SOS amazônia

Governo estimula mineração em área protegida

Senador comentou denúncia que revelou lobby de militar reformado em nome de empresa canadense e plano para aprovar extração mineral sem consulta
Governo estimula mineração em área protegida

Foto: Alessandro Dantas/ PT no Senado

A denúncia é grave. Um militar reformado, que estudou com o vice-presidente da República na escola de oficiais, intitula-se consultor de projetos e abre várias portas do Palácio do Planalto para empresa de mineração canadense interessada em explorar grandes glebas na Amazônia, inclusive em áreas indígenas ou destinadas à reforma agrária. A reportagem da Agência Pública, replicada pelo UOL nesta segunda-feira (21), desenha o que pode ser um fluxo de tráfico de influência que começa na Vice-Presidência, avança para o Ministério de Minas e Energia e outras repartições de governo, mas, também de forma suspeita, sempre desvia de órgãos de controle ambiental e de direitos do cidadão.

Nomeando um por um os personagens, a reportagem revela que Cláudio Barroso Magno Filho, general de brigada da reserva, que conhece o vice-presidente Hamilton Mourão dos tempos da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), há 40 anos, tornou-se, em 2019, lobista do banco F&M (Forbes & Manhattan), grupo canadense que explora mineração, além de energia e petróleo. Com a “consultoria” de Cláudio Barroso, a mineradora obteve audiência com Mourão e, depois, com o ministro de Minas e Energia, o almirante da reserva Bento Albuquerque. Isso tudo no primeiro ano de Bolsonaro no Planalto. Um salto e tanto para uma empresa que tentava, há oito anos, obter licenciamentos ambientais para empreendimentos amazônicos – Belo Sun e Potássio do Brasil – conhecidos pelo risco que representam a pequenos agricultores, indígenas e ribeirinhos.

Para o senador Jean Paul Prates (PT-RN), o episódio mostra que há método nessas ações do governo. “Bolsonaro, por vezes, demonstra uma sanha por desmontar ou destruir que sugere apenas diversionismo voltado para uma ala mais radical que continua apoiando o seu governo. O que parecia irracional começa a dar sinais de que não é bem assim. Há racionalidade e interesses a serem protegidos. Tem gente ganhando dinheiro para intermediar contatos e favores deste governo. Nós já tínhamos visto este filme durante a pandemia, quando amigos de integrantes do governo tentaram vender vacinas para os brasileiros a preços proibitivos. Agora vemos esses crimes se repetindo na tentativa de facilitar a mineração e o garimpo em áreas protegidas. Isto tem um nome e é corrupção!”

De fato, no atual governo, os processos que interessam à F&M não só começaram a andar rapidamente, mas também driblaram órgãos técnicos e até a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público da União (MPU). Um desses lances foi a criação, há pouco menos de um ano, da “Política Pró-Minerais Estratégicos”, que veste com pompa – solucionar conflitos, minimizar riscos etc – um conjunto de medidas para priorizar os negócios das mineradoras ligadas ao F&M na Amazônia. Tudo feito sem a participação de representantes de órgãos do Ministério do Meio Ambiente associados ao licenciamento de mineradoras.

Na prática, os projetos da empresa canadense passaram a ser tocados sob a batuta de um seleto grupo de auxiliares do governo. É o caso do contrato assinado pelo presidente do conselho diretor do Incra, Geraldo de Melo Filho. Pelo documento, o órgão vinculado ao Ministério da Agricultura concedeu à Belo Sun uma área de 2.428 hectares no município de Senador José Porfírio (PA), a 150 quilômetros de Altamira. Mais da metade dessas terras estava destinada a projeto de assentamento da reforma agrária. Tudo foi feito sem consulta pública nem instrução normativa, como acusam a DPU e o MPU, que tentam na justiça reverter a decisão.

Organizações não governamentais que atuam na região amazônica no apoio a projetos sustentáveis apoiam a ação da Defensoria Pública e do Ministério Público. Adriana Ramos, assessora de políticas públicas do Instituto Socioambiental (ISA), explica que “via de regra, todo grande empreendimento com impactos em áreas de assentamentos da reforma agrária deveria ser alvo de consulta pública”.

Coincidência ou não, a reportagem da Agência Pública registra que a última visita do general da reserva Cláudio Barroso ao Incra foi em novembro do ano passado, na véspera da assinatura do tal contrato entre o Incra e a mineradora que ele representa no Brasil.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) também teria sido usada para atender à sanha de licenciamentos. Na fase mais complicada da pandemia, no primeiro trimestre de 2021, e sem que boa parte da população indígena tivesse sido vacinada, o órgão precipitou reuniões de representantes da Belo Sun nas terras indígenas Arara da Volta Grande do Xingu e Paquiçamba (PA). O objetivo era validar logo a licença de instalação do empreendimento.

Enquanto o lobista que substituiu farda por terno e gravata mantém acesso livre nos altos gabinetes do Planalto, movimentos sociais, ONGs e órgãos ligados à defesa da cidadania tentam evitar que se concretize o que para a Forbes & Manhattan é exibido como propaganda: ser a maior mineradora de ouro a céu aberto do Brasil – construindo, para isso, uma barragem de rejeitos maior que a da Vale, rompida em Mariana (MG). Um marketing que, aliás, ignora a legislação e confia nas costas quentes. A Potássio do Brasil também foi acionada na justiça pelo Ministério Público Federal por perfurar área antes de obter autorização.

Garimpo de varejo

Fora dos corredores do Planalto, onde as grandes mineradoras deslizam com a ajuda do lobista colega de Mourão, o governo age na Câmara para aprovar o PL 191/2020, que regulamenta o garimpo em terras indígenas. O projeto é da lavra do ministro Bento Albuquerque e de Sergio Moro, na época ministro da Justiça, e, de acordo com o Ministério Público, é inconstitucional. Tal como a prática envolvendo a mineração de grande porte, aqui o governo enviou ao Legislativo uma proposta que alija povos indígenas e, nesse caso, o próprio Congresso Nacional do debate, e dá mais poderes à Agência Nacional de Mineração (ANM), vinculada à pasta de Minas e Energia. A Constituição ordena que pesquisa e lavra de riquezas minerais em terras indígenas dependem exclusivamente do Congresso, que também é o responsável por autorizar ou não a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a 2.500 hectares.

Números mencionados pelo MPF dão conta do impacto negativo trazido por essa atividade fora da lei nas terras indígenas. Em 2018 o garimpo ilegal no Brasil despejava por ano no meio ambiente cerca de 221 toneladas de mercúrio, substância que contamina rios e peixes, afetando diretamente a saúde dos povos indígenas. Aí veio Bolsonaro e sua política pró-garimpo. No parecer sobre o projeto em análise na Câmara, em julho do ano passado, o Ministério Público complementou: “a apresentação do PL 191/2020 e as manifestações de apoio ao garimpo emanadas de algumas autoridades explicam, ao menos em parte, o crescimento dessa atividade ilegal em terras indígenas, o que ameaça comunidades próximas às áreas de garimpo”.

Crimes no atacado

Não à toa, aumentou a incidência de operações da Polícia Federal que flagraram crimes relacionados à mineração ilegal na Amazônia nos últimos anos. Um estudo (Artigo Estratégico – “O ecossistema do crime ambiental na Amazônia: uma análise das economias ilícitas da floresta”) lançado há poucos dias pelo Instituto Igarapé analisa dados de 369 operações da Polícia Federal, realizadas entre 2016 e 2021. A mineração ilegal figura em 137 dessas operações, mas somente 38 delas resultaram em alguma sanção administrativa aos criminosos. O estudo demonstra ainda que desmatamento ilegal, associação criminosa, corrupção e posse de explosivos estão diretamente associados à mineração ilegal.

De acordo com publicação desta terça-feira (22) da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em parceria com a Amazon Watch, o desmatamento ligado à mineração na Amazônia aumentou 62% em 2021 na comparação com 2018, ano da eleição de Bolsonaro. As duas organizações apontam que a ANM analisa, atualmente, pedidos de mineração em 197 territórios indígenas. Se liberados, esses empreendimentos devastariam uma área equivalente à dos estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte, somados. Só na terra dos Yanomami as empresas solicitantes querem abocanhar 1/3 do território indígena para o garimpo.

 

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