Marcello Antunes
1º de dezembro de 2016 | 15h30
Presente na sessão do Senado desta quinta-feira (1) destinada a debater o projeto de lei (PLS nº 280/2016), que pretende evitar o abuso de autoridade, o juiz Sérgio Moro voltou a dizer que essa lei pode afetar o futuro da Operação Lava Jato, mas foi obrigado a ouvir do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que essa justificativa é vazia. Não é bem assim.
“Não compactuo com essa ideia, de que esse não é o momento para mexer na lei. Qual seria o melhor momento? O projeto tramita há mais de sete anos. Acho Moro, com toda honestidade, que não devemos escolher o momento. A Lava Jato não precisa de licença especial para fazer suas investigações. Os instrumentos são mais do que suficientes e, a rigor, a própria legislação existente garante qualquer investigação. Temos situações inequívocas de abuso. É oportuno que se discuta esse projeto com abertura mental. Não vamos propor um ano sabático para o Congresso deliberar uma matéria que tramita há sete anos. Não faz sentido algum postergar esse debate”, defendeu Gilmar Mendes.
Moro recorreu à justificativa de que o Senado, votando o projeto de Abuso de Autoridade, será visto pela sociedade como um poder que tolhe as investigações da Lava Jato. Essa, aliás, tem sido a narrativa que o juiz do Paraná e os procuradores do MP tem usado na mídia para fazer pressão política contra o projeto de lei contra o abuso de autoridade, enquanto faz lobby a favor das dez medidas contra a corrupção gestadas pelo Ministério Público.
O juiz, sobre o PLS 280/2016, defendeu pelo menos que se tenha salvaguardas a juízes, promotores, procuradores, desembargadores e ministros do STF, para que eles não fiquem submetidos ao rigor da lei do abuso de autoridade. Em sua visão, não configura crime a divergência da interpretação da lei processual penal ou na avaliação de fatos e provas. “Minha única sugestão ao projeto é afastar receios que isso venha criminalizar atuação independente do Ministério Público ou o dever da polícia, independente dos interesses a serem afetados”, afirmou.
Vazamento de informações
O ministro Gilmar Mendes aproveitou para criticar o vazamento de informações fruto das investigações, principalmente as da Lava Jato. Ele contou que, numa visita a Portugal, encontrou-se com um colega magistrado que achou “engraçado, vocês brasileiros”, divulgarem detalhes sigilosos das investigações na televisão. Segundo o ministro, o magistrado português entendia que a ordem jurídica brasileira dava essa autorização para os vazamentos seletivos de informações. “Meu colega disse: via isso na TV Globo”, registrou Gilmar Mendes, para, em seguida, acrescentar: “é preciso que haja limite para isso. É preciso que a gente chame isso pelo nome”.
Falando para o juiz Moro, o ministro do STF também criticou duramente o projeto que está no Senado, aprovado de madrugada na Câmara, cuja base são as dez medidas contra a corrupção do MP. “Sérgio Moro, com toda franqueza, esse projeto que acaba com o Habeas Corpus tem uma concepção autoritária. É uma rombuda ilegalidade. Felizmente a Câmara rejeitou. Era um atentado. Não quero investigar a origem, mas quem o escreveu têm princípios autoritários”, enfatizou”.
Compra de assinaturas
Para o ministro, as propostas de iniciativa popular precisam ser escrutinadas, sob a pena de validar coisas como a proposta de acabar com o Habeas Corpus, a rejeição do aproveitamento de prova ilícita e teste de integridade. Na avaliação de Gilmar Mendes, colher assinaturas contratando camelôs (vendedores ambulantes no centro de São Paulo) para fazer isso, é que se obtenha facilmente dois milhões de assinaturas a uma proposta de iniciativa popular. Ele não acusou diretamente o MP, mas sua suposição é mais do que válida, ou seja, as pessoas comuns não sabem o que estavam por trás dessas medidas de combate à corrupção.
O senador Roberto Requião (PMDB-PR), relator do projeto de Lei de Abuso de Autoridade, também criticou “a rapaziada” do Ministério Público Federal que atua na Operação Lava Jato, porque contrataram uma empresa de marketing (Opus Marketing) para defender e divulgar as medidas contra a corrupção na sociedade, sem que ela realmente saiba do que se trata. “Não podemos transformar uma crise numa oportunidade do avanço corporativo, da manifestação do individualismo, sempre egoístico, que resulta na exacerbação do poder sem nenhum escrúpulo. A verdade é que as dez medidas incorporavam aspectos fascistas”, disse ele.
Requião afirmou ter ficado estarrecido, perplexo, com a ameaça dos “rapazes” do MP paranaense que ameaçaram renunciar a seus cargos caso o projeto de Lei de Abuso de Autoridade continue tramitando. “Renunciar a quê? A pressão pela urgência de votação das dez medidas contra a corrupção foi feita pelo Ministério Público da Lava Jato. Quando o Senado propõe, os procuradores são levados ao desespero. Reitero minha posição à do ministro Gilmar Mendes, porque não há iniciativa popular. Ninguém leu as dez medidas de combate à corrupção”, afirmou. Requião completou dizendo que acredita ser possível elaborar uma boa lei contra abuso de autoridade, mas que seja contido o desejo absurdo que se adotar medidas cujo conteúdo escondem marcas fascistas.
Moro na parede
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também deu uma estocada no juiz da Lava Jato ao manifestar preocupação com o desrespeito à Constituição Federal que diz que é competência exclusiva do Congresso Nacional fazer anistia. “Pode o Poder Judiciário fazer anistia? O patrimônio usurpado, depois da delação, uma parte fica com o Ministério Público e a outra parte é anistiada àquele que a usurpou, limpando o patrimônio montado por mal feitos. Uma pessoa desviou 700 milhões, contribuiu com 50 milhões na delação. Podem o Judiciário limpar o restante do dinheiro”, questionou Renan.
O presidente do Senado reafirmou que essa competência, da anistia, cabe ao Congresso Nacional e não ao Poder Judiciário. “Temos a oportunidade de discutir isso e lamentar a proposta da Câmara. Lá já tramita uma PEC que agrava a pena contra a corrupção. Não dá para discutir no regime democrático, no estado de exceção pode, mas no estado democrático não cabe teste de integridade, fim do Habeas Corpus e na validação da prova ilícita. Talvez seria oportuno um teste de integridade ao relator da matéria na Câmara, porque essa proposta contém uma insanidade injustificável. Não cabe num regime democrático propor uma insanidade dessas”, salientou.