Gleisi: Câmara não se deteve no debate das acusações porque não tinha como sustentar os argumentosAs manifestações favoráveis ao impeachment da presidenta Dilma, quase sempre, são carregadas de preconceitos e achismos. Isso porque raramente se discute os argumentos que motivaram o processo. Mas afinal, de que a presidenta é acusada? E por que quem defende a democracia afirma que se trata de um golpe? Para sanar essas dúvidas, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) detalhou, nesta quarta-feira (20), as acusações contra Dilma e porque elas não se sustentam.
“Eles [deputados] fizeram também um debate político avassalador na Câmara. Discutiram sobre tudo, menos sobre conteúdo”, disse Gleisi, em discurso ao plenário.
Primeiro, a petista explicou sobre um dos temas mais debatidos do País, as famigeradas ‘pedaladas fiscais’ – atraso de repasses do governo a bancos oficiais que eram, posteriormente, compensados. O tema não foi incluído no parecer aprovado pela Câmara dos Deputados por não ter base constitucional: além do caso ter ocorrido em um mandato anterior de Dilma (em 2014), não havia crime ali estabelecido e nem conduta que maculasse a presidenta da República. Caso fosse o aceito, o relatório poderia ser questionado na Justiça.
Gleisi, em seguida, explicou quais são os dois pontos que usam no relatório golpista: as operações de crédito dos Planos Agrícola e Pecuário (para grandes e médios estabelecimentos rurais) e Safra (agricultura familiar) e seis decretos presidenciais de crédito suplementar.
Operações de crédito
Os planos agropecuários garantem financiamentos com juros mais baixos para os produtores rurais. “Ao invés do banco cobrar o juro de mercado, ele cobra um juro mais barato do produtor, e o governo paga uma parte desse juro”, explicou a senadora.
Além disso, esses planos também garantem o pagamento do preço mínimo dos produtos agrícolas. Por exemplo, caso o preço do milho produzido no Estado do Mato Grosso fique abaixo do preço estipulado, o governo promove leilões locais para comprar o produto, dentro de regras estabelecidas em lei, e estoca ou vende o produto em regiões onde há escassez do cereal.
Essas operações são realizadas principalmente pelo Banco do Brasil, durante todo o ano, mas nem sempre dá tempo de o governo repassar a verba ao banco para garantir a equalização.
“Portanto, em 2015, em uma das contabilidades do banco, ele lançou ‘a receber’ do governo a taxa de equalização”, disse Gleisi. “Não há como casar exatamente as operações, mas tudo foi pago dentro do ano. Só que há uma interpretação dizendo que não, que o banco fez uma operação de crédito com dinheiro dele, e não do governo federal”, emendou.
O mecanismo dos planos agropecuários foi definido pela Lei nº 8.427, de 1992. A responsabilidade dessas gestões pertence aos Ministérios da Fazenda, da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário junto do Conselho Monetário Nacional.
“Então, não temos nenhum ato da presidenta, não temos nenhuma conduta. Por aí, já está ferido o primeiro requisito que a Constituição traz de que tem que haver conduta do chefe de Estado. Onde está a conduta da chefe de Estado nesse processo da operação de crédito do Plano Safra? Não tem! Não tem decreto, não tem autorização pessoal, não tem absolutamente nada”, afirmou a senadora.
Decretos presidenciais
A outra acusação no impeachment trata de sobre seis decretos presidenciais que totalizam R$ 95,9 bilhões. A tese defendida pelos golpistas é de que eles foram ilegais porque não havia base orçamentária.
Do valor total, R$ 93,4 bilhões foram suplementações orçamentárias. Quando isso ocorre, não há ampliação dos gastos do Orçamento e, sim, um remanejamento. Por exemplo: há R$ 10 milhões em recursos para comprar carros, mas há a necessidade de merenda escolar. Nesse caso, cancela-se o valor para os automóveis e abre-se uma suplementação para a aquisição de merenda.
Outros R$ 708 milhões foram usados para despesas com encargos da dívida. “A Lei de Responsabilidade Fiscal é clara em dizer que isso não interfere no resultado primário; portanto, está excluído. A presidente da República pode abrir tantos créditos suplementares quantos forem necessários para fazer o pagamento de serviços da dívida”.
Agora, sobram R$ 1,8 bilhão restantes, dos quais 70% são do Ministério da Educação (MEC). São suplementações por dois motivos: primeiro, excesso de arrecadação e superávit financeiro.
Um órgão só pode fazer suplementação orçamentária por excesso de arrecadação se ele tiver arrecadação própria, como é o caso do MEC – o órgão arrecada dinheiro por meio das taxas pagas pelos que fazem concursos para professor universitário, por exemplo. Isso entra no orçamento da União como uma receita orçamentária vinculada, só podendo ser utilizada para financiar a realização de concursos. O que aconteceu? O MEC, num desses concursos, arrecadou mais do que podia.
“Então, o MEC fez um crédito e disse que queria colocar no orçamento esse financeiro para gastar com concurso, na ampliação das instalações, na contratação de mais gente, porque teve um número maior de inscritos do que a gente tinha previsto. E a outra suplementação que ele fez, por superávit financeiro, foi um recurso que sobrou do orçamento do MEC exatamente dessa fonte de recursos provenientes de concurso público, que não podia usar diferente. Sobrou lá, vai deixar o recurso no banco?”, disse Gleisi.
Esse mesmo tipo de ação também foi feita pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelo Tribunal do Trabalho.
“O que quero dizer com isso é que essas duas situações são muito frágeis, não constituem crime de responsabilidade. Por isso que a Câmara não se deteve nesse debate, porque não tinha como sustentar [os argumentos]”, explicou Gleisi.
Discussão aprofundada
Como os deputados não se debruçaram como deveriam sobre o tema, a senadora Gleisi fez um apelo aos colegas: que faça uma discussão aprofundada do tema.
“Sei que nós vamos ter condições de fazer esse debate na comissão [especial do impeachment no Senado]. E o meu papel vai ser – até porque conheço matéria orçamentária – fazer o debate em cima deste foco, explicando, convencendo”, disse a senadora.
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