investimento no futuro”.
Atração de investimentos
E não era uma “jabuticaba” improvisada: estabelecer regras de proteção a um setor econômico que interessa ao País desenvolver é uma estratégia reconhecida, citada e debatida na literatura econômica internacional, desde o Século 19. Quanto mais cresce o setor, mais seus custos se aproximam dos praticados no resto do mundo —com a vantagem de o Brasil passar a contar com uma indústria de ponta que gera conhecimento tecnológico e empregos qualificados e bem pagos.
“O petróleo não é um recurso natural distribuído simetricamente no mundo. Um país que tenha reservas significativas tem condições de atrair investimentos na área de tecnologia, como efetivamente aconteceu, com a criação de diversos laboratórios e centros de pesquisa”, lembra Gabrielli. “O desenvolvimento científico que, geralmente, se concentra nos países mais avançados, se deslocou para o Brasil”.
O desmonte do setor de petróleo e gás está sendo levado a cabo por meio de transformações profundas em quatro setores importantes desta atividade —refino, exploração e produção, conteúdo nacional, mercado de gás com a saída da Petrobras, venda de gasodutos e termelétricas.
Autossuficiência e protagonismo
O ex-presidente da Petrobras explicou que a política brasileira de exploração e produção era voltada para garantir a produção de petróleo e a formação de reservas de forma a garantir a autossuficiência, ampliando a participação de fornecedores nacionais.
A política de Temer muda tudo isso. Em primeiro lugar, abandona a exigência de conteúdo nacional, que era um grande indutor da geração de emprego e renda. Pelo contrário, o que vale agora é o produto, serviço ou equipamento mais barato—não importa quem lucre com o fornecimento. “A opção é pela solução de mercado, não mais pelos interesses estratégicos do País”, resume Gabrielli.
Além disso, abre mão do protagonismo da Petrobras, ampliando a presença de empresa estrangeiras na produção e exploração. Para a Petrobras, sobra o que já está sob seu controle. A ideia é reduzir o tamanho da Petrobras, submetê-la à concorrência.
Visão míope
Trata-se de subordinar a atuação da Petrobras e o uso das reservas brasileiras de petróleo não mais aos interesses do País e a um projeto de alavancar o desenvolvimento usando os recursos dessa indústria, mas de colocar a empresa a serviço do mercado e das necessidades de outros atores.
O mundo vive hoje abundância na produção de petróleo mas esse é um cenário que, apontam as projeções, não vai se manter. Novas áreas precisarão entrar em produção para atender à demanda mundial. Fora da OPEP, quem vai garantir essa reposição são o Brasil, EUA e Canadá. E o Brasil tem a vantagem de ter um custo de produção muito baixo e de não ter os problemas ambientais que tem, por exemplo, a produção canadense.
“O Brasil é a joia da coroa. Acelerar a produção, aqui, agora, é apenas para atender às necessidades internacionais”, ressalta Gabrielli. Até porque o País não tem previsão de expandir o refino nos próximos cinco anos, o que significa que a política de Temer é avançar sobre as reservas nacionais para vender óleo cru, rebaixando a qualidade da inserção do Brasil no mercado internacional de petróleo.
“Objetivo fiscalista míope, que vê o pré-sal apenas como fonte de arrecadação de curto prazo, compromete o futuro”, resumiu Gabrielli.