Gleisi: Como explicar [à população] o financiamento de nosso frágil sistema político, diferenciando-o dos roubos e desvios feitos por quem necessariamente não militava na política?Para parte da imprensa e da oposição, as doações de campanha feitas por empresas podem seguramente ser denominadas de ‘propina’. Porém, quando uma lista da Odebrecht mostra nomes de políticos de praticamente todos os partidos que podem ter igualmente recebido verbas de empresas, a mídia mostra cautela e evita alardear denúncias sem apuração.
Esse sinal de alerta, segundo a senadora Gleisi Hofffmann (PT-PR), se deve, entre outros, porque não interessa explicar à população como funciona o financiamento do sistema político brasileiro, onde as doações às campanhas eleitorais vinham sendo feitas por empresas privadas.
“O impeachment é a saída que preferem para tudo isso. Tirar a presidenta, mesmo sem motivo legal, acalmar a política e mudar a economia e os programas de governo, começando por limitar os direitos sociais que, afinal, para a elite brasileira, são exagerados”, diz a senadora, em artigo publicado no site esmaelmorais.com.br, nesta segunda-feira (28).
Veja, abaixo, o artigo na íntegra:
A criminalização da política, a lista da Odebrecht e o golpe
O conteúdo generalizado da lista da Odebrecht parece que não agradou a setores da mídia que há dois anos se esforçam por criminalizar as doações de campanha feitas para o PT e para aliados do governo. Como explicar, depois de ter sistematicamente enxovalhado essas doações, que os partidos da oposição, que os arautos da moralidade, os condutores do impeachment, também receberam recursos empresariais de campanha, e de uma empresa que está sendo investigada na operação Lava Jato?!
Enquanto as investigações atingiam fortemente apenas políticos do PT e aliados, as coisas iam de “vento em popa”. Afinal, são os pais da corrupção e quase que os únicos a receberem recursos privados para campanhas eleitorais.
A lista da Odebrecht, com nomes de políticos de vários partidos, mostra claramente o funcionamento do sistema eleitoral brasileiro. As campanhas foram financiadas até aqui, em sua grande maioria por empresas. As grandes colaboram com mais pessoas e maiores doações, mas há também médias e pequenas. É crime? Não, a doação privada estava prevista em nossa legislação desde sempre. Ano passado o Supremo Tribunal Federal mudou a legislação. Agora, apenas pessoas físicas e o próprio candidato poderão financiar campanhas. Melhorou, embora o mais correto fosse o financiamento público de campanha.
Portanto, nem a empresa, ou as pessoas listadas na relação, por essas doações, cometeram irregularidades ou crime, a priori. Ocorre que, desde o início da operação Lava Jato, as doações de campanha foram fortemente associadas a propinas, principalmente de dinheiro da Petrobras, que era desviado. Como o foco estava somente no PT, tudo bem, o partido está no governo há muitos anos, então é líquido e certo que a propina era para seus membros e suas campanhas.
Não se procurou, e acredito que intencionalmente, mostrar que a maior parte do dinheiro desviado da Petrobras foi para enriquecimento ilícito de pessoas que muito pouco tinham a ver com o PT. Diretores, ex-diretores e funcionários da empresa. Doleiros, empresas offshore e políticos que enriqueceram fortemente, com recursos mandados ao exterior e contas ocultas. Para as campanhas eleitorais, era muito menos e, até aqui, se destacavam os recursos concentrados no PT.
Por isso dissemos tantas vezes que as investigações eram seletivas – atingiam quase que exclusivamente o PT – e jogavam para a criminalização da política, ao não mostrar o funcionamento do sistema, financiado por empresas, e o fato de que os desvios eram predominantemente para interesses pessoais.
Agora, tem-se mesmo uma encruzilhada. A planilha apreendida na Odebrecht com políticos de todos os matizes foi tratada como o “começo do fim” por pessoas ligadas à Lava Jato. Afinal, o espectro político do poder envolvido aumentou consideravelmente.
Assim, melhor calar, aproveitar que o juiz Sérgio Moro devolveu o sigilo a tudo, e passar adiante, já que não se tem como mudar o entendimento da maioria da população sobre o assunto. Como desdizer o que vem sendo dito e repetido exaustivamente há dois anos?! Como explicar o financiamento de nosso capenga sistema político, diferenciando-o dos roubos e desvios feitos por quem necessariamente não militava na política? Ou mostrar que o envolvimento de empresas, governos e políticos tem sido recorrente ao longo da nossa história de campanhas eleitorais?!
A verdade é que isso não interessa aos setores empenhados em tirar do cargo a presidenta eleita. O impeachment é a saída que preferem para tudo isso. Tirar a presidenta, mesmo sem motivo legal, acalmar a política e mudar a economia e os programas de governo, começando por limitar os direitos sociais que, afinal, para a elite brasileira, são exagerados. O PT, já devidamente criminalizado, responderá pela Lava Jato. É essa a narrativa e resultado que se pretendem. Não sem resistência, é claro!
*Gleisi Hoffmann é senadora da República pelo Paraná. Foi ministra-chefe da Casa Civil e diretora financeira da Itaipu Binacional. Escreve no Blog do Esmael às segundas-feiras