A incorporação de um general brasileiro ao Comando Sul das forças armadas norte-americanas (United States Southern Command) é uma grave agressão à soberania do Brasil. Para o ex-chanceler Celso Amorim, a designação, caso se concretize “é totalmente imprópria e incompatível com concepção de independência” que constam das linhas mestras traçadas para a Defesa Nacional e devidamente aprovadas pelo Congresso.
Para o deputado federal e também ex-ministro Patrus Ananias (PT-MG), a nomeação não condiz com um país soberano e com projeto próprio. “Um general brasileiro a serviço das forças armadas americanas é um forte indicativo de que estamos de novo a caminho de ser colônia dos Estados Unidos”.
Interesses americanos
Segundo o site oficial do SOUTHCOM, esse setor das forças armadas dos EUA é “responsável por fornecer planejamento de contingência, operações e cooperação em segurança” à área geográfica ao qual está designado, ou seja: América Central, América do Sul e Caribe.
Na prática, isso significa que essa é a força responsável por defender os interesses e a política de segurança norte-americanos na região.
[blockquote align=”none” author=”Patrus Ananias, deputado federal PT-MG”]“Um general brasileiro a serviço das forças armadas americanas é um forte indicativo de que estamos de novo a caminho de ser colônia dos Estados Unidos”[/blockquote]
O Comando Sul reúne um contingente de “mais de 1.200” integrantes, entre “militares e civis” representando o Exército, a Marinha, a Força Aérea, o Corpo de Fuzileiros Navais, a Guarda Costeira e “várias outras agências federais” norte-americanas.
Força auxiliar
“É escandaloso: viramos força auxiliar das Forças Armadas norte-americanas. Os EUA voltam a fazer do Brasil e da América Latina o seu quintal”, protestou o ex-senador Lindbergh Farias (PT-RJ).
Ele lembra que o Brasil sempre seguiu a lógica de participar de ações multilaterais, como definem todos os tratados internacionais firmados pelo País e Congresso Nacional, e jamais aceitou subordinar sua defesa a países estrangeiros.
A decisão de incorporar o general-de-brigada Alcides Valeriano de Faria Júnior como um dos vice-comandantes do Comando Sul dos EUA foi anunciada pelo próprio chefe desse setor das Forças Armadas Americanas, almirante Craig S. Faller.
Desconforto
Recentemente, o governo Bolsonaro causou profundo descontentamento nas Forças Armadas ao prometer ao presidente Donald Trump ceder um pedaço de território brasileiro para a implantação de uma base militar norte-americana.
Para especialistas em defesa e relações internacionais, a nomeação de um militar brasileiro de alta patente para ocupar um posto no Comando Sul das Forças Armadas dos EUA tem conteúdo ainda mais grave e coroa uma série de “renúncias” à autonomia e à altivez que caracterizaram as políticas de defesa e de relações exteriores adotadas pelo Brasil durante os governos petistas.
Renúncias
O sociólogo Marcelo Zero, assessor da Bancada do PT no Senado para a área de Relações Exteriores e Defesa Nacional, lembra que essas renúncias começaram logo após o golpe de 2016, com o abandono de postulados da Estratégia Nacional de Defesa (END), como a revitalização da indústria de material de defesa, com estímulo ao desenvolvimento econômico e tecnológico autônomo. Além do desinteresse aparente pela importância dessa área, há o estrangulamento dos investimentos decorrente da política de austeridade fiscal
Marcelo Zero também lembra o convite inédito ao Exército dos EUA para participar de um exercício militar conjunto, em novembro de 2017, na tríplice fronteira amazônica entre Brasil, Peru e Colômbia. “Uma decisão política preocupante para a soberania nacional, no campo da defesa e da indústria de defesa”.
Submissão
Outros indicadores preocupantes da intenção de subordinação do Brasil aos EUA são a anunciada renegociação do Acordo de Alcântara com os EUA, que impediria o desenvolvimento do nosso veículo lançador e foguetes e propiciaria a criação de uma base militar norte-americana em solo brasileiro.
“A compra da Embraer pela Boeing, face ao uso dual, civil e militar, da tecnologia aeronáutica, deverá também comprometer projetos militares de relevo, bem como inviabilizar o desenvolvimento tecnológico autônomo, num campo sensível e estratégico”, lembra Zero.