Nenhum direito a menos

Governo ataca Bolsa Família e contraria Banco Mundial

Apesar de recomendações do Banco Mundial, Osmar Terra não vê necessidade de ampliar o programa; também acusa o programa de ser a causa importante, senão a maior, da informalidade do mercado de trabalho
Governo ataca Bolsa Família e contraria Banco Mundial

Foto: Divulgação

O Banco Mundial recomenda a ampliação do Bolsa Família. Mas o governo sem votos acha desnecessário. Depois de defender que havia irregularidades nos cadastros, agora alardeia que a fila de espera pelo programa está zerada. O ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, chega a desafiar os dados do organismo internacional. Ele diz que a necessidade de ampliação do programa é  definida pela demanda pelo benefício e garante que a fila para ingresso “está zerada”.

Terra só faltou chamar o estudo, elaborado pelo Banco e divulgado em fevereiro, de petista. “Eu não sei de onde o Banco Mundial tirou essa… A não ser que queriam nos colocar a pecha de governo que não se preocupa com os pobres”, desdenhou, em discurso recente. Segundo o ministro, “os organismos internacionais estão contaminados com essa visão”.

Ou seja, o relatório produzido pelo Banco Mundial, assegurando que o programa é essencial para evitar o aumento da pobreza em momentos da recessão conteria uma espécie de “viés ideológico”. O governo Temer prefere associar o Bolsa Família ao aumento da informalidade no País.

Tradução, segundo a visão governista: o benefício jogou o trabalhador para a informalidade e isso aumenta os números do desemprego. “Hoje, o Bolsa Família é uma causa importante, senão a maior, da informalidade do mercado de trabalho porque as pessoas morrem de medo de perder o Bolsa Família se arrumarem emprego. E, se arrumam um emprego, não querem assinar carteira [de trabalho]”, acrescentou, durante discurso no Projeto Brasil de Ideias, no último dia 13.

Solução, ainda de acordo com o entendimento temerário: distribuir bônus a prefeitos que consigam diminuir a informalidade.  E anunciar que garante a “benesse” da manutenção do benefício por até dois anos para quem conseguir um emprego com carteira de trabalho assinada.

Não interessa ao ministro que países copiem o modelo brasileiro bem-sucedido. Nem o reconhecimento por organismos internacionais. Nem mesmo que a mídia tradicional dedique suas páginas de opinião a criticar – ainda que suavemente –as declarações de Osmar Terra. O que importa é desmontar a iniciativa.

Pacote de medidas

Na última segunda-feira (13 de março), Osmar Terra anunciou que o governo vai lançar, ainda neste mês, um pacote de medidas. Entre elas, segundo informou,  está a premiação dos prefeitos que diminuírem a informalidade entre os beneficiários. “O prefeito vai ganhar um prêmio em recursos para o município e depois um troféu das mãos do presidente da República. É uma maneira de estimular o prefeito.  Hoje, ele não tem estímulo nenhum”, afirmou.

Mais: Terra anuncia a proposta de fomentar a inclusão de beneficiários no programa como se dependesse do trabalhador – num país com mais de 12 milhões de desempregados – a sua inclusão no mercado formal. O que o ministro defende é que o trabalhador brasileiro prefere a informalidade, porque assim pode seguir recebendo ajuda governamental. Detalhe importante: o benefício não chega a R$ 200. O valor médio é de R$ 179. Até a Folha de S. Paulo reconhece, em editorial  publicado nesta quinta-feira (16), que o valor está longe de estimular o ócio.

[blockquote align=”none” author=””]“Vocês não têm esse direito (de atacar o programa) e nós não vamos permitir”, advertiu a senadora Gleisi em pronunciamento no plenário do Senado[/blockquote]

Economistas também dizem isso. “o benefício, de menos de R$ 200 é incomparavelmente menor que um salário mínimo (que hoje chega a R$ 937).  Se uma pessoa tem a possibilidade de ter uma carteira assinada, ela vai optar por isso. Pode ter alguma exceção, mas obviamente essa não é a causa, o problema da informalidade no Brasil nasceu bem antes do programa”, defende João Sabóia, em entrevista ao El País.

Vale lembrar também que o Bolsa Família, é voltado para pessoas extremamente pobres (renda per capita mensal de até 85 reais) e pobres (renda per capita mensal entre 85 e 170 reais).  O programa tem hoje cerca de 13,6 milhões de famílias beneficiadas e o valor repassado a cada usuário varia de acordo com o número de membros da família, idade e renda declarada no Cadastro Único.

As medidas já repercutem no Senado Federal. A líder do PT, Gleisi Hoffmann (PR) deixa bem claro que haverá resistência a mudanças que visem caçar os direitos dos mais pobres. Em discurso nesta quinta-feira (16), ela alertou: “Tirem seus dedinhos do Bolsa Família”. Lembrando que os tucanos tentaram surfar no programa quando perceberam o tamanho de seu alcance, Gleisi disparou aos neogovernistas: “Vocês não têm esse direito (de atacar o programa) e nós não vamos permitir”.

O líder da Oposição, Humberto Costa (PT-PE) define as propostas de Terra com um único adjetivo: bobagem.]As prefeituras  não  têm a menor condição de oferecer empregos públicos e não têm como estimular o emprego de forma isolada”, lembra, sobre a ideia de concessão de troféus a prefeitos que estimulam a formalização do trabalho

Segundo Humberto, é um equívoco pensar em diminuir o alcance do benefício quando a crise econômica é maior e a renda da população diminui. Ele diz que as propostas não passam de um pretexto para reduzir o programa e a importância que ele tem para a redução da miséria. “As declarações estão na contramão do que apontou o relatório do Banco Mundial”, lembrou.

[blockquote align=”none” author=”Humberto Costa”]”As prefeituras  não  têm a menor condição de oferecer empregos públicos e não têm como estimular o emprego de forma isolada”[/blockquote]

A recessão econômica em que o Brasil está mergulhado fez com que um milhão de famílias retornassem ao programa. O próprio ministério comandado por Terra diz que, devido ao agravamento da crise, houve um salto de pedidos de reinclusão em 2015: 423.668 famílias que foram beneficiárias do Bolsa Família entre 2003 e 2011 retornaram ao programa. Em 2016, ano em que a economia brasileira encolheu 3,6%, o número foi ainda maior, 519.568 retornos. Somando os dois anos foram 943.236 famílias que voltaram a receber o benefício.

Nos anos anteriores ao início da crise, os números de retornos eram bem menores. Em 2014, por exemplo, foram 186.761 reinclusões.

No ano passado – primeiro do governo sem votos – 1,1 milhão de famílias tiveram o benefício suspenso. Ou seja, em vez de crescer por causa da crise, o programa está encolhendo. Entre janeiro do ano passado e o mesmo mês de 2017, foram 408 mil a menos –reduzindo o número de beneficiários para 13,5 milhões.

O governo Temer diz que a queda tem relação direta com a melhoria na fiscalização do programa e Osmar Terra insiste que todos que precisam estão atendidos. Reportagens publicadas recentemente dão conta de que boa parte dos que foram cortados não tinham problemas com fraudes, mas com a burocracia: algumas famílias deixam de fazer recadastramento e são cortadas, outras têm problemas com o preenchimento do cadastro de inscrição no programa, por exemplo.

Mais pobres

O relatório do Banco Mundial  que o ministro Terra critica estima que o Brasil deve ganhar 3,6 milhões de pobres nos próximos anos. A conclusão, que incomodou o ministro, mostra que é preciso ampliar o Bolsa Família, separando R$ 30,4 bilhões para o programa neste ano. Mas o orçamento de 2017 prevê apenas R$ 29,3 milhões.

O economista do Banco Mundial Emmanuel Skoufias disse ao jornal Folha de S.Paulo que o Brasil precisa se decidir sobre se quer deter o avanço da pobreza e aumentar os investimentos num programa mundialmente reconhecido. Segundo ele, esse seria o modo mais efetivo de impedir o retorno de brasileiros para a linha de miséria absoluta.

Em palestra no instituto Insper, o economista disse que, numa situação de crise fiscal e com os investimentos congelados por vinte anos, não há como acreditar que haverá dinheiro para garantir a recuperação da economia e, portanto, a redução do número de pessoas que efetivamente precisam do beneficio.

Preconceito

Desde sua criação, o Bolsa Família enfrenta preconceitos variados.  Foram todos desmontados. Apesar disso, ainda resistem no imaginário de alguns. É comum chamar o programa de Bolsa Esmola e dizer que as pessoas preferem a informalidade à perda do benefício.

Vale mais uma recordação: segundo as regras do extinto Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, os beneficiários do programa sempre puderam continuar no programa se entrassem para o mercado formal:  por dois anos, desde que a renda per capta em sua família não fosse maior que dois salários mínimos ou por tempo indeterminado desde que a renda familiar per capta fosse menor que o teto (R$ 154 à época).

“Sempre houve margem para que o beneficiário que consegue emprego formal permanecesse no programa. E, para quem tinha necessidade de voltar, a possibilidade de retorno era muito tranquila”, lembra Humberto Costa. Para ele, a visão do ministro Osmar Terra está “equivocada”.

Reprodução autorizada mediante citação do site PT no Senado

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