Enquanto a fome cresce em todas as regiões do país, os programas destinados a subsidiar o crédito agrícola, o seguro rural e o apoio à comercialização sofreram severa desidratação no Orçamento da União para 2021. No relatório final aprovado em março pelo Congresso Nacional, a destinação orçamentária para o Plano Safra, inicialmente prevista em R$ 10,3 bilhões, sofreu um corte de 26% e caiu para R$ 7,55 bilhões.
O maior corte ocorreu no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf): a destinação inicial, de R$ 3,85 bilhões, caiu para R$ 2,5 bilhões, após um corte de R$ 1,3 bilhão (35%). A verba é utilizada para financiar o plantio e também para sustentar empréstimos nas linhas do Pronaf que chegam a superar R$ 30 bilhões.
Praticada em 77% das propriedades produtivas em 23% da área agrícola do país, a agricultura familiar garante renda e alimento para dez milhões de brasileiros, conforme o mais recente Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2017. Mas o valor de produção desse tipo de plantio corresponde a apenas 23/% do alcançado nas grandes propriedades.
Dedicada ao mercado interno, a agricultura familiar é mais sensível a mudanças de subvenção do que a agricultura tradicional e exportadora de matérias-primas, que tem recursos com venda futura e mais capital de giro. O valor médio dos custeios do Pronaf, segundo especialistas, é de R$ 40 mil por ano, o que custa ao governo cerca de 10% e mantém uma média de três pessoas ocupadas por ano.
“O corte no Pronaf surpreendeu muito porque, em São Paulo, por exemplo, 78% dos agricultores são pequenos e cerca de 90% usam o programa”, afirmou Tirso Meirelles, vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp), à ‘Folha de São Paulo’. Segundo ele, a redução nos repasses pode levar até mesmo à interrupção imediata de linhas de financiamento rural.
João Luiz Guadagnin, diretor no Ministério de Desenvolvimento Agrário na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, disse que os repasses para o Pronaf já são insuficientes, mas agora está à beira do “caos”. “Tem que tirar dinheiro das emendas parlamentares ou dos militares, que tiveram reajuste no orçamento”, afirma o especialista em crédito rural. “Se não houver remanejamento, a Secretaria do Tesouro terá que pedir, no máximo em maio, para que parem as contratações com o recurso subvencionado.”
Governo usou só metade dos recursos para combate à fome em 2020
Além de retirar recursos do Pronaf, o desgoverno Bolsonaro negligencia o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Diante da previsão de apenas R$ 101 milhões para o PAA em 2021, movimentos populares e parlamentares pressionam para que seu orçamento chegue a R$ 1 bilhão. O valor já havia sido solicitado para 2020, mas apenas R$ 500 milhões foram destinados ao programa, e R$ 240 milhões sequer foram executados.
“É lamentável que, em plena pandemia, com milhões de pessoas passando fome, com os agricultores desde o começo da pandemia sem nenhum auxílio, sem nenhum apoio, tenha R$ 240 milhões parados no ministério por incompetência do governo e por opção de não se executar o recurso”, afirmou Alexandre Conceição, da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), ao portal ‘Brasil de Fato’.
Coordenador do núcleo do PT que atua em pautas agrárias, o deputado federal Pedro Uczai (SC) responsabiliza a falta investimentos federais nos programas e políticas voltados à agricultura familiar pela inflação dos alimentos e pelo empobrecimento da população. “Agora o governo não tem alternativa. Tem que pôr recurso na agricultura familiar para produzir alimento e fortalecer o setor e também para produzir para o mercado de massa nacional, porque o povo já está passando fome”, critica.
Um grupo de parlamentares do PT também atua para que o Ministério da Agricultura (Mapa) libere valores não utilizados na Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), que estabelece preço mínimo de referência a produtos agrícolas para assegurar a rentabilidade básica da produção. Ano passado, a ação teve R$ 1,8 bilhão em recursos totais, mas foram gastos apenas R$ 168 milhões, ou menos de 10% do valor.