Em audiência pública na noite da última segunda-feira (13/02) pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado, autoridades do Governo Federal, incluindo o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto e representantes dos estados do Acre e do Amazonas debateram a situação dos imigrantes haitianos que têm chegado ao país desde 2010. De acordo com os depoimentos, a situação no Acre está praticamente solucionada, apesar de que, no Amazonas, o problema continua, com imigrantes em condições precárias.
Luiz Paulo Barreto, secretário-executivo do Ministério da Justiça, garantiu que a pasta está estudando e encontrará solução para os haitianos que “estão no limbo”, inclusive os 347 que ainda estão em Tabatinga (AM). Barreto explicou que esses migrantes estavam em trânsito quando da edição da resolução normativa. Ele ainda prometeu investigar a informação do senador Eduardo Braga (PMDB-AM) sobre um grupo criminoso que estaria financiando essas viagens de haitianos e extorquindo essas pessoas e seus familiares.
O Secretário também garantiu que uma reunião interministerial com senadores será realizada em breve para tratar da realidade dos haitianos no Amazonas. Ele disse que o Brasil tem tradição de realizar anistias migratórias, como as que aconteceram em 1998 e 2008.
Ele ainda informou que o Ministério da Justiça e a Polícia Federal descobriram a rota usada pelos haitianos para entrar no Brasil: chegam de avião ao Equador, onde não precisam de visto para entrar, de ônibus atravessam o Peru e então entram no Brasil. Segundo informou, eles são quase sempre ajudados por uma máfia de coiotes, que se utiliza dos mesmos métodos com migrantes afegãos e chineses, por exemplo.
Regularização
Luiz Paulo Barreto ainda disse, durante a audiência pública na CRE, que o governo brasileiro está regularizando os haitianos, concedendo-lhes direitos civis e direito a trabalho.
“Essas medidas funcionaram bem. A situação no Acre está quase resolvida. Nenhum caso foi enquadrado como refúgio, pois refúgio pressupõe que a pessoa seja vítima de perseguição em seu país”, explicou.
Barreto, que é ex-ministro da Justiça, disse que o Brasil não quer incentivar essa migração de haitianos, mas sim ajudar na reconstrução e estabilização daquele país, para que seus habitantes possam viver com dignidade e em paz.
Vistos humanitários
O diretor do Departamento de Imigração e Assuntos Jurídicos do Ministério de Relações Exteriores, Rodrigo do Amaral Souza, lembrou que, no final de 2010, o ministério começou a ser procurado por autoridades dos estados da região Norte. O assunto era a entrada rápida e significativa de haitianos pelas fronteiras.
“Os haitianos não tinham visto para entrada, mas chegavam à fronteira e solicitavam refúgio. Somos obrigados a dar entrada nesses pedidos de refúgio, mas essas regiões não estavam preparadas para receber um fluxo tão grande de estrangeiros”, disse.
Ele explicou que o Comitê Nacional para Refugiados (Conare) estudou o fato e concluiu não haver fundamentos para a concessão de status de refugiados para essas pessoas e enviou o caso para análise do Conselho Nacional de Imigração, que decidiu por conceder a permanência desses imigrantes “por questões humanitárias”, destacou. Desde então, 1.300 “vistos humanitários” foram autorizados, de um total de mais de 4.500 haitianos que ingressaram no país desde 2010.
De acordo com Amaral Souza, também foi verificada a existência de uma rede de traficantes de migrantes (coiotes) agindo no Haiti.
Assim, o governo brasileiro decidiu por criar um novo tipo de visto para haitianos, com validade de 5 anos e necessitando apenas da apresentação do passaporte e de negativa de antecedentes criminais. A Resolução Normativa 97/2012 do Conselho de Migração criou o visto por razões humanitárias para os haitianos, mas apenas 1.200 podem ser emitidos por ano. Mas cada visto pode incluir familiares do beneficiado.
O subsecretário-geral das Comunidades Brasileiras no Exterior do MRE, embaixador Eduardo Ricardo Gradilone Neto, esclareceu que o governo brasileiro pratica “uma política migratória aberta” e que, historicamente, realiza “anistias migratórias” beneficiando os estrangeiros que estejam irregulares no território nacional. Ele defende a diferenciação entre “situação irregular”, como seria a dos haitianos – que estão no Brasil em paz e em busca de oportunidades – e “situação ilegal” – que seria mais adequada para designar pessoas estrangeiras em situação criminosa no País, como tráfico de drogas.
“Demos prioridade para a situação do Haiti depois do terremoto e queremos tirar os haitianos do controle dos coiotes”, disse.
Histórico
O deputado federal Nilson Mourão (PT-AC), atual secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre, explicou a situação dos imigrantes haitianos e quais foram as ações públicas efetivadas para a resolução do problema. Segundo Mourão, os primeiros haitianos começaram a chegar ao Acre em dezembro de 2010, na cidade de Brasileia. Inicialmente era apenas um pequeno grupo, que vinha em busca de oportunidades fugindo de um país devastado pelo terremoto de 2010.
Entretanto, em pouco tempo, disse o secretário, novos contingentes começaram a chegar ao Acre em fluxo constante e crescente. Nilson Mourão disse que o governo do estado começou a dar assistência a essas pessoas, com alimentação e abrigo, e a regularizar suas documentações para que pudessem viver e trabalhar no Brasil.
“Constatamos que era uma rota de imigração organizada por agenciadores de pessoas, os ‘coiotes’, não era apenas uma migração espontânea. O número dos que chegavam começou a ser maior que os que saiam para outros lugares do Brasil”, ressaltou o secretário, lembrando que o número de haitianos no Acre chegou a 1.250 – retidos enquanto seus documentos eram regularizados. No total, de 2010 até hoje, cerca de 2.300 migrantes haitianos passaram pelo estado, informou.
Depois da primeira audiência na CRE sobre o tema (em 2011), informou Nilson, a situação ganhou mais visibilidade nacional, com o governo federal enviando recursos, 14 toneladas de alimentos e a regularização dos documentos ganhando agilidade.
O secretário garantiu que apenas 60 haitianos continuam em situação pendente no Brasil, mas que os documentos dessas pessoas serão regularizados em breve.
“Hoje consideramos a situação no Acre resolvida, agimos de modo correto e demos a ajuda necessária, com auxílio do governo federal, da iniciativa privada e da imprensa. Considero missão cumprida”, afirmou.
Fluxo em Tabatinga
Já o prefeito de Tabatinga (AM), Saul Nunes Bemerguy, afirmou que a situação de sua cidade ainda é delicada. Localizada em região de fronteiras com Peru e Colômbia, Tabatinga já recebeu mais de quatro mil migrantes haitianos desde fevereiro de 2010. O prefeito informou que 2.842 haitianos passaram pelos municípios apenas em 2011 e que cerca de 700 ainda estão na região esperando ajuda das autoridades brasileiras.
“Queremos ajudar, mas o município de Tabatinga não tem recursos suficientes para isso. Temos uma população residente de 52 mil habitantes e mais uma população flutuante de 15 mil, principalmente estrangeiros. Nunca tem menos de 70 mil pessoas em Tabatinga, o fluxo na tríplice fronteira é intenso e permanente”, informou.
O prefeito de Tabatinga reclamou que a cidade não recebe a devida atenção dos governos estadual e federal, principalmente nas áreas de educação e saúde, e que o município não tem infraestrutura suficiente para lidar com essa alta demanda de estrangeiros.
“Não temos nada contra os haitianos, mas precisamos priorizar o povo nativo da cidade”, admitiu.
Acolhimento
A senadora Vanessa Graziottin (PCdoB-AM) voltou a sugerir que a CRE participe da audiência pública em Manaus sobre o tema em conjunto com a Comissão de Direitos Humanos (CDH), presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS) e a CPI do Tráfico de Pessoas, da qual é presidente. Ela disse que os próprios haitianos serão ouvidos durante o encontro.
Também participaram da audiência pública os senadores Cristovam Buarque (PDT-DF) e Eduardo Suplicy (PT-SP), ambos concordaram que a situação dos haitianos merece mais atenção das autoridades, com ações urgentes do poder público e insistiram no sentido de o governo brasileiro acolher os imigrantes haitianos.
Com informações da Agência Senado